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NO AR
Quarenta mil escravos
NELSON DE SÁ
EDITOR DE ILUSTRADA
De João Paulo, presidente
da Câmara, consternado
com os assassinatos dos fiscais,
para a Globo:
- Vão dar mais força para a
gente continuar fazendo este
trabalho.
A questão é até que ponto João
Paulo pode se colocar ao lado
dos quatro mortos de Minas.
Até que ponto ele pode dizer,
agora, "a gente".
João Paulo é aquele que, há
dois meses, censurou o "Jornal
da Câmara" por noticiar que
Inocêncio Oliveira havia sido
condenado por trabalho escravo
numa fazenda.
João Paulo preside a Câmara,
Inocêncio é seu vice. Na época, o
presidente disse que o jornal
"agrediu de forma injusta" seu
vice e, mais, cometeu "um erro
jornalístico".
O suposto erro foi noticiar a
decisão de primeira instância.
Para ele, só após se esgotarem os
recursos a condenação podia ser
noticiada. Com sorte, daqui a
uma década.
O presidente falou e, um dia
depois, seu "Jornal da Câmara"
se retratou.
Muito diferente foi a reação
do ministro Nilmário Miranda
(Direitos Humanos), que disse
então, sobre o mesmo episódio
de Inocêncio:
- Os homens públicos devem
dar exemplo. É lamentável que
homens com essa visibilidade
sejam condenados por trabalho
escravo.
Inocêncio, é claro, pode ou
não ter dado mau exemplo.
Quanto a João Paulo, não resta
dúvida sobre o exemplo que deu
há dois meses.
E ele vem agora e anuncia a
criação, pela Câmara, de "uma
comissão para acompanhar as
investigações".
E ele vem agora e declara à
Globo que nada teme, nem a
morte, em sua luta incansável
contra a escravidão.
De resto, nos telejornais, a
morte dos fiscais abriu caminho
para um show de comiseração
midiática de Lula, José Alencar,
Aécio Neves.
Lá da Suíça, como mostrou o
Jornal Nacional, o presidente
prometeu que isso não vai ficar
assim não:
- Vamos colocar na cadeia
não apenas quem matou, mas o
mandante também.
Disse que "estamos no século
21", recordou o 13 de maio. Seu
vice foi para o velório e também
carregou nas tintas. Em toda
parte, câmeras, microfones e
consternação.
E assim a escravidão recebe
atenção, afinal. Foi primeira
manchete, de novo, no JN, na
Record, na Band.
Reportagens e reportagens
lembraram que ainda existem
"pelo menos 40 mil escravos no
Brasil".
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