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Saiba quem apostou contra o real e ganhou milhões
GUSTAVO PATÚ
em São Paulo
RICARDO GRINBAUN
da Reportagem Local
A lista da Bolsa
de Mercadorias
& Futuros com
todas as operações no mercado futuro de dólar em janeiro
mostra pelo menos 13 investidores que fizeram, rigorosamente, a operação certa às
vésperas da desvalorização do real.
Os nomes: Joseph Safra, BBM,
Cacique, Citibank, Brascan, Fundo
Positano, Modal (banco e fundos),
HSBC, Axial, Rendimento, Deutsche, Morgan Guaranty e Bozano,
Simonsen.
São instituições de diversos tamanhos, estratégias e áreas de
atuação, mas com algo em comum:
todos quase só fizeram compras de
dólares nos dias 11 e 12 de janeiro.
Outros bancos, fundos e pessoas
físicas também compraram dólares naqueles dias, mas intercalando essas operações com vendas da
moeda norte-americana, reduzindo o risco de sua aposta.
A listagem da BM&F, que ocupa
quatro calhamaços, cada um com a
grossura de uma lista telefônica, é
a principal pista em poder da CPI
dos Bancos para uma nova etapa
das investigações: quem ganhou
com a desvalorização do real,
quanto e, principalmente, como.
Desde que a CPI começou, sua
hipótese básica é que tenha ocorrido um vazamento de informação
do Banco Central que permitiu a
investidores lucrar alto comprando dólares com antecedência.
No entanto, até aqui o caso que
rendeu mais indícios é o de um
perdedor, o Banco Marka. Se usou
informação privilegiada para
apostar 20 vezes o seu patrimônio
na manutenção do real, o Marka
escolheu o informante errado.
Os dados requisitados à BM&F e
vazados anteontem pela CPI são
um documento inédito e de repercussões ainda imprevisíveis.
Nunca houve um relato tão completo das entranhas do mercado financeiro. Basta dizer que até um
extrato de conta corrente é protegido pelo sigilo bancário. Agora, os
senadores têm em mãos todas as
operações de todos os investidores
do mercado, descritas a cada dia
com os volumes e as corretoras
que as intermediaram.
Resta a dúvida mais importante:
a lista é suficiente para apontar se
um banco, um fundo ou uma pessoa tinha plena certeza do que estava fazendo quando apostou milhões na desvalorização do real?
Em primeiro lugar, os senadores
precisarão descobrir as outras
operações nas quais os investidores estavam envolvidos nos dias
que antecederam o fim do controle
das cotações do câmbio.
É possível que um banco que
comprou dólares no mercado futuro tenha vendido no mercado à
vista, ou em outra modalidade de
negócio disponível na BM&F.
Isso é o que responderá se os
bancos estavam jogando no ataque
-ganhar uma fortuna em poucos
dias- ou na defesa -evitar um
prejuízo monumental com o crescimento súbito dos compromissos
em moeda estrangeira.
Outra providência importante é
avaliar o que se passou no Brasil e
no mercado financeiro na primeira quinzena de janeiro.
1 - De possibilidade a certeza
A discussão sobre a necessidade
de desvalorização do real começou
no dia que o real foi criado, 1º de
julho de 94.
Desde então, sabia-se que o país,
em algum momento, teria de
abandonar a política de controlar a
inflação mantendo baratos o dólar
e os produtos importados -à custa de déficits comerciais crescentes
e juros estratosféricos.
O que era uma especulação foi se
tornando certeza à medida que o
real passava por sucessivas crises,
a cada vez que problemas em outros países faziam secar o fluxo de
capital externo ao Brasil.
Segundo o Banco Central, houve
um padrão em crises como as do
México (94/95), da Ásia (97) e da
Rússia (98): em um ou dois dias,
investidores passavam a fazer
compras maciças de dólares.
A diferença, claro, é que nessas
ocasiões quem apostou contra o
governo perdeu. Depois da última
crise, o mercado como um todo ficou descrente quanto ao futuro do
Plano Real.
As compras de dólares fizeram as
reservas do BC despencarem de
US$ 70 bilhões para pouco mais de
US$ 30 bilhões. Cresceram os rumores sobre a queda de Gustavo
Franco, o todo-poderoso presidente do BC e guardião do câmbio.
Hoje, sabe-se que os rumores tinham fundamento e a mudança na
política econômica era tramada
desde outubro de 98.
Em seu depoimento à CPI dos
Bancos, o presidente do BC, Armínio Fraga, argumentou que as evidências de que uma desvalorização estava por vir eram públicas
-o que, por definição, excluiria a
hipótese de ter havido vazamento
de informação privilegiada.
Há, porém, uma grande diferença entre imaginar que uma maxidesvalorização está a caminho e fazer a operação certa 24 horas antes
de o governo permitir a alta do dólar. O mesmo Fraga fez outra observação: é impossível provar que
não houve vazamento.
2 - Estreando na BM&F
Permanece até hoje um mistério
o que de tão especial aconteceu nos
dias 11 e 12 de janeiro a ponto de fazer tantos investidores correrem
para os contratos de compra de
dólar no mercado futuro.
