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JANIO DE FREITAS
Votar para quê?
Enquanto a campanha
contra o voto para deputado
carrega as baterias, é tempo ainda de pensar em uma pergunta:
não seria melhor, em vez de recusar o voto, aceitar o trabalho de
escolher criteriosamente um candidato? Sob certas condições, a recusa do voto é atitude política e
democrática, e já foi assim na ditadura. Mas, em situações como a
atual, pode ser o oposto, pode traduzir-se, na prática, em recusa a
colaborar na construção da democracia -tarefa pra lá de cansativa, mas sem alternativa.
É certo que a possibilidade de
escolha criteriosa está limitada a
uma parte do eleitorado. As camadas desprovidas de condições
culturais e materiais de acesso à
informação cotidiana, na qual
garimpar as razões da sua opinião, ficam indefesas diante da
vigarice com nome de política. É
injusta e inverdadeira a idéia de
que o Congresso é ruim porque
essas camadas votam mal, seduzidas com facilidade por promessas de benefícios e por recompensas chinfrins. Seus votos decorrem
do nível de instrução e de informação, mas sobretudo são reflexos de necessidades e de objetivos
completamente diferentes dos comuns às camadas favorecidas. E
de modo geral mais justificados e
mais respeitavelmente humanos.
Também é certo que o cuidado
antes do voto não é garantia de
conduta satisfatória do votado, se
eleito. O que estamos vendo nesses dias é a mistura, no mesmo
cofre sórdido, de eleitos pelo eleitorado desfavorecido e de eleitos
também pela elite cultural e social paulista, além de outras menos cotadas. Qual desses eleitores
"vota mal", "não sabe votar"?
Nenhum voto deixa de ser um
risco. Aí não está, porém, motivo
para menosprezar a possibilidade de votar. É motivo, isso sim,
para reduzir o risco ao mínimo
possível, como faz quem dirige direito, atravessa ruas com atenção, enfim, "não marca bobeira",
no dizer dos nossos atuais orientadores culturais. Quem está indignado, a ponto de não querer
votar, é quem mais deve votar
-para que haja, talvez, a oportunidade de reduzir as tão variadas motivações de indignação. O
que falta na política brasileira, e
causa a sua deterioração crescente, não é a repulsa de fora, é a
maior mobilização exigente sobre e em torno dos políticos de todos os níveis e quadrantes. Como
um cerco, mesmo.
Se o Congresso melhora ou piora, a política e os governos melhoram ou pioram, e tudo o mais
melhora ou piora. Ainda ontem
os deputados receberam R$
12.847 de "ajuda de custo". Essa é
a denominação. Na realidade, é o
15º salário. Pois é, são 15 salários
por ano. Uma "ajuda" em dezembro porque se encerra o ano
legislativo, outra no começo do
ano porque se inicia o ano legislativo, o 13º e os 12 mensais. Sem
contar os salários dobrados pela
convocação extraordinária, que
está em curso neste mês de plenas
férias e assim continuará até 16
de janeiro.
Deputado deve ganhar bem,
mas para trabalhar. Não para beneficiar-se de um sistema em que
só nas quartas-feiras sua ausência infringirá as normas, ainda
assim, em termos. E desde que a
quarta-feira não esteja em semana com algum feriado, caso em
que a semana mesma vira feriado. Mudar o atual sistema com
recusa de votar? Com voto criterioso é difícil, sem ele é impossível. Pior: sem ele, menos ou mais
tarde a coisa vai estourar, de algum modo vai estourar.
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