São Paulo, domingo, 30 de janeiro de 2005

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"Lula é bom exemplo", diz Citibank

CLÓVIS ROSSI
ENVIADO ESPECIAL A DAVOS

Produziu-se, no luxuoso Hotel Belvedere, em Davos, a mais formidável evidência da transformação sofrida por Lula desde que assumiu o poder há dois anos.
William B. Rhodes, presidente do Citibank, fez questão de tomar o microfone, ao final da exposição de Lula e seus ministros, para proclamar: "A implementação de seu programa econômico é um bom exemplo para o mundo".
Rhodes, que completa 70 anos em agosto, foi durante muito tempo um dos grandes demônios da esquerda latino-americana, como principal negociador, pelos bancos, da dívida da região, a cada uma das muitas crises. Uma dívida sobre a qual o velho PT exigia auditoria e até propunha plebiscitos para que o eleitor decidisse se deveria ou não ser paga.
Como se já não fosse suficiente, o encontro com os investidores forneceu um contraponto ao entusiasmo incontido de Rhodes, na voz de Belmiro de Azevedo, presidente do grupo português Sonae, com 2,4 milhões de euros de investimento no Brasil, país em que emprega 25 mil pessoas. "As condições para investir dinheiro novo (no Brasil) estão longe de ser atrativas", disparou Azevedo.
Explicou: "Neste momento, quem trabalha na "ferragem", como nós portugueses chamamos a indústria, está sendo muito prejudicado, enquanto o setor financeiro tem vida fácil". O empresário queixou-se ainda da concorrência desleal dos sonegadores.
Reproduziu-se dessa forma em Davos o que acontece no Brasil: o encanto do setor financeiro com a política econômica e um certo azedume dos industriais, mesmo com o crescimento do ano passado, que levou Azevedo a admitir que, pela primeira vez, tivera algum lucro em 2004 no Brasil.
Também com um grupo menor de investidores (17), fechado à imprensa, surgiram queixas sobre o elevado nível de juros. A questão dos juros altos é a principal ressalva que faz à política de Lula o público de Davos, na maioria constituído de homens de negócio.
A resposta da equipe econômica, reiterada ontem, desta vez na boca do ministro da Fazenda, Antonio Palocci, é a de tentar provar que os juros estão caindo, usando médias de anos anteriores.
Mais uma vez não convenceram, como o demonstra a reação pública de Belmiro de Azevedo e também o comentário sintético à Folha de um peso-pesado do empresariado brasileiro, como Jorge Gerdau Johannpeter, presidente do Grupo Gerdau: "Afugenta", afirmou, sobre o nível dos juros.
Uma segunda preocupação, que já surgira no almoço de sexta-feira com o presidente do BC, Henrique Meirelles, reapareceu ontem, em pergunta de Guillermo de la Dehesa, ex-ministro do governo socialista espanhol e, hoje, diretor do Banco Santander: queria saber se a depreciação do dólar não provocaria a "tentação" de o BC intervir no câmbio. Como era previsível, Meirelles disse que não, com o argumento de que "tentativas anteriores de controle do mercado cambial fracassaram".
Um terceiro fantasma, que também já havia flutuado no almoço de Meirelles, surgiu: a questão da Argentina. Ressalvas à parte, a exposição do presidente foi um sucesso, na visão dos empresários (cerca de 50).
Alain Belda, o brasileiro que preside a multinacional Alcoa, disse que sua companhia já tinha US$ 1,8 bi de investimento no Brasil e investiria mais US$ 1 bi, "com toda a tranqüilidade". Belda é uma espécie de assessor informal para economia do PFL, partido de oposição ao governo Lula.
Reforçou Paul Skinner, presidente da mineradora Rio Tinto, uma das maiores concorrentes da Vale do Rio Doce: "Eu já estive preocupado com a situação brasileira, mas agora começo a ver um desejo forte de companhias como a nossa de implementar projetos no Brasil". É mais que desejo: "Acabamos de decidir aumentar o nível de produção de uma de nossas minas, o que representará investimentos significativos".
Emendou Erik Belfrage, executivo da Saab AB (fabricante de carros e aviões: "Estou impressionado com o modo como o presidente Lula e sua equipe têm agido no sentido de pôr ordem na casa".
Por fim, Lorenzo Mendoza, executivo-chefe da cervejaria venezuelana Polar, se disse "orgulhoso, como latino-americano, pelo papel de liderança que o Brasil tomou". Não é um elogio menor nem bairrista, se se considerar que o empresariado venezuelano está em guerra com o presidente Hugo Chávez, aliado de Lula.


Colaborou LEONARDO SOUZA, enviado especial a Davos

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