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Congressistas podem gastar até R$ 33 mil com passagens
Verba permite compra de mais de 30 bilhetes ida e volta por mês de Brasília a Estados
54 congressistas têm cota
adicional de até R$ 13 mil;
em 2008, Câmara gastou
R$ 80 mi com passagens;
Senado não revela valor
RANIER BRAGON
ANDREZA MATAIS
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Em meio a muito sigilo, desvio de finalidade e suspeita de
irregularidade, o Congresso
Nacional destina mensalmente
aos 594 deputados federais e
senadores uma cota para compra de passagens aéreas que,
em alguns casos, permite a
aquisição todo mês de mais de
30 bilhetes de ida e volta entre
Brasília e o Estado de origem.
Criada originalmente para
permitir ao congressista quatro
deslocamentos mensais ao Estado, a cota aérea é paga conforme o Estado do parlamentar e
se ele ocupa ou não posto de
destaque nas duas Casas. Na
atual legislatura, o valor varia
de R$ 4.700 a R$ 33 mil.
Em 2008, a Câmara desembolsou R$ 80 milhões sob essa
rubrica. O Senado, bombardeado nas últimas semanas por denúncias de mau uso dessa e de
outras verbas de apoio ao trabalho parlamentar, se recusou
a fornecer o dado à Folha.
Ao longo da semana passada,
a Folha coletou informações
nos gabinetes das duas Casas e
apurou que a cota é alvo de desvirtuamento, como a distribuição de passagens a eleitores.
Na Câmara, a verba fixa varia
de R$ 4.700 a R$ 18,7 mil. No
Senado, de R$ 13 mil a R$ 25
mil. As duas Casas remuneram
os parlamentares do Distrito
Federal -que não precisam
voar para suas bases.
Além disso, um grupo de 54
congressistas -integrantes da
Mesa, seus suplentes e os líderes partidários- tem direito a
um repasse adicional, que pode
chegar a R$ 13 mil.
Neste grupo está o senador
Adelmir Santana (DEM-DF),
suplente da Mesa do Senado.
Apesar de morar em Brasília,
recebe a cota aérea. "Não usarei, a não ser que aconteça alguma coisa inusitada."
Tarifas
A Folha consultou as tarifas
médias das principais companhias aéreas do país, TAM e
Gol, usando como critério valores médios da tarifa para compra com um dia de antecedência, e constatou que, em média,
os deputados conseguiriam adquirir 13 passagens ida e volta/
mês, e os senadores, 17.
No caso de Goiás, por exemplo, a cota da Câmara (R$
9.172) permite a compra de 25
passagens pela tarifa média de
R$ 368 (ida e volta). Por serem
líderes de bancada, Ronaldo
Caiado (DEM-GO) e Sandro
Mabel (PR-GO) têm direito a
adicional de R$ 4.700. Poderiam comprar até 38 passagens
de ida e volta/mês, pela tarifa
média, não promocional.
Os três senadores do Piauí,
todos eles integrantes da Mesa
do Senado, têm direito cada um
a cerca de R$ 28 mil, o que
equivale a 27 passagens de ida e
volta entre Teresina e Brasília.
"Não sei nem de quanto é essa cota. Sei que existe, mas não
sei exatamente quanto é. Só sei
que, se tiver necessidade, eu
vou usar, mas até agora não
precisei", afirmou Marcelo Ortiz (PV-SP), que, por ser suplente da Mesa Diretora da Câmara, tem à disposição um
acréscimo mensal de R$ 4.700
à sua cota de R$ 10,6 mil.
O presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), tem
cota de R$ 23,7 mil (abriu mão
dela desde fevereiro, pois lhe é
permitido o uso de avião da
Força Aérea Brasileira). José
Sarney (PMDB-AP), presidente do Senado, tem R$ 33 mil.
Além do alto valor, a Folha
constatou que não há fiscalização sobre o uso da verba. O
congressista emite a passagem
no nome de quem quiser e não
precisa prestar contas. "O controle é do parlamentar", confirmou Odair Cunha (PT-MG),
terceiro-secretário da Câmara,
responsável pela administração da cota dos deputados.
Questionadas pela Folha, as
duas Casas afirmam estudar
mudanças no sistema de controle. O Senado tende a formalizar a permissão para doação
de passagens. Na Câmara, a diretoria geral fala em combater
a comercialização da verba.
"Tem procedimento no Ministério Público federal que aponta nesse sentido", disse Cunha.
Supremo
O STF (Supremo Tribunal
Federal) analisa desde 2008 a
suspeita de que três deputados
federais usavam uma agência
de viagens de Maringá para
vender suas passagens. O caso
corre sob segredo de Justiça, no
gabinete do ministro Cezar Peluso, e o único acusado que ainda permanece com o mandato é
Luiz Bittencourt (PMDB-GO).
Também é comum que deputados e senadores distribuam
bilhetes. "É normalíssimo isso.
Um doente, por exemplo, que
tem que sair do Pará para se
tratar aqui em Brasília pede a
passagem. Aqui e acolá, e ele é
atendido", disse o deputado Zenaldo Coutinho (PSDB-PA).
"É a nossa cota de economia
para ajudar à sociedade", afirma Nazareno Fonteles (PT-PI),
que ajudou uma professora do
Piauí que precisava ir ao Rio
Grande do Sul por causa de sua
tese de doutorado. "Não é um
benefício só para ela, mas para
a universidade pública."
Odair Cunha não concorda
com essa prática: "Não compreendo isso como atividade
parlamentar". O Ministério Público do DF também investiga o
uso da cota pela senadora Roseana Sarney (PMDB-MA) para levar conhecidos de São Luís
para Brasília. O Senado diz que
nada a impede de fazer isso. Ela
só não poderia sortear ou vender os bilhetes.
O ato que regula a verba no
Senado, de 1988, prevê como
parâmetro de cálculo quatro
passagens ida e volta ao Estado
de origem, uma passando pelo
Rio de Janeiro, e uma última de
ida e volta ao Rio.
A única explicação para a inclusão obrigatória do Rio é o fato de a cidade ter sido a capital
do país a 49 anos atrás.
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