O minúsculo Banco Cacique, por
exemplo, estava ausente do mercado futuro de câmbio da BM&F
desde o início do ano, pelo menos.
No dia 12, o Cacique, um banco
mais conhecido pelo financiamento a consumidores, assumiu contratos de compra de dólar no valor
de US$ 340 milhões e US$ 20 milhões em contratos de venda, o que
resulta numa aposta de US$ 320
milhões na alta do dólar.
Trata-se de um valor alto até para
instituições de grande porte e com
mais volume de operação na
BM&F. Cesário Coimbra, presidente do Cacique, diz que a operação "foi para proteger o patrimônio da empresa".
O banco é ligado à indústria Cacique, especializada na torrefação
e venda de café. De acordo com
Coimbra, o banco comprou os
contratos no mercado futuro porque havia o risco de uma desvalorização e o grupo precisava de dólares para pagar dívidas no exterior.
As dívidas e o patrimônio da indústria foram calculados por
Coimbra em US$ 200 milhões, enquanto o patrimônio do banco seria de 100 milhões.
Segundo Coimbra, havia "um
sentimento geral no dia 12 que a situação cambial era frágil". Ele não
soube explicar, no entanto, por
que não comprou os contratos nos
dias anteriores, também muito
turbulentos. "Talvez devêssemos
ter feito a proteção antes", diz.
O Bozano,Simonsen, que não
quer comentar as operações, também fez sua estréia na BM&F em
janeiro à véspera da queda de Gustavo Franco, que só vazou na noite
do dia 12, com o mercado já fechado. Não foram operações de grande monta, mas tiveram um objetivo único: compras de US$ 85 milhões, nenhuma venda.
Chamou a atenção dos senadores
da CPI o desconhecido Fundo Positano -descobriu-se depois que
trata-se de uma instituição administrada pelo Banco Indosuez, que
não quer responder pelo fundo.
O Positano fez suas primeiras
operações do mês de janeiro no dia
11. Comprou US$ 126,5 milhões
com dólar na casa de R$ 1,23, conseguindo um lucro que começou a
ser realizado no dia 19, quando o
dólar já passava de R$ 1,50.
3 - Mudando de estratégia
Há também os casos de bancos
que mudam radicalmente de estratégia à medida que se aproxima a
desvalorização do real.
Esses são os exemplos mais buscados pela CPI. Para detectar casos
assim, serão necessários alguns
dias de cálculo e comparação das
operações diárias.
Mas há pelo menos um banco de
pequeno porte que se encaixa perfeitamente nessa categoria. Até o
dia 12, o Axial só havia operado no
mercado futuro de câmbio em um
único dia -foi um vendedor de
dólares em 4 de janeiro.
De vendedor, o Axial passou a
ser exclusivamente um comprador
no dia 12, investindo US$ 150 milhões na queda do real que começou no dia seguinte.
O Axial é um pequeno banco de
São Paulo, fundado há dois anos.
Seu patrimônio é de R$ 25 milhões.
É especializado em negócios nas
áreas de esporte e meio ambiente.
Segundo o vice-presidente do
Axial, Alfredo Miranda, o banco
não especulou com a desvalorização do real. Antes do dia 12, diz Miranda, o banco tinha 1.500 contratos de venda de dólar no mercado
futuro. Ou seja: estava apostando
que a cotação da moeda se manteria. No dia 12, o Axial comprou
1.500 contratos de compra de dólar
porque havia aumentado o risco
da desvalorização.
"A coisa estava ficando perigosa
e, por isso, decidimos zerar a posição. Não ganhamos nada com a
desvalorização", diz Miranda. A
prova, segundo ele, de que a compra dos contratos de dólar não era
fruto de informação privilegiada
para lucrar com a desvalorização
do real é o balanço referente às atividades do banco em janeiro. O
Axial teve prejuízo de R$ 500 mil.
Outro banco que aponta seu balancete para negar vantagens com
a desvalorização é o HSBC, que
comprou US$ 70 milhões.
4 - Correndo em manada
Muitas das explicações dadas pelos bancos sobre suas operações na
BM&F permeiam, com algumas
variações, a teoria do comportamento de manada do mercado financeiro. Trata-se de uma justificativa lógica para o porquê de tantos bancos fazerem as mesmas
operações ao mesmo tempo.
Um operador de banco não é o
dono do dinheiro que aplica. Ele
recebe bônus e outros prêmios dependendo da remuneração que
conseguir para o investidor.
A teoria da manada diz que é melhor perder acompanhado que ganhar sozinho, se a primeira opção
for certa, e a segunda, duvidosa.
Se um operador vê outros bancos
comprando dólares, tende a fazer o
mesmo. Se der errado, haverá sempre a desculpa de que as perdas foram gerais. Pior seria todos ganharem e um ficar de fora da festa.
Mas, mesmo admitindo que uns
seguiram outros, continua a questão: quem começou? Os investidores não entram em muitos detalhes. Dizem que havia rumores ou
incertezas muito fortes no dia 12.
