São Paulo, domingo, 30 de maio de 2004

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NO PLANALTO

Futuro do combate à corrupção passa pelo STF

JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Já se sabia que a Justiça é cega. Pode-se descobrir agora que é desprovida também de olfato. Os juízes do Supremo estão na bica de julgar um processo vital para o futuro do combate à corrupção.
A causa tramita em silêncio. Envolve suspeitas de fraude contra o INSS. Subiu ao STF porque envolve um deputado federal do Maranhão, Remi Trinta. Encontra-se licenciado da Câmara. Integra o PL, mesmo partido do vice-presidente José Alencar. Era sócio de uma clínica.
Chamava-se Santa Luzia. Investigada pelo procurador da República Nicolao Dino de Castro, foi acusada de fraudar o SUS. Coisa cabeluda. O processo menciona cobranças irregulares -de exames inexistentes a aborto em pessoa do sexo masculino. Só em 95, o suposto logro impôs ao INSS prejuízo de R$ 700 mil, fora correções. Brasília descredenciou a Santa Luzia do SUS. A clínica fechou.
Em defesas encaminhadas ao STF, o deputado Trinta e seus sócios negam responsabilidade por eventuais ilícitos. E esgrimem uma tese capciosa. Argumentam que o caso deve ser arquivado porque se baseia exclusivamente em dados recolhidos pelo Ministério Público. Invocam decisão anterior do STF.
No ano passado, a 2ª turma do Supremo deliberou que o Ministério Público não pode realizar investigações penais. A sentença foi proferida em ação movida por um delegado de Brasília. Processado por promotores, ele alegou que só a polícia teria poderes para realizar investigações penais. Deram-lhe razão os ministros Nelson Jobim, Gilmar Mendes e Carlos Velloso.
O relator do caso do deputado Trinta é o ministro Marco Aurélio de Melo. Proferiu o seu voto em 15 de outubro de 2004. Submetido ao crivo do plenário do STF, o julgamento foi suspenso graças a um pedido de vista do ministro Joaquim Barbosa. Voltará à pauta nos próximos dias.
Em seu texto, Marco Aurélio anota que está "convencido de que o inquérito criminal há de ser feito não pelo Ministério Público, mas pela polícia". Polícia Federal, no caso da Santa Luzia. Conduzido só pelo Ministério Público, o processo da clínica seria, na opinião de Marco Aurélio, "insubsistente".
O novo julgamento é mais importante do que o anterior. A decisão agora não será de uma turma, mas do plenário do Supremo, composto de 11 juízes. A sentença pode vir a se converter em jurisprudência.
Antes que Joaquim Barbosa pedisse vista, Jobim proferiu o seu voto. Acompanhou a posição do relator Marco Aurélio. Por coerência, Gilmar e Velloso farão o mesmo. Basta que mais dois ministros encampem a tese para que promotores de Justiça e procuradores da República sejam postos de joelhos.
Privado da prerrogativa de promover investigações penais, o Ministério Público vai virar um aleijão. A decisão representará um inesperado mimo à corrupção. As conseqüências serão funestas.
Uma primeira pergunta: o que será feito dos processos que já estão em curso. Vão ao lixo, por exemplo, os autos do caso do juiz Lalau. Baseiam-se fundamentalmente em investigações do Ministério Público. Não há vestígio de interferência da polícia.
Vai virar entulho também o caso Celso Daniel, reaberto graças a achados de procuradores que expuseram fragilidades de um inquérito policial. Virará fumaça, de resto, a investigação que rastreou depósitos em nome de Maluf no exterior. De novo, não houve participação da polícia.
Uma eventual sentença acerba do STF chegará num instante em que a improbidade torna-se trivial. Verifica-se que, na administração pública, nada se cria, nada se transforma. Tudo se corrompe. Multiplicam-se as malfeitorias. O noticiário não consegue mudar de assunto. Muda no máximo de escândalo.
Imaginou-se que o Collorgate, por extravagante, produziria efeitos benignos. A descoberta de que Brasília convertera-se numa Bagdá entregue a Ali Babá levaria à republicanização do Estado. Amedrontados, políticos não ousariam reincidir na delinqüência. Empresários hesitariam em comprar influência. Eleitores negariam voto a tipos suspeitos. O país tomaria jeito. Engano.
Depois de Collor "PC" de Mello vieram outros: João "Anão do Orçamento" Alves, Jader "Sudam" Barbalho, Paulo "US$ 200 milhões" Maluf, Celso "Farinha do Mesmo Saco" Pitta...
Vieram mais outros: ...João "Sentenças Micadas" da Rocha Matos, Flamarion "Folha Salarial Macetada" Portela, Rodrigo "Dólares na Suíça" Silverinha, Nicolau "TRT" dos Santos Neto...
Vieram outros mais: Sérgio "Santo André" Gomes da Silva, Waldomiro "1%" Diniz, Luiz Cláudio "Vampiro" Gomes da Silva e, para não roubar a paciência e o domingo do leitor, um enorme etc...
A banda podre assumiu tais proporções que, entre suspeitas e certezas, o Brasil ganha feições de uma nação com estruturas de poder intrinsecamente corruptas. Em meio à fauna de anacondas, gafanhotos e morcegos o bom senso recomenda que sejam tonificados, não podados, os poderes de quem combate a corrupção.
Operações recentes têm demonstrado a eficiência da parceria entre polícia e Ministério Público no combate aos atentados contra as arcas públicas. Aleijar procuradores numa hora dessas é coisa que não faz sentido.
Ao tempo em que era a virgem pura da oposição, o PT era aliado incondicional do Ministério Público. Às voltas com os prazeres do bordel governista, o ex-PT torce pelo desastre iminente. Reze-se para que o STF recobre o faro.


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