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Terra indígena é entrave para o Exército
Demarcação da Raposa Serra do Sol (RR) contribui para despovoamento, deixando região vulnerável a invasões, dizem oficiais
Com homologação de forma contínua, arrozeiros devem sair da reserva; segundo
um oficial, há expectativa de revisão da demarcação
DO ENVIADO A PACARAIMA (RR)
Para o Exército brasileiro, a
demarcação da terra indígena
Raposa Serra do Sol, atingindo
de forma contínua 1,74 milhão
de hectares nas fronteiras com
a Venezuela e Guiana, contribuiu para o despovoamento da
região do lado brasileiro.
Segundo oficiais ouvidos pela
Folha, o crescimento demográfico na fronteira garantiria
mais segurança contra eventuais incursões estrangeiras.
Roraima é o Estado brasileiro
com menor população: 395.725
habitantes, segundo o IBGE
(Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística).
"O Exército nunca foi favorável à luta dos povos indígenas.
Nunca. Todo o tempo, ele foi
contra", diz o tuxaua (líder indígena macuxi) Walter de Oliveira, 39.
"O que existe aqui é um interesse nacional do povo brasileiro [contra] um interesse estrangeiro representado por
ONGs [organizações não-governamentais], Igreja Católica
e setores do governo brasileiro.
Eles instrumentalizam meia
dúzia de índios que passaram a
ser ventríloquos das idéias desse povo", afirma Paulo César
Justo Quartiero, 55, presidente
da Associação dos Produtores
de Arroz de Roraima.
Quartiero (DEM), ex-prefeito de Pacaraima (RR), e o macuxi Oliveira são adversários
no conflito da demarcação da
Raposa Serra do Sol. A área foi
homologada em abril de 2005
pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para abrigar, segundo a Funai (Fundação Nacional
do Índio), 14 mil macuxis, wapixanas, ingarikós, taurepangs
e patamonas.
A homologação implica a retirada dos produtores de arroz
da região. Quartiero tem duas
fazendas, que somam 9.200
hectares, dentro da área demarcada como terra indígena.
A Folha apurou que os militares são contra a demarcação
de terra de forma contínua, o
que levará à retirada de plantadores de arroz, fazendeiros e
moradores não-índios da área.
A última lista da Funai traz a
relação de 40 propriedades que
devem ser desocupadas.
Desde novembro, a Polícia
Federal prepara uma operação
para desocupar a terra, o que
envolveria 400 policiais.
Segundo um oficial ouvido
pela Folha, há a expectativa de
alguma revisão na decisão da
demarcação. Para ele, os dados
usados para a tomada de decisão são irreais. Oficialmente o
Exército não fala sobre o tema.
"Em 1992, quando se falava
do reconhecimento da terra indígena, o Exército anunciou
em uma nota que na área de
fronteira não existia índio. [Dizia que] existiam só pessoas estrangeiras que eram da Guiana
e da Venezuela. Por isso, o
Exército sempre foi contra, e
vai continuar", afirma o índio
macuxi Oliveira.
Também dirigente do CIR
(Conselho Indígena de Roraima), ele afirma que em setembro recebeu da Presidência da
República a promessa de que a
área seria desocupada em novembro, o que não ocorreu. Os
indígenas dão um ultimato ao
governo: até março.
"Vamos reunir 13 mil índios.
Se eles morrerem, vão morrer
aqui dentro da terra deles. E a
responsabilidade vai ser do governo federal de não tomar as
providências cabíveis", diz.
Ele faz uma ressalva: "Nós,
povos indígenas, nunca vamos
contra o Exército. Entendemos
que é direito proteger a fronteira, cuidar dos brasileiros sem
deixar invadir. Se precisar de
nosso apoio, estamos aqui para
ajudar e não para atrapalhar".
Contra a demarcação
Quartiero afirma que também pode reunir índios, mas
contra a demarcação. "Se tiver
que reunir 5.000, eu reúno.
Dando comida, carne e refrigerante", afirmou ele.
A crítica principal do presidente da Associação dos Produtores de Arroz de Roraima é a
da intervenção de ONGs estrangeiras na demarcação de
terras indígenas na Amazônia.
"Hoje nós não estamos mais no
estágio de internacionalização.
Hoje nós teríamos que nacionalizar a Amazônia."
A associação afirma não ter
se intimidado com a demarcação da Raposa Serra do Sol e
que reverterá o quadro no STF
(Supremo Tribunal Federal).
Enquanto isso, investe na região. "Nós estamos aumentando em 20% a produção de arroz, investindo R$ 6,5 milhões.
A Raposa Serra do Sol representa 60% da produção de arroz", diz Quartiero.
Segundo ele, os produtores
rurais chegaram à região há 31
anos e "não havia indígenas na
área". Quartiero diz que a associação reivindica apenas 4% da
terra indígena. "É uma migalha, mas eles querem impedir
que alguém produza na Amazônia."
(HUDSON CORRÊA)
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