São Paulo, sábado, 29 de dezembro de 2007

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Garimpeiros vão à Venezuela atrás de ouro

Pessoas que cruzam a fronteira para viver da mineração dizem apoiar Chávez; venezuelanos compram alimentos no Brasil

"Aqui, trabalhamos das 4h às 18h", diz Benjamim Silva, que almoça no buraco onde outros homens removem a terra e quebram rochas

DOS ENVIADOS A LAS CLARITAS (VENEZUELA)

A comerciante brasileira Neuza de Souza Oliveira, 47, conseguiu 2,5 kg de ouro num garimpo da Venezuela em sete anos de trabalho na região do povoado de Las Claritas, a 250 km da fronteira com o Brasil.
Com o dinheiro da venda do ouro, ela comprou, há um ano, terreno em Las Claritas, construiu casa e montou comércio: uma mercearia contígua a um restaurante.
Trata-se de ponto de encontro de garimpeiros brasileiros que trabalham na Venezuela e, segundo Neuza, só têm elogios ao governo do presidente venezuelano Hugo Chávez.
Vinda de Itaituba (PA), Neuza emprega no comércio quatro funcionários brasileiros, mas não revela o que o garimpo lhe rendeu. Ela diz que o grama do ouro vale, na região, 115 mil bolívares (moeda da Venezuela).
Cada R$ 1 corresponde a 2.000 bolívares, conforme o câmbio praticado em Las Claritas e na fronteira. Fazendo as contas: Neuza teria ganhoR$ 143,7 mil no garimpo com os 2.500 gramas de ouro.
"Aqui é muito bom. A gente não paga água, não paga energia. Tem gente que diz: "Ah, o presidente da Venezuela é ruim". Mas, para mim, é excelente pessoa. Eu gosto daqui", diz Neuza, sempre sorrindo, com um dente de ouro à mostra, intercalando palavras em português e espanhol.
Ela exibe à reportagem uma carteira de identidade da Venezuela expedida pela "estrangeria de Las Claritas".

Contrafluxo
Em um fluxo contrário, venezuelanos também buscam o território brasileiro, mas não para morar, e sim para fazer compras, principalmente de alimentos, no comércio de Pacaraima (RR) e Boa Vista (RR). Como R$ 1 vale na região 2.000 bolívares, somente "venezuelanos mais ricos" atravessam a fronteira, diz o comerciante e cambista de Pacaraima Francisco José de Araújo Vieira, 39.
O venezuelano Johan Alexander Balaguera, 27, que transporta óleo diesel e alimentos para garimpos de difícil acesso, aceita reais em pagamento, pois visita sempre Boa Vista. Ele é casado com uma brasileira. Balaguera faz crítica ao "socialismo de Chávez".
Na visão dele, o governo doa terra e abre crédito aos venezuelanos da região, mas não fiscaliza os projetos, que acabam abandonados.
Para Balaguera, conhecido como Giovany, o socialismo de Chávez sugere que pessoas trabalhem para dividir bens com "quem não faz nada".
Na Toyota de Giovany, de pára-brisa todo trincado, sem portas e com lataria corroída e solta, a reportagem deixa Las Claritas, povoado com uma rua principal asfaltada e intensa circulação de caminhonetes e carros do modelo Landau.
Após 1h40min de viagem, em que a Toyota, no meio da floresta amazônica (de mata fechada e árvores altas), venceu atoleiros com sulcos de 30 cm, a reportagem chega ao acampamento do Galo, onde vivem garimpeiros brasileiros.
É a mina do brasileiro João Oliveira, 41, conhecido como Galo, que está há 14 anos garimpando na Venezuela e veio de Pedreiras (MA) fugindo da seca nordestina. "Vim para cá e me dei bem. Comecei trabalhando para outros. Hoje comprei minhas coisas, casa, terreno e carros, mas está tudo no Brasil, em Boa Vista", conta.
"Tudo o que ganhei foi da Venezuela. Sou contra todos que falarem [mal] da Venezuela."
Embora a presença militar seja ostensiva na Venezuela, não há rigor na fiscalização contra danos ambientais causados pela mineração. Também é pouco rígido o controle do trânsito de garimpeiros, que usam passaporte de turista com visto de no máximo três meses, porém permanecem anos no país.
Galo reconhece que está provocando dano ambiental na Venezuela, mas diz: "No Brasil não temos oportunidade [de trabalho]. Não estudei porque não tive oportunidade".
A exemplo de outros garimpeiros, Galo teme que o governo da Venezuela expulse os brasileiros das minas. Ele diz que conseguiu nacionalidade venezuelana e votou em Chávez nas eleições presidenciais, mas preferiu faltar à votação do plebiscito que daria reeleição ilimitada ao presidente.
"Se o presidente [Chávez] aceitar e legalizar [o garimpo], vou trabalhar toda minha vida na Venezuela", diz Galo, dono de três dragas (máquinas usadas para lançar jatos de água e sugar a terra com ouro) e que emprega 40 brasileiros.
Entre eles, os irmãos Benjamim, 47, e Edvaldo Rosa Silva, 39. Os dois vieram de Presidente Dutra (MA) e trabalham há cinco e sete anos, respectivamente, no garimpo. Benjamim mantém a família em Boa Vista e Silva, ainda no Maranhão.
"Aqui nós trabalhamos das 4h às 18h", diz Benjamim, que almoça dentro do buraco onde outros homens, com jatos da água, removem a terra e quebram rochas. "Dos sete anos que estou aqui, só fiquei 11 meses com a família", diz Edvaldo.
O pior trabalho, porém, parece ser de Manuel dos Santos, 50. Ele fica atolado no barro para retirar pedras da mangueira de sucção de areia.
Enquanto os garimpeiros moram na Venezuela, outros brasileiros passam dias no país, como os caminhoneiros. Laerte Ribeiro, 53, presidente da cooperativa de transporte, diz que 60 caminhoneiros do Brasil trafegam pelo país de Chávez. (HUDSON CORRÊA e ALAN MARQUES)


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