São Paulo, domingo, 30 de janeiro de 2005

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DAVOS - DEBATE GLOBAL - PORTO ALEGRE

Um terço dos trabalhadores do assentamento no RS que será visitado hoje pelo presidente Hugo Chávez diz não ter "condição ideal de vida"

Sem-terra de área modelo trabalham fora

ANA FLOR
ENVIADA ESPECIAL A PORTO ALEGRE

O presidente venezuelano Hugo Chávez conhece hoje o assentamento Lagoa do Junco, em Tapes (a 130 km de Porto Alegre), considerado modelo no uso sustentável da terra e na aplicação da agroecologia. Chávez, porém, terá de se esforçar para ver que, para um terço das famílias do local, a terra não garante o sustento, o que está longe de ser um modelo.
Das 35 famílias que moram nos 807 hectares de terras, 13 dizem viver em lotes "sem condições de vida". Para complementar a renda, trabalham fora parte do dia, fazendo bico em construções, plantações ou granjas.
O projeto do Lagoa do Junco nasceu em 1995 e, na seqüência, criou-se a Cooperativa de Produção Agropecuária dos Assentados de Tapes. O desafio era produzir arroz irrigado e vegetais de maneira orgânica. O êxito na produção sustentável não evitou, no entanto, que parte das 35 famílias que compunham originalmente a cooperativa deixassem o grupo.
A partir daí, segundo o assentado Nilton Mezzomo, 32, os "dissidentes" passaram a ter difícil acesso à água do açude que garante a irrigação do arroz. "A gente ganhou lotes ruins, com terra arenosa e sem condições de plantar." Para sustentar mulher e três filhos, Mezzomo faz bicos como pedreiro. "Acho importante ver que existem contradições no que dizem assentamento-modelo", diz ele, que reclama da falta de apoio da cooperativa.
Mezzomo vive há nove anos no local, depois de quatro anos e meio em um acampamento do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra).
A Cooperativa Central dos Assentamentos no Rio Grande do Sul, diz que não considera "nenhum assentamento modelo", porque "eles têm problemas como qualquer bairro ou cidade". Mesmo assim, defende que a produção agroecológica de Tapes é uma experiência interessante, e por isso a Via Campesina organizou a visita de Chávez.
Além disso, a cooperativa diz que o MST organiza as famílias "politicamente" e que as questões de infra-estrutura "cabem ao Incra" (Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária).
Segundo o Incra, os estudos para a remarcação do assentamento estão em andamento. A assessoria do órgão diz que a situação ocorre em razão de o local ter sido projetado para "exploração conjunta", e a dissidência teria causado problemas no uso da água do açude.

Programação
Chávez chega hoje a Porto Alegre e deve seguir para o assentamento de helicóptero. Existe a possibilidade de o venezuelano apresentar, de Tapes, seu programa de TV e rádio. À tarde, dá coletiva e participa de evento no ginásio de esportes Gigantinho -o mesmo em que Lula discursou.
No assentamento, Chávez deve assinar protocolo de intenções para a criação da Escola Latino-Americana de Agroecologia, uma parceria entre o governo da Venezuela, universidades do país, o Paraná e a Via Campesina.
A partir do protocolo, devem começar discussões para definir como será o intercâmbio e a cooperação para ensinar técnicas de agroecologia usadas no Brasil.
O projeto pode contribuir para Chávez tirar do papel uma lei de reforma agrária de 2001. Em 2004, ele assinou decreto para "eliminar de forma progressiva o latifúndio nas zonas rurais" e "incorporar grupos da população e comunidades, garantindo o aproveitamento racional" das terras.


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