São Paulo, sexta-feira, 30 de janeiro de 2004

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OPERAÇÃO ANACONDA

Depoimentos de acusados de venda de sentenças estão "afinados", segundo o Ministério Público

Juiz é suspeito de articular defesa de réus

FREDERICO VASCONCELOS
DA REPORTAGEM LOCAL

O Ministério Público Federal acredita que o juiz federal João Carlos da Rocha Mattos, denunciado como "mentor" da suposta quadrilha que negociava sentenças, seria também o "mentor" que orienta as defesas de outros réus presos da Operação Anaconda.
A suspeita foi reforçada com a desistência do advogado Alberto Zacharias Toron de continuar a defender o juiz preso. O anúncio dessa decisão foi feito horas depois de Toron ter sido ouvido pela Folha, na quarta-feira à noite, sobre o fato de a advogada Daniela Regina Pellin, 31, atuar, simultaneamente, em defesa do juiz e de sua ex-mulher, Norma Cunha. Nas gravações grampeadas, Norma acusa o juiz de corrupção.
"Quando se fala "defesa" dos réus da Anaconda, entenda-se a defesa que Rocha Mattos faz, pois estão todos afinados", diz a procuradora da República Ana Lúcia Amaral. Nos interrogatórios, os réus evitaram acusar os outros.
A desistência de Toron não surpreendeu o MPF. Durante o segundo interrogatório do juiz, anteontem, Rocha Mattos teria sido grosseiro, tendo várias vezes cortado a palavra do advogado.
A atuação da advogada Pellin não é recente. Ela diz que já representava o juiz na ação penal sobre uso das placas frias e na ação civil pública por improbidade.
Pellin diz que era amiga de Norma antes da Anaconda. E que, a pedido dela, requereu no STJ (Superior Tribunal de Justiça) a transferência da ex-mulher de Rocha Mattos da custódia da Polícia Federal, em Brasília, para a de São Paulo (pedido negado anteontem pelo STJ).
"Qualquer um pode impetrar habeas corpus. Isso não causa nenhum dilema", diz Pellin. Foi a essa advogada que Rocha Mattos recorreu para tentar obter do STF (Supremo Tribunal Federal), no último dia 13, a revogação de sua prisão, sob a alegação, entre outras, de que a maioria dos desembargadores do TRF estava impedida para julgá-lo. A liminar foi negada no último dia 16.
Segundo a procuradora da República Janice Ascari, ao requerer simultaneamente que o processo da Operação Anaconda fosse transferido ora para o STJ (recurso de Toron), ora para o STF (recurso de Pellin), a defesa de Rocha Mattos fez pedidos excludentes.
O STJ e o STF negaram liminar, rejeitando a alegação de Rocha Mattos de que estava sendo processado por juízo incompetente.
A procuradora Luíza Cristina Frischeisen diz que o indeferimento dessas liminares, mantendo o juiz preso, "reforça as razões fundamentadas na decisão da desembargadora Therezinha Cazerta, acolhida por unanimidade pelo Órgão Especial do TRF".
"Essa fúria de recursos do juiz é típica de quem está afundando. Bazófia não faz jurisprudência", provoca Ana Lúcia Amaral.

Recurso ao Supremo
Ao recorrer ao Supremo, Rocha Mattos usou munição que, nos últimos dois anos, não funcionou no STJ, ao acusar desembargadores do TRF. Alguns são relatores de inquéritos que o investigam.
O desembargador Baptista Pereira, por exemplo, é relator de inquérito criminal instaurado a partir de depoimento de uma ex-estagiária que teria revelado supostas ligações do juiz com doleiros.
A desembargadora Marli Ferreira é a relatora do inquérito criminal em que Rocha Mattos é acusado de uso ilegal de placas reservadas da Polícia Federal.
As acusações do juiz preso atingem desembargadores afinados com o ministro do STJ Jorge Scartezzini, ex-presidente do TRF.
Em março de 2003, a Folha revelou que, numa representação [queixa] ao STJ, Rocha Mattos diz que os advogados Cid Scartezzini, Cid Flaquer Scartezzini Filho (irmão e sobrinho de Jorge Scartezzini) e a mulher do ex-presidente do TRF, Ana Maria Goffi Flaquer Scartezzini (ex-desembargadora do TRF) atuam indistintamente em processos distribuídos a desembargadores que formariam no tribunal o "grupo Scartezzini".
Rocha Mattos dizia, na queixa, que, até em plantões, "parece haver uma série de coincidências que beneficiam um determinado grupo de advogados, interligados até por laços familiares, alguns dos quais ex-magistrados, quase sempre em causas/processos de grande repercussão, inclusive quanto ao aspecto financeiro".
Na ocasião, Jorge Scartezzini e seus parentes negaram as acusações e a influência apontada por Rocha Mattos. Os desembargadores citados não se manifestaram. O TRF negou as acusações.

Polícia Federal
No dia 30 de outubro, Rocha Mattos disse à Folha que estivera com a presidente do TRF, Ana Maria Pimentel, tendo feito "um relato sobre fato sigiloso envolvendo o diretor-geral da Polícia Federal, Paulo Lacerda".
No dia 22 de dezembro, já preso, em duas cartas ao superintendente da Polícia Federal em São Paulo, Francisco Baltazar da Silva, o juiz disse estar disposto a relatar "irregularidades graves e mesmos crimes, em tese, praticados por diversas autoridades". Ele mencionou que as denúncias diziam respeito a irregularidades no TRF.
Prevê-se que esses fatos poderão ser novamente trazidos à tona no depoimento que o juiz prestará, hoje, na Polícia Federal.


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