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DAVOS - DEBATE GLOBAL - PORTO ALEGRE
Críticas de Davos colocam a América Latina no "divã"
CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A DAVOS
A América Latina vem seguindo o receituário dito neoliberal, o
favorito de 11 de cada 10 freqüentadores habituais de Davos (o
Brasil também). Até a Argentina,
o vilão regional, por ter decretado
a moratória há três anos, mantém, por exemplo, um superávit
fiscal de 4% de seu PIB (é a diferença entre receitas e despesas do
governo como proporção da produção econômica do país).
A América Latina teve um desempenho econômico notável no
ano de 2004, ao crescer 5% (o Brasil também).
Logo, o encontro anual 2005 do
Fórum Econômico Mundial foi
uma celebração da América Latina (e do Brasil também), certo?
Errado.
Celebração sobre o desempenho econômico até que houve,
para o Brasil principalmente. Mas
cercada de tantas ressalvas que a
sub-região acabou sendo levada
ao divã, em uma sessão de três horas de duração na sexta-feira (o
Brasil foi junto).
Para começar, olhando para o
presente, lembrou William Rhodes, presidente do Citibank e um
banqueiro que lida com América
Latina há tanto tempo que fala
"obrigado" e "muchas gracias"
sem sotaque:
"A América Latina tem tremendos desafios pela frente, quando
se olha para o crescimento da China, para o que está ocorrendo na
Índia e na Ásia em geral."
Para continuar, olhando para o
futuro, Rhodes avisa que vem aí
um aumento dos juros norte-americanos, que pode afetar a
América Latina, na medida em
que os juros baixíssimos praticados na principal economia do
mundo ajudaram a trazer capital
para o Sul, área em que os juros
são mais atraentes (em especial
no Brasil, que tem os juros mais
altos do mundo).
Olhando para trás, Enrique
García, o presidente da CAF (Corporação Andina de Fomento),
uma espécie de BNDES dos países
andinos, diz: "A América Latina
precisa reconhecer suas limitações e constatar que perdeu importância relativa no mundo".
Se o metro com que se mede a
perda de importância relativa for
o interesse pela região em Davos,
a perda foi sensível: na sessão da
sexta em que se discutiu a economia brasileira, havia cinco mesas
de dez lugares cada uma. Uma delas ficou vazia. No dia anterior, na
sessão sobre a China, em um salão
muitíssimo maior, boa parte do
público teve de ficar em pé.
"Idade de ouro"
É compreensível, portanto, que
o ex-presidente mexicano Ernesto Zedillo, hoje diretor do Centro
para o Estudo da Globalização da
Universidade Yale (EUA), detecte
uma "nostalgia da idade de ouro"
(os anos 60 e parte dos 70, em que
a América Latina crescia aos níveis da China). Cruel, Zedillo lembra, no entanto: "Mesmo na idade
de ouro, a América Latina teve
performance insuficiente, tanto
que foi a única região que não diminuiu a brecha com os EUA".
A nostalgia, sempre segundo
Zedillo, tem também um componente político, na forma de saudades "do velho populismo" -uma
palavra, aliás, que Davos abomina
incondicionalmente.
Tanto abomina que Ignacio
Walker, o novo ministro chileno
do Exterior, mesmo cobrando
"novas e sadias lideranças", pede
que sejam "diferentes da tradicional, carismática e populista".
Já o senador norte-americano
Christopher Dodd (do partido
democrata) prefere dizer que um
dos problemas da América Latina
é o fato de não ter construído instituições sólidas, defeito que vem
do período colonial e que "gerou
um sistema de caudilhos, mais
que de instituições".
O presidente Luiz Inácio Lula da
Silva está na lista dos populistas
(ou caudilhos), em que, sim, figuram o argentino Néstor Kirchner
e o venezuelano Hugo Chávez?
Não, pelo menos para Walker.
Ao contrário, o chanceler chileno
elogiou muito Lula por ter tido a
coragem de adotar medidas que
contrariaram a clientela habitual
de seu partido. "Pagou um preço
por isso", diz Walker.
Como era previsível, o ministro
de Lula, Luiz Fernando Furlan
(Desenvolvimento), faz idêntico
reconhecimento: "Há dois anos,
muitos de vocês não acreditariam
que Lula pudesse manter o caminho da democracia e das reformais fiscais, de continuar fazendo
o que é bom para o país."
É um elogio, claro, mas não é
aquele que o presidente e seu partido gostariam, na medida em que
ambos adoram negar que sigam
as políticas de seu antecessor.
Os elogios não impediram, no
entanto, constatações negativas.
"Sabemos bem o que acontecerá
no Brasil quando os juros internacionais subirem", diz Zedillo.
Se a idéia é que acontecerão coisas terríveis no Brasil, nem todo
mundo em Davos sabe.
John Williamson, conhecido
como pai do Consenso de Washington, o receituário neoliberal,
não vê grandes problemas para o
Brasil na alta dos juros nos EUA,
pelo fato de que seria pequena a
porcentagem de dinheiro que poderia deixar de ir para o país em
busca de maior rendimento com
os novos juros norte-americanos.
Para Williamson, o problema
do Brasil não são os juros norte-americanos, mas os seus próprios, tese que seria unânime em
Davos se o presidente do Banco
Central, Henrique Meirelles, não
tivesse comparecido ao encontro.
Males conhecidos
Do divã em que Davos deitou o
subcontinente, emergiu um diagnóstico carregado de males, a
maioria bem conhecia: corrupção, carências educacionais, pobreza, desrespeito à lei, excesso de
informalidade, excesso de leis,
ineficácia do Estado, visão de curto prazo dos governantes etc.
Mas emergiram também aspectos menos notados ou, pelo menos, menos comentados.
O senador Dodd disse que "a
América Latina é pré-capitalista
em valores culturais, mas vive em
um ambiente capitalista".
Até o que já foi motivo de orgulho (o crescimento das cidades,
que levou São Paulo a carregar,
durante anos, o slogan "São Paulo
não pode parar") agora é um problema. "É uma região demasiadamente urbanizada, a área geográfica mais urbanizada do mundo."
Mas nem todos concordaram
com o diagnóstico pessimista de
Zedillo. Em ao menos um caso,
houve o contrário. Ou por temperamento ou por dever de ofício, o
ministro Luiz Fernando Furlan
decretou: "O século 21 pode ser o
século da América Latina."
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