5 - Mercado nervoso
Um relato obtido pela Folha pode ilustrar o que se passava no pequeno Banco Rendimento na manhã do dia 11. O Rendimento passou os quatro anos anteriores
apostando no real -ou seja, que o
governo manteria a promessa de
não promover alterações bruscas
no câmbio- e ganhando.
Sempre houve uma relação de argumentos à mão do Palácio do Planalto e da equipe econômica para
sustentar a tese de que a desvalorização seria uma catástrofe a ser
evitada a todo custo.
Abandonar a âncora cambial seria um desastre para bancos e empresas que, encorajados pelo governo, tomaram empréstimos externos desde o Plano Real -e para
o próprio governo, cada vez mais
devedor em moeda estrangeira.
Na manhã do dia 11, porém, houve uma reunião dos diretores do
Rendimento, um braço financeiro
da empresa de eletrodomésticos
CCE sediado em São Paulo.
A avaliação foi de que o mercado
estava anormalmente nervoso naquele dia. Em anos anteriores, o
nervosismo observado não havia
sido suficiente para fazer o Rendimento abandonar sua estratégia.
Já se conheciam os rumores da
queda de Gustavo Franco e se examinavam os números que indicavam grande saída de dólares no
país. Eram normais, na época, fugas de US$ 1 bilhão a cada dia.
A possibilidade de saída de Franco era logicamente associada à
desvalorização do real. A saída de
dólares era um acelerador desse
processo.
O resultado, na versão oficiosa
obtida no Rendimento, foi a compra de US$ 150 milhões em contratos de dólar no mercado futuro.
Há histórias mais simples, mas
que também devem ser levadas em
conta na hora de avaliar se os dados da BM&F podem ser considerados indícios de vazamento de informações privilegiadas.
6 - Coincidência
O Citibank classificou como
"uma coincidência" o fato de ter
negociado muitos contratos de
compra de dólar na véspera da
desvalorização do real.
Segundo a assessoria de imprensa, o banco "atua 252 dias úteis por
ano" no mercado de derivativos,
como são conhecidas as operações
no mercado futuro e outras que
"derivam" da variação de produtos, índices e moedas.
Pela lista em poder da CPI, o Citi
comprou US$ 110 milhões no dia
12, quando vendeu apenas US$ 30
milhões no mercado futuro. Fica,
assim, um saldo comprador de
US$ 80 milhões. Para o banco, não
se trata de um valor expressivo para um dos líderes do mercado de
derivativos no país.
É normal que no mercado haja
diferentes apostas, mesmo em instituições de um mesmo grupo.
Não foi o caso, porém, do Banco
Modal e de dois fundos de investimento financeiro a ele ligados.
Juntas, as três instituições compraram US$ 310 milhões no dia 12.
Assim como o Modal, outras
duas instituições compradoras de
dólares não foram encontradas pela Folha ontem: BBM (US$ 50 milhões) e Brascan (US$ 115 milhões).
O Deutsche Bank, que comprou
US$ 50 milhões no dia 12, considera que as operações "estão no escopo natural" da sua atuação de
"bom-tom" que visa a proteção do
seu capital, segundo o presidente
da instituição, Roger Karam.
Entre os 13 investidores que se
destacam pela concentração de
operações de compra nos dias 11 e
12, o campeão absoluto é o Morgan
Guaranty. As operações do banco
-quase todas de compra- no dia
12 ocupam mais de uma página da
lista da BM&F em poder da CPI.
No total, descontando as poucas
operações de venda, o Morgan
comprou, no dia, US$ 727,5 milhões.
Do mesmo grupo do Morgan
Guaranty, o JP Morgan é citado pelo deputado Aloizio Mercadante
(PT-SP) como um dos bancos que
fizeram grandes compras de dólar
no mercado à vista.
O JP Morgan repudia "qualquer
insinuação" de que tenha recebido
informações privilegiadas. Segundo a assessoria de imprensa, o banco sempre foi ativo nos mercados
de juros e de câmbio e todas suas
operações são baseadas em instrumentos financeiros legais. O banco
considera sua atividade do dia 12
compatível com os volumes de
mercado.
O Morgan responde ainda ao
questionamento sobre o fato de senadores da CPI terem encontrado,
entre os registros de ligações telefônicas do Banco Central, um telefonema para o banco.
Segundo o Morgan, a ligação
realmente existiu. Um diretor do
Banco Central teria participado de
uma "conference call" organizado
pelo banco em 31 de janeiro. Cerca
de 1.700 pessoas teriam acompanhado, por telefone, o debate sobre a economia brasileira.
Há também um recordista entre
os investidores pessoa física, o
banqueiro Joseph Safra, dono do
banco que leva seu sobrenome e
que não foi tão ousado na BM&F,
ao menos naquele dia.
Safra comprou, só no dia 12, US$
340 milhões em contratos futuros
de câmbio. Descontando a única
operação de venda que fez, no valor de US$ 5 milhões, o banqueiro
investiu US$ 335 milhões do próprio bolso na alta do dólar.
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