São Paulo, quinta-feira, 30 de março de 2006

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

RECEITA FEDERAL/SIGILO VIOLADO

Órgão investiga crime, mas não diz quantas pessoas tiveram o sigilo quebrado; presidente do BC e Marcos Valério estão entre as vítimas

Receita violou dados de 6.000 contribuintes

JOSIAS DE SOUZA
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O caseiro Francenildo dos Santos Costa não é a única vítima de violação criminosa de dados sigilosos sob proteção do Estado. A Corregedoria da Receita Federal investiga um caso envolvendo a suspeita de acesso irregular aos dados fiscais de cerca de 6.000 pessoas físicas e jurídicas. A lista de vítimas inclui juízes, desembargadores, jornalistas, empresários e autoridades do governo.
A investigação foi aberta há pouco mais de um mês. Os primeiros resultados revelam que a lista de contribuintes que tiveram os seus sigilos supostamente bisbilhotados inclui, por exemplo, o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles; o deputado e ex-ministro das Comunicações Eunício Oliveira (PMDB-CE); o empresário Marcos Valério e as agências SMPB e a DNA.
A relação inclui também pelo menos 11 juízes da Justiça Federal de Brasília e o procurador-geral-adjunto da Fazenda Nacional Tadeu Alencar. Tem ainda os nomes do ex-secretário da Receita Everardo Maciel, de sua empresa (Logus Consultoria) e de sua família.
Há quatro processos disciplinares abertos na Corregedoria da Receita, onde trabalhavam os três investigados pela violação dos sigilos. A corregedoria não tem poderes para conduzir ações fiscais. Realiza apenas correções funcionais, para apurar delitos praticados por funcionários da própria Receita. Mesmo nos casos que envolvem investigações de servidores, o acesso aos dados fiscais precisa ser justificado.
Quanto aos contribuintes que nada têm a ver com a estrutura funcional da Receita, os agentes da corregedoria não tinham poderes para pescar-lhes os dados fiscais no sistema. A bisbilhotice é expressamente desautorizada por lei. Deparando-se com alguma irregularidade praticada por um desses contribuintes, os auditores poderiam, no máximo, comunicar à Receita, que investigaria.
A pena para o "acesso imotivado" aos computadores da Receita é a demissão por justa causa. Se ficar comprovado o vazamento dos dados para a imprensa, como aconteceu no caso do empresário Marcos Valério, os responsáveis estão sujeitos a processos civis e criminais que podem levar à pena de prisão de um a quatro anos.
A corregedoria será obrigada a informar aos 6.000 contribuintes bisbilhotados que os seus dados foram violados indevidamente. A União estará sujeita a eventuais ações de reparação por danos morais. Espera-se concluir as investigações em 120 dias.

"Acessos indevidos"
A Receita Federal confirmou ontem, em nota oficial, a realização das investigações pela corregedoria do órgão. O texto evita comprometer-se com o número de 6.000 acessos irregulares, obtido pela Folha.
Anota que "apenas ao final das investigações é que poderá identificar a quantidade de eventuais acessos indevidos." A reportagem tentou falar com os três funcionários acusados em processos disciplinares abertos na Corregedoria da Receita de terem acessado irregularmente dados fiscais de contribuintes. Não conseguiu.
A assessoria de imprensa da Receita Federal informou que os três estão lotados na Delegacia da Receita em Brasília e por isso não teria como fazer contato com eles.
A Delegacia da Receita confirmou que os auditores estão lotados no órgão, mas como os processos investigam atos cometidos quando os funcionários atuavam na Corregedoria, quem deve tratar do assunto é a própria Corregedoria, informou a Delegacia da Receita em Brasília.


Josias de Souza escreve o blog "Nos Bastidores do Poder" no endereço www.folha.com.br/blogs/josiasdesouza


Texto Anterior: Mídia: STJ dá direito a jornalista de atuar sem o diploma
Próximo Texto: Crise no governo/A violação do sigilo: Palocci planejou quebra de sigilo com Mattoso
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.