São Paulo, domingo, 30 de janeiro de 2005

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CIDADE DOS HOMENS

Zé Pequeno e amigos dizem que, para moradores, a favela é calma

"Cidade de Deus é mãe", diz ator

RAFAEL CARIELLO
ENVIADO ESPECIAL A PORTO ALEGRE

Não é fácil a vida de Zé Pequeno, quer dizer, de Leandro Firmino, no Fórum Social Mundial, em Porto Alegre (RS).
O ator, celebrizado pela interpretação do traficante mais violento que a Cidade de Deus já viu, chegou na última sexta-feira ao Acampamento Intercontinental da Juventude, em Porto Alegre, depois de perder um vôo, passar mais de um dia dentro de três ônibus diferentes no percurso Rio-capital gaúcha, e descobrir que não tinha barraca para passar o resto da noite.
Muito agito perto da vida que leva no bairro pobre da periferia carioca, onde se desenrola a trama do filme de Fernando Meirelles, segundo ele um local "bastante tranqüilo".
A violência retratada em "Cidade de Deus", ele diz, é datada.
A década de 70 foi "uma das épocas mais tensas" para a comunidade a que ele pertence desde a infância. "Depois, a Cidade de Deus é uma mãe", diz.
Firmino, 26, e seus companheiros de acampamento Luiz Carlos Nascimento, 26, e Eduardo Dorneles, o BR, 28, pertencem ao grupo Nós do Cinema, formado inicialmente por atores que participaram do "Cidade de Deus" e que desenvolve projetos na área de cinema a jovens de baixa renda.
É Luiz, enquanto Firmino é assediado para fotos e autógrafos, quem explica como a periferia pode ser calma.
"É igual quem mora em área de terremoto, furacão. Quando você está no olho do redemoinho, geralmente não é muito perigoso. Geralmente."
Os três haviam planejado inicialmente chegar em Porto Alegre de avião, na quarta, para participarem de uma exibição e de um debate sobre o filme.
Dizem que a chuva que caía no Rio impediu que a aeronave saísse. Depois de esperarem até o início da noite, resolveram tomar um ônibus. Fizeram baldeação em Curitiba (PR) e depois em Florianópolis (SC).
Perderam o filme e o discurso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, no Gigantinho, na manhã de quinta. Na chegada, Firmino, que nunca tinha acampado na vida -"a não ser no Exército"- descobriu que estava, como disse Luiz, "sem teto".
A barraca que trouxeram "é daquelas que dizem que é para três, mas na verdade dá para um". Um ex-aluno de Firmino no Nós do Cinema, que por acaso viajou no mesmo ônibus, cedeu espaço para o ator na sua barraca. Há aproximadamente 11 mil barracas instaladas no acampamento.
Dizendo-se à vontade e contente com o Fórum Social, Firmino afirma não ser "muito ligado em política". "Acredito em quem faz um trabalho sério, bota em prática, e que não tem discurso demagogo", afirma.
E também não está 100% de acordo com o banimento de produtos de multinacionais imposto no acampamento. "Pô, abrir mão da cerveja é difícil", diz, ao saber que as principais marcas brasileiras da bebida se enquadram na regra.
E o acampamento, também é um olho de furacão? Mais uma vez, quem responde é Luiz: "Nada a ver. Aqui é tranqüilo. Parece o centro de São Paulo -tem gente de tudo quanto é lugar".


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