São Paulo, sexta-feira, 30 de janeiro de 2004

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NO AR

Quarenta mil escravos

NELSON DE SÁ
EDITOR DE ILUSTRADA

De João Paulo, presidente da Câmara, consternado com os assassinatos dos fiscais, para a Globo:
- Vão dar mais força para a gente continuar fazendo este trabalho.
A questão é até que ponto João Paulo pode se colocar ao lado dos quatro mortos de Minas. Até que ponto ele pode dizer, agora, "a gente".
João Paulo é aquele que, há dois meses, censurou o "Jornal da Câmara" por noticiar que Inocêncio Oliveira havia sido condenado por trabalho escravo numa fazenda.
João Paulo preside a Câmara, Inocêncio é seu vice. Na época, o presidente disse que o jornal "agrediu de forma injusta" seu vice e, mais, cometeu "um erro jornalístico".
O suposto erro foi noticiar a decisão de primeira instância. Para ele, só após se esgotarem os recursos a condenação podia ser noticiada. Com sorte, daqui a uma década.
O presidente falou e, um dia depois, seu "Jornal da Câmara" se retratou.
Muito diferente foi a reação do ministro Nilmário Miranda (Direitos Humanos), que disse então, sobre o mesmo episódio de Inocêncio:
- Os homens públicos devem dar exemplo. É lamentável que homens com essa visibilidade sejam condenados por trabalho escravo.
Inocêncio, é claro, pode ou não ter dado mau exemplo. Quanto a João Paulo, não resta dúvida sobre o exemplo que deu há dois meses.
E ele vem agora e anuncia a criação, pela Câmara, de "uma comissão para acompanhar as investigações".
E ele vem agora e declara à Globo que nada teme, nem a morte, em sua luta incansável contra a escravidão.
 
De resto, nos telejornais, a morte dos fiscais abriu caminho para um show de comiseração midiática de Lula, José Alencar, Aécio Neves.
Lá da Suíça, como mostrou o Jornal Nacional, o presidente prometeu que isso não vai ficar assim não:
- Vamos colocar na cadeia não apenas quem matou, mas o mandante também.
Disse que "estamos no século 21", recordou o 13 de maio. Seu vice foi para o velório e também carregou nas tintas. Em toda parte, câmeras, microfones e consternação.
E assim a escravidão recebe atenção, afinal. Foi primeira manchete, de novo, no JN, na Record, na Band.
Reportagens e reportagens lembraram que ainda existem "pelo menos 40 mil escravos no Brasil".


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