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DOMINGUEIRA
Tucano no orelhão
MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
Editor de Domingo
Encontro meu amigo tucano, depois de muito tempo,
num telefone público dos Jardins.
Très, très suspect.
Por que meu amigo tucano,
homem de posses e novidadeiro, não estaria usando seu celular de última geração, que trouxe no bolso de sua última viagem a Nova York?
Sento-me na cadeira do bar
da esquina e fico aguardando o
final do colóquio. O cashmere
amarelinho de meu amigo tucano faz um interessante contraponto cromático com o orelhão da Telefônica, que prossegue harmoniosamente pelos
seus jeans novinhos e termina
na incrivelmente fashion botinha da Prada.
Ele recoloca o fone no gancho
e vem em minha direção.
"Há quanto tempo, meu caro!" -saúdo simpaticamente.
Ele corresponde, senta-se a
meu lado e -às favas o novo
câmbio- pedimos um bom vinho francês.
"E aí, como estão as coisas?"
-pergunta.
"O de sempre" -respondo.
"Muita saúva e pouca saúde".
"Que papelão esse negócio das
fitas, hein?" -comenta ele, fazendo uma careta.
"É mesmo. Esse governo está
virando piada. E parece que o
grampo veio lá de dentro mesmo" -fofoco.
"Papelão de vocês! Papelão de
vocês!" -repete exclamativo.
"A essa altura do campeonato,
depois que o país conseguiu
passar pela crise, apesar das
previsões catastrofistas e facassomaníacas, vêm vocês e publicam esse café requentado e fedorento. Francamente... Não
entendo o objetivo..."
Para meu amigo tucano "vocês" é quase toda a imprensa,
mais as áreas de opinião que
têm reservas sobre a atuação do
governo. É como Nelson Rodrigues tinha vontade de dizer ao
poeta Ferreira Gullar, sempre
em articulações com intelectuais
do PC, na época do regime militar. Nelson encontrava Gullar
em Copacabana. "Oi, Nelson,
como vai você?" E Nelson: "Tudo bem Gullar. E como vão vocês?"
"Ora, meu caro" -respondo- "essas fitas andaram por
aí afora, muita gente ouviu,
acho que até você. Agora elas
chegaram às mãos do jornal e
decidiu-se que os leitores tinham interesse e direito de conhecê-las".
"Ai que lindo! Que pureza, que
isenção... Como vocês são legais... Escuta aqui, vocês não
têm cálculo político não? Acham
que vale tudo? Querem ver o Lula ou o Ciro comandando essa
bosta?"
Percebendo que o tom está ficando elevado (em decibéis), decido moderar.
"Não se preocupe, o governo
está conseguindo abafar o negócio. Não vai dar em nada. E nós
já estamos muito velhos para
brigar por esse tipo de coisa".
"I'm too old for this shit", concorda ele, parafraseando, não
sei se intencionalmente, uma
das falas captadas pelo grampo.
O vinho já está no fim, mas
não resisto à curiosidade: "Escuta, por que você estava falando
no orelhão? Para colaborar com
a privatização da telefonia fixa?".
Meu amigo tucano ignora a
ironia, coça seu magnífico bico,
e responde cheio de sua esperteza:
"Eu sou babaca, mas não rasgo. Tem certas coisas que não se
deve falar por telefone. Por celular, então, meu filho, nem pensar".
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