São Paulo, Domingo, 30 de Maio de 1999
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

GOVERNO
Fundo é criticado por Estados
Dinheiro do FEF vai para miudezas

PATRICIA ZORZAN
da Reportagem Local

Prorrogado em duas ocasiões com o objetivo de custear "prioritariamente" ações nas áreas da saúde, educação, Previdência e de programas de interesse econômico e social, o FEF (Fundo de Estabilização Fiscal) vem tendo parte de seus recursos utilizados na compra de caixas de presentes, assinatura de jornais e até na manutenção de aparelhos de ar-condicionado do Palácio do Planalto.
Batizado inicialmente de FSE (Fundo Social de Emergência), o FEF é originário da desvinculação de 20% da arrecadação de impostos e contribuições federais, o que libera o governo das obrigações impostas pela Constituição, garantindo flexibilidade de gastos.
No ano passado, o FEF destinou cerca de R$ 30 bilhões para o caixa da União. Para este ano, a expectativa é que a arrecadação deverá chegar a R$ 23 bilhões.
Com a prerrogativa da livre utilização desses recursos, o governo empregou em 99, segundo levantamento feito no Siafi (Sistema Integrado de Administração Financeira), R$ 60.067,70 do fundo na confecção e instalação de painéis para a divisão de ambientes -feitos em aglomerado (serragem imprensada) e revestidos com tecido especial nas cores azul e grafite- e de painéis acústicos -que impedem a passagem de som- no Ministério das Relações Exteriores.
A ordem bancária referente ao pedido, feito pela divisão de serviços gerais do ministério, foi emitida no dia 15 de abril.
O sistema (que registra despesas autorizadas e pagas com dinheiro do Orçamento federal) indica o pagamento de R$ 21.254,23 para o serviço de operação, manutenção preventiva e corretiva e para assistência técnica do sistema de ar-condicionado central do Palácio do Planalto e anexos.

Jornais
Também vieram do fundo R$ 7.912 gastos com a assinatura de jornais para o gabinete do ministro do Exército, Gleuber Vieira, e R$ 2.250 para o pagamento de serviços de bufê prestados por solicitação do cerimonial do Ministério das Relações Exteriores.
De acordo com o Siafi, o FEF foi o responsável pelo pagamento de R$ 4.860 para a aquisição de ""caixas especiais" para presentes e de R$ 10.002 pela confecção de objetos de prata e pedras brasileiras a serem oferecidas pelo Ministério das Relações Exteriores a autoridades estrangeiras.
Outros R$ 6.119,75 do fundo foram gastos na confecção, instalação e remoção de um toldo na residência do ministro Luiz Felipe Lampreia (Relações Exteriores), por ocasião de um almoço oferecido pela embaixatriz Lenir Lampreia a mulheres de senadores norte-americanos.
Ainda fazem parte da lista de serviços custeados pelo FEF, entre outros, gastos com hospedagem, aquisição de arranjos florais e locação de instalações no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro para a realização de um evento.
Essa não é a primeira vez que os recursos do fundo são empregados no pagamento de despesas de rotina do governo federal. Em 95, foi revelado o uso da verba do então FSE na compra de goiabada cascão, passagens aéreas, tecido, toalhas de rosto, chuveiros e até de tampas para vaso sanitário.
Para evitar novas acusações de desvios, o governo decidiu retirar do nome do fundo a palavra social e acrescentou ao texto que o criou o termo prioritariamente.
Dessa forma, os recursos do FEF passaram a ser destinados ""prioritariamente à saúde, educação e despesas associadas a programas de interesse econômico e social".
""É falta de respeito. É comum dizerem (no governo) que as coisas não são ilegais. Pode até não ser ilegal, mas é imoral. Temos péssimos serviços de saúde e de educação. A União vem com a bandeira de que vai reter recursos para essas áreas e não faz isso. É um tapa na cara da população ", disse o advogado Waldir Luiz Braga, presidente da Associação Brasileira dos Consultores Tributários.
Segundo Braga, a utilização dos recursos do fundo para o pagamento de serviços rotineiros pode servir como incentivo para o aumento da sonegação. ""O contribuinte quando vê essas coisas pensa: "Pago impostos para isso?"'

Alterações
Por reduzir a base de cálculo dos repasses dos fundos de participação de Estados e municípios, o FEF se transformou em um dos principais pontos de conflito entre prefeitos, governadores e o presidente Fernando Henrique Cardoso.
Segundo cálculos do Tesouro Nacional, os Estados deixaram de receber R$ 1,2 bilhão em 98 devido ao mecanismo. Para este ano, a previsão de queda de receita é de R$ 1,3 bilhão.
O Tesouro se recusou a fornecer os números relativos aos municípios. Mas, conforme levantamento feito pela liderança do PT na Câmara tendo como base inflação zero e arrecadação de 98 e 99 iguais à de 97, as perdas nesse caso chegaram a R$ 574.875.112 em 98 e devem ser de R$ 103.134.104 em 99.
Em resposta à pressão exercida principalmente pelos governadores, no início de maio o governo anunciou alterações no fundo.
No próximo ano, os recursos orçamentários destinados a Estados e municípios serão repassados integralmente. Mas a desvinculação de receitas federais feita pelo FEF dentro do Orçamento permanece.


Texto Anterior: FHC planeja mudar ministérios para recompor base governista
Próximo Texto: "Laranjas" mandaram R$ 4 bi ao exterior
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.