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NO PLANALTO
Políticos brigam e seu bolso é que se machuca
JOSIAS DE SOUZA
COLUNISTA DA FOLHA
Houve um tempo em que a
análise política exigia
meia dúzia de raciocínios transcendentes. Era imperioso decidir
se o pragmatismo do PSDB era
melhor do que o puritanismo do
PT, se a social-democracia responderia às dúvidas do socialismo, se a ética da responsabilidade
prevaleceria sobre a ética da convicção, se o PTB estava à direita
do PP, se isso, se aquilo.
A coisa hoje é bem mais simples.
Gente como Karl Marx e Max
Weber tornou-se descartável. Falidas as ideologias, o templo da
política consolidou-se como uma
congregação de homens de bens.
Vigora no Congresso, agora mais
do que antes, a lógica do negócio.
Tudo se subordina a ela, inclusive
os escrúpulos.
O processo político, outrora obscuro, foi subitamente clarificado
pela descoberta de que o ex-PT
não está imune às tentações
alheias, nem mesmo às alianças
esdrúxulas. Ao aderir ao fisiologismo, o ex-puro mostrou que a
adesão aos inimigos, mais do que
estratégia, é comunhão de estilos.
Ao nivelar-se à culpa comum
dos outros, o petismo enterrou a
pseudodiferença mágica. Foram-se os constrangimentos, as meias
palavras e os subterfúgios. Todos
se irmanaram na abjeção.
A orgia proporcionada pelo
exercício despudorado do poder
revelou aos ex-castos os prazeres
da liberação da $ensualidade. A
volta à antiga castidade, além de
indesejada, é impossível. "Revirginização" é vocábulo por inventar.
A integridade dos ovos não vale
mais nada. Importa apenas o
proveito do omelete. Já nem é preciso varrer as cascas para debaixo
do tapete. A generalização da
desfaçatez tornou a anomalia
normal. Superado pelo impensável, o inacreditável já não assusta.
Até a imprensa o trata com indulgência.
O cliente mais notório do Congresso privatizado é o governo
(eu, tu, eles). Num processo deflagrado sob Sarney, escancarado
sob Collor, institucionalizado sob
FHC e desmistificado sob Lula, o
empreendimento congressual tonificou-se de modo tragicamente
irreversível.
Perdeu-se pelo caminho um elemento que outrora recebia o nome de recato. Institucionalizou-se
o troca-troca sem culpa, o vale-tudo sem represálias. Deputados e
senadores mercadejam a própria
honra. Sem o inconveniente de
apensar ao contrato um atestado
de origem.
Vendem-se votos à luz do dia. A
cotação varia conforme o peso da
matéria sob análise. Negocia-se
ora em nome próprio, ora em nome dos grupos que financiam a
eleição, ora em nome da rede de
interesses regionais que sustentam o mandato.
Mesmo os temas supostamente
relacionados à economia doméstica do Congresso foram ao balcão. A escolha dos presidentes da
Câmara e do Senado ocorre numa atmosfera de algaravia em
que sobressai o tilintar de moedas
e cargos.
No Senado, a nota promissória
está assinada. A virtual eleição do
ex-collorido Renan Calheiros custará um rapapé para José Sarney
-a hipoteca de uma vaga para a
filha Roseana na Esplanada-,
alguns acenos para o PMDB e o
empenho de verbas orçamentárias carimbadas por parlamentares num Orçamento da União
que se diz exíguo.
Na Câmara, trava-se uma "disputa" que consome páginas e páginas de jornal. Notícias vãs.
Aconselha-se ao leitor que não
desperdice um único segundo do
seu tempo tentando acompanhar
a movimentação de Greenhalghs
e Guimarães, de Severinos e Aleluias. O circo foi montado para a
diversão de almas ingênuas.
Convém anotar o provável resultado: antes que o primeiro voto
desça à urna, pode-se deduzir que
Luiz Eduardo Greenhalgh será
eleito presidente da Câmara,
substituto eventual de Lula (já
pensou?).
De resto, caro leitor, comece a
contabilizar os prejuízos. Vêm aí:
1) o aumento do salário dos parlamentares; 2) um novo reforço
nas verbas de gabinete, torradas
com muito despudor e pouca
transparência; 3) um novo lote de
generosas liberações orçamentárias para obras de utilidade duvidosa e execução temerária.
Há mais e pior: convenientemente adiado para depois do
Carnaval, o anunciado arrastar
de cadeiras na Esplanada será
ouvido também nos fundões da
administração pública. Não bastasse a iminente nomeação de novos ministros obscuros, as portas
de estatais e autarquias serão
abertas para apaniguados despreparados e teleguiados.
Como se vê, o acompanhamento do cotidiano político tornou-se
um processo simples. Tão simples
que até os seres mais simplórios
podem acompanhá-lo. Fácil perceber que o Estado vem sendo espoliado em nome dos interesses
mais organizados.
Mocinhos e bandidos são agora
indistinguíveis. O legítimo e o indecoroso confundem-se em meio
à impessoalidade de um mercado
persa em que não há mais crimes.
Muito menos castigos. Ninguém
paga por nada, exceto o erário.
Não é a toa que o ex-PT propõe
mais um aumento de impostos. O
jogo da política é cada vez mais
mesmo caro.
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