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São Paulo, domingo, 30 de março de 2003

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MARCHA LENTA

De cada R$ 100 para investir, governo só usou nove centavos

Gastos com investimentos revelam governo paralisado

MARTA SALOMON
LUCIANA CONSTANTINO
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Às vésperas de completar três meses de mandato, o governo Luiz Inácio Lula da Silva mantém na estaca zero programas de saneamento básico, assentamento rural e manutenção das estradas federais. Esses não são exemplos isolados, mas a regra, aponta pesquisa feita no Siafi (sistema informatizado de acompanhamento dos gastos federais).
O Siafi registra que até 14 de março só 0,09% dos investimentos autorizados pela lei orçamentária haviam sido liberados.
Nesse ritmo, Lula chegará ao final de 2003 com menos de 0,5% dos investimentos planejados em áreas como segurança pública, saúde, educação, saneamento e transporte. É como se, de cada R$ 100 da lei, somente R$ 0,09 saíssem do papel.
A pesquisa mostra não só o quanto o Orçamento da União se aproxima da ficção, coisa sabida, mas dá a imagem de um governo praticamente parado.
Parte do freio nos investimentos públicos é fruto da meta de ajuste fiscal combinada com o FMI (Fundo Monetário Internacional). Para pagar juros de sua dívida, o governo decidiu economizar o equivalente a 4,25% do PIB (conjunto de riquezas produzidas no país). Bloqueou 72% de todos os investimentos públicos programados para o ano, além de 7% das despesas com manutenção da máquina.
Segundo o Ministério da Fazenda, ainda sobram 28% de um bolo de R$ 14,1 bilhões de investimentos autorizados, a serem liberados durante o ano.
É muito menos do que se investiu em qualquer dos oito anos da era Fernando Henrique Cardoso, quando os gastos com investimentos variaram de 47% a 81% do valor autorizado a cada ano pelos orçamentos, sob permanente crítica do PT.
Mas, ainda assim, os 28% sobreviventes do ajuste fiscal permitiriam um ritmo de investimentos incrivelmente maior do que o registrado nos primeiros dois meses e meio de governo Luiz Inácio Lula da Silva.
Para a Fazenda, isso é sinal de que a paralisia seria um fenômeno típico de começo do ano, e os investimentos ainda podem ganhar velocidade nos próximos meses. A conferir.

Paralisia geral
Não importa a área do governo em que se debruce, os programas que não tiveram nem um tostão liberado são a maioria.
A paralisia atinge, indistintamente, de ações triviais como o programa Toda Criança na Escola à implantação da rede de laboratórios de mapeamento genético do projeto Genoma.
Obras estão paradas em todo o país, desde a construção de anéis do corredor do Mercosul até a conservação rotineira e emergencial das rodovias.
De acordo com pesquisa da CNT (Confederação Nacional do Transporte), cerca de 60% das rodovias têm avaliação entre deficiente e péssima. A eliminação de pontos críticos deveria consumir durante o ano R$ 50,2 milhões, segundo a lei orçamentária, além de R$ 630,4 milhões destinados à manutenção das rodovias.
O conta-gotas na liberação do dinheiro não apenas chateia motoristas e passageiros, mas encarece o preço de produtos por causa do custo mais alto do frete.
O Ministério dos Transportes informa que os investimentos começam a virar realidade e até a próxima semana devem alcançar R$ 180 milhões. Perdido para o ajuste fiscal até o dinheiro arrecadado com a Cide (contribuição cobrada sobre a venda de gasolina), o ministério conta com a ajuda do pessoal do Exército para recuperar as estradas.
Entre os programas que não deram nem sequer o primeiro passo para liberar dinheiro -o chamado empenho do gasto, no jargão orçamentário-, está o de assentamento de trabalhadores rurais.

Cestas básicas
Sob pressão do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), o governo até mandou distribuir cestas de alimentos (via Fome Zero), mas não gastou nenhum centavo no assentamento de sem-terra nem na consolidação de assentamentos herdados do governo anterior.
A ação do Ministério do Desenvolvimento Agrário parece concentrada em manter a própria máquina funcionando, além de cuidar da pesquisa tecnológica voltada à agricultura familiar e fruticultura.
No mesmo time da pasta de Miguel Rossetto, está o colega do Ministério das Cidades, Olívio Dutra. Os gastos previstos no Orçamento para habitação e saneamento tampouco foram empenhados. Pelo tamanho do corte de gastos que atingiu a pasta -recorde na área social-, é possível que o retrato dos primeiros dois meses e meio do ano permaneça sem mudança. A alternativa em estudo no ministério é recorrer a financiamentos da Caixa Econômica Federal e a parceria de organismos internacionais.
E, embora tenha levado ao ar campanha de publicidade no Carnaval estrelada pela cantora Kelly Key, o Ministério da Saúde não usou nada dos R$ 3,9 milhões que o Orçamento destina a ações de prevenção e controle da Aids, além de assistência aos portadores da doença. A compra de medicamentos escapou do bloqueio porque não é considerada investimento.


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