São Paulo, terça-feira, 30 de janeiro de 2001

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ANTI-DAVOS

Após fugir com seguranças do MST, ativista francês que invadiu Monsanto é detido em hotel por policiais federais

PF dá 24 horas para José Bové sair do Brasil

DA AGÊNCIA FOLHA, EM PORTO ALEGRE

DOS ENVIADOS ESPECIAIS A PORTO ALEGRE

A Polícia Federal deteve ontem o ativista francês José Bové, que na companhia de militantes do MST destruíra plantações de soja transgênica da Monsanto, na sexta-feira passada. Agentes da Polícia Federal cercaram Bové por volta das 22h15 na garagem do hotel Plaza San Raphael, no centro de Porto Alegre.
O objetivo da detenção era notificar o ativista de que ele havia sido expulso do país pela Polícia Federal. A deportação fora requisitada pelo deputado estadual gaúcho Frederico Antunes (PPB).
O ativista francês não foi preso. Foi conduzido numa van à divisão de passaportes da PF, na esquina das avenidas França e Paraná. Estava acompanhado de João Stedile, líder do MST. Um acordo entre Stedile e os agentes da PF evitou a prisão.
Bové participa do Fórum Social Mundial. Foi preso, condenado e multado na França por haver depredado em 1999 uma loja McDonald's em construção, o que lhe deu certa notoriedade internacional. Diz militar pelos direitos dos agricultores franceses, que acredita prejudicados pela globalização e pelos Estados Unidos.

Deportação
O deputado Frederico Antunes havia ingressado com uma notícia-crime na PF, na qual acusou Bové de "agressão à legislação brasileira, invasão de propriedade, destruição de coisa alheia e ferimento da legislação para os estrangeiros". O Estatuto dos Estrangeiros prevê a deportação de cidadãos de outros países em "flagrante delito às leis nacionais".
Pela lei, a deportação é um ato administrativo decido pela superintendência da PF. Não é necessária uma sentença judicial. Ao ser notificado, o estrangeiro tem 24 horas para deixar o país.
A Folha apurou que o presidente Fernando Henrique Cardoso foi consultado a respeito da decisão (leia texto nesta página). Segundo Stedile, o delegado Ricardo Rocha, da PF, disse que a ordem de deportação veio do ministro José Gregori.

Policiais na porta do quarto
Agentes da PF esperavam Bové na portaria, na garagem e no 14º andar do hotel San Raphael, diante do quarto do ativista. No corredor do hotel, o cientista político e professor da USP Emir Sader discutiu com os policiais. "Quem é você?", perguntaram os policiais. "Um cidadão brasileiro, hóspede deste hotel. E vocês?", retrucou Sader. Os policiais calaram. "Têm autorização para estar aqui?", voltou Sader. Diante da chegada de fotógrafos, os policiais saíram.

Tensão no auditório
Bové foi avisado da notificação por volta das 20h, quando terminava uma palestra. Seis agentes da PF procuravam o ativista. "Vocês já viram a PF prender algum banqueiro? Algum dirigente da Monsanto? Pois eles querem prender o Bové, soubemos há pouco", disse Stedile a 600 pessoas. Depois, Stedile afirmou que o protesto na empresa transnacional de insumos agrícolas Monsanto foi de responsabilidade do MST.
Por volta das 20h40, quando Stedile e o francês estavam na sala Vip do Fórum, os agentes foram identificados pelo serviço de informações do MST. Os sem-terra montaram uma barreira quando Bové saiu da sala, protegido por seguranças do Fórum, e impediram o acesso dos policiais.
Dezenas de participantes do Fórum gritavam ao lado do francês: "Bové é meu amigo, mexeu com ele, mexeu comigo".
"Respondo pelos meus atos e não me escondo. Se quiserem me achar de madrugada, estou no quarto 1.014 do hotel Plaza San Raphael. Senão estarei amanhã (hoje) no Fórum Social Mundial. Minha intenção é voltar para a França às 22h do dia 31 de janeiro", disse Bové, às 21h, sem saber do conteúdo da notificação da PF.
O advogado do francês, Darci Frigo, disse que pedirá um habeas corpus no Supremo Tribunal Federal. O MST estuda a possibilidade de ingressar com um pedido de habeas corpus preventivo.
Stedile disse esperar que o "governo Cardoso não tenha conhecimento (da notificação) e, ao ter conhecimento, respeite à solidariedade do povo francês às nossas manifestações. Espero que o Fernando Henrique não se compare aos militares", numa referência às expulsões de padres estrangeiros no governo João Figueiredo (79-85). Bernard Cassen, diretor do jornal "Le Monde Diplomatique" disse que a "PF estava criando um incidente diplomático".


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