São Paulo, sábado, 29 de dezembro de 2007

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Terra indígena é entrave para o Exército

Demarcação da Raposa Serra do Sol (RR) contribui para despovoamento, deixando região vulnerável a invasões, dizem oficiais

Com homologação de forma contínua, arrozeiros devem sair da reserva; segundo um oficial, há expectativa de revisão da demarcação

DO ENVIADO A PACARAIMA (RR)

Para o Exército brasileiro, a demarcação da terra indígena Raposa Serra do Sol, atingindo de forma contínua 1,74 milhão de hectares nas fronteiras com a Venezuela e Guiana, contribuiu para o despovoamento da região do lado brasileiro.
Segundo oficiais ouvidos pela Folha, o crescimento demográfico na fronteira garantiria mais segurança contra eventuais incursões estrangeiras. Roraima é o Estado brasileiro com menor população: 395.725 habitantes, segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
"O Exército nunca foi favorável à luta dos povos indígenas. Nunca. Todo o tempo, ele foi contra", diz o tuxaua (líder indígena macuxi) Walter de Oliveira, 39.
"O que existe aqui é um interesse nacional do povo brasileiro [contra] um interesse estrangeiro representado por ONGs [organizações não-governamentais], Igreja Católica e setores do governo brasileiro. Eles instrumentalizam meia dúzia de índios que passaram a ser ventríloquos das idéias desse povo", afirma Paulo César Justo Quartiero, 55, presidente da Associação dos Produtores de Arroz de Roraima.
Quartiero (DEM), ex-prefeito de Pacaraima (RR), e o macuxi Oliveira são adversários no conflito da demarcação da Raposa Serra do Sol. A área foi homologada em abril de 2005 pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para abrigar, segundo a Funai (Fundação Nacional do Índio), 14 mil macuxis, wapixanas, ingarikós, taurepangs e patamonas.
A homologação implica a retirada dos produtores de arroz da região. Quartiero tem duas fazendas, que somam 9.200 hectares, dentro da área demarcada como terra indígena.
A Folha apurou que os militares são contra a demarcação de terra de forma contínua, o que levará à retirada de plantadores de arroz, fazendeiros e moradores não-índios da área. A última lista da Funai traz a relação de 40 propriedades que devem ser desocupadas.
Desde novembro, a Polícia Federal prepara uma operação para desocupar a terra, o que envolveria 400 policiais.
Segundo um oficial ouvido pela Folha, há a expectativa de alguma revisão na decisão da demarcação. Para ele, os dados usados para a tomada de decisão são irreais. Oficialmente o Exército não fala sobre o tema.
"Em 1992, quando se falava do reconhecimento da terra indígena, o Exército anunciou em uma nota que na área de fronteira não existia índio. [Dizia que] existiam só pessoas estrangeiras que eram da Guiana e da Venezuela. Por isso, o Exército sempre foi contra, e vai continuar", afirma o índio macuxi Oliveira.
Também dirigente do CIR (Conselho Indígena de Roraima), ele afirma que em setembro recebeu da Presidência da República a promessa de que a área seria desocupada em novembro, o que não ocorreu. Os indígenas dão um ultimato ao governo: até março.
"Vamos reunir 13 mil índios. Se eles morrerem, vão morrer aqui dentro da terra deles. E a responsabilidade vai ser do governo federal de não tomar as providências cabíveis", diz.
Ele faz uma ressalva: "Nós, povos indígenas, nunca vamos contra o Exército. Entendemos que é direito proteger a fronteira, cuidar dos brasileiros sem deixar invadir. Se precisar de nosso apoio, estamos aqui para ajudar e não para atrapalhar".

Contra a demarcação
Quartiero afirma que também pode reunir índios, mas contra a demarcação. "Se tiver que reunir 5.000, eu reúno. Dando comida, carne e refrigerante", afirmou ele.
A crítica principal do presidente da Associação dos Produtores de Arroz de Roraima é a da intervenção de ONGs estrangeiras na demarcação de terras indígenas na Amazônia. "Hoje nós não estamos mais no estágio de internacionalização. Hoje nós teríamos que nacionalizar a Amazônia."
A associação afirma não ter se intimidado com a demarcação da Raposa Serra do Sol e que reverterá o quadro no STF (Supremo Tribunal Federal).
Enquanto isso, investe na região. "Nós estamos aumentando em 20% a produção de arroz, investindo R$ 6,5 milhões. A Raposa Serra do Sol representa 60% da produção de arroz", diz Quartiero.
Segundo ele, os produtores rurais chegaram à região há 31 anos e "não havia indígenas na área". Quartiero diz que a associação reivindica apenas 4% da terra indígena. "É uma migalha, mas eles querem impedir que alguém produza na Amazônia." (HUDSON CORRÊA)


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