São Paulo, Domingo, 30 de Maio de 1999
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SISTEMA FINANCEIRO
Dinheiro representa 54% dos R$ 7,5 bilhões que saíram do país por meio das chamadas contas CC-5
"Laranjas" mandaram R$ 4 bi ao exterior

JOSÉ MASCHIO
da Agência Folha, em São Paulo

DAVID FRIEDLANDER
VANESSA ADACHI
da Reportagem Local


Uma devassa nas chamadas contas CC-5, um sistema de remessa de dinheiro para o exterior, descobriu que pelo menos 54% dos R$ 7,5 bilhões enviados por pessoas físicas para fora do país entre 1992 e 1998 são clandestinos.
Esses recursos deixaram o paísem nome de 226 "laranjas", na sua maioria pessoas humildes, que foram usadas pelos verdadeiros donos do dinheiro para encobrir sua identidade. É o maior levantamento já feito sobre o tráfico de dinheiro ilegal no país e está sendo investigado pelo Ministério Público Federal no Paraná.
Na investigação, camelôs, faxineiras e secretárias aparecem enviando um total de R$ 4,055 bilhões para o exterior. O MP suspeita que, por trás desses "laranjas", escondam-se sonegadores de impostos e pessoas ligadas a atividades ilegais, como contrabando e tráfico de drogas.
"Nós achamos que a participação dos laranjas nas remessas pode ser maior, próxima a 80%", diz o procurador da República Celso Três, de Cascavel, no interior do Paraná. Nesta quarta-feira, Três vai apresentar o resultado de suas investigações na CPI dos Bancos.
A investigação corre há mais de um ano e, no começo, estava centrada na lavagem de dinheiro na fronteira do Brasil com o Paraguai. Acabou trazendo à tona algo muito maior e mostrou que a máquina de exportação de dinheiro ilegal opera em todo o país.
O procurador paranaense estava interessado apenas em entrar no "laranjal", mas acabou pondo a mão na relação completa de todas as operações via CC-5 feitas por pessoas e empresas nos últimos sete anos.
Foi por acaso. Celso Três queria que o Banco Central o informasse sobre as operações que envolviam pessoas e empresas do interior do Paraná, sua área de atuação.
O BC negou o pedido, alegando incapacidade técnica para separar a ficha dos paranaenses do estoque geral das CC-5. "Eu então pedi que mandassem todas as operações e eles me atenderam", diz.
Ou seja, o desconhecido procurador Celso Três, do interior do Paraná, recebeu informações que o secretário da Receita Federal, Everardo Maciel, reclamou recentemente ter dificuldades para conseguir.
A papelada do BC mostra que, ao todo, R$ 111,6 bilhões foram enviados para fora do país entre 1992 a 1998. A grande maioria, R$ 104,1 bilhões, foi remetida por empresas e instituições financeiras. O restante pertence a pessoas físicas.
Estão listados no documento 1.700 pessoas e mais de 5.000 empresas, bancos e corretoras. Sobre a grande maioria das operações, não há nenhuma suspeita. Portanto, não haveria motivo para terem saído da caixa-forte do BC.
No campo das pessoas físicas, o relatório do BC confirma com nome, CPF e valores algo de que já se desconfiava: é comum brasileiro que tem dinheiro manter contas no exterior. Por várias razões. Uma delas é a sensação de insegurança desenvolvida ao longo de uma sequência de pacotes econômicos fracassados, desvalorizações cambiais e um confisco.
Há, também, uma boa dose de oportunismo. Muitas pessoas mandam dinheiro para fora, apenas para repatriá-lo mais tarde, fantasiado de investimento estrangeiro. A grande vantagem é que em alguns casos o investidor estrangeiro é favorecido com impostos mais baixos ou até isenção para aplicar no Brasil. Banqueiros dizem que esse artifício para escapar do fisco é trivial.
A Folha teve acesso à lista completa do BC. Um banqueiro de São Paulo, por exemplo, despachou, sozinho, R$ 224 milhões para fora do país, a partir de 96. É o campeão da lista de pessoas físicas do BC.
Empresários que venderam recentemente suas empresas também aparecem ativamente no Boeing da CC-5. Alguns industriais e banqueiros fizeram remessas em nome de vários membros da família, aparentemente repartindo seu lucro no exterior. Há um apresentador de TV, muito popular, que enviou recentemente R$ 12 milhões para fora.
Também chama a atenção o comportamento de figuras conhecidas no mercado financeiro.
Quase todos os principais executivos de um grande banco brasileiro enviaram parte de suas economias, cerca de R$ 2 milhões cada um, para contas no exterior. A mesma coisa aconteceu com os R$ 24 milhões de uma família de ex-banqueiros. O banco deles quebrou.
As contas CC-5 existem desde 1969 e foram criadas pelo Banco Central para permitir que estrangeiros que residissem temporariamente no Brasil pudessem movimentar seu dinheiro. Seu uso depois foi ampliado e o mais comum, hoje, é que brasileiros usem esse canal para movimentar legalmente suas contas no exterior.
Ganharam má fama durante a CPI que investigou os negócios de Paulo César Farias, tesoureiro de campanha e amigo do ex-presidente Fernando Collor de Mello. As investigações em curso podem ser uma boa oportunidade para aperfeiçoar o mecanismo.
O Banco Central rejeita críticas sobre falta de fiscalização nas operações. Diz que foi sua toda a investigação que levou aos "laranjas" que operam em Foz do Iguaçu.
Segundo o BC, a fiscalização do órgão informou o Ministério Público dos problemas na fronteira com o Paraguai em abril de 1997. A partir de junho de 1997, foram comunicados 322 casos de possível remessa irregular de dólares.
Em Foz do Iguaçu, para viabilizar o comércio na fronteira, são autorizados depósitos em espécie acima de R$ 10 mil em contas CC-5. Os "laranjas" se valiam de deficiências na fiscalização da Receita Federal e faziam depósitos acima do valor declarado.


Colaborou a Sucursal de Brasília


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