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CELSO PINTO
Os "planos Bs" da Argentina
O acordo com o FMI acalmou,
por enquanto, os mercados em relação à Argentina, mas permanece uma tensão que não deve sumir
até as eleições presidenciais de
outubro. O problema é que não
existem saídas fáceis.
Ao contrário do que muitos
imaginam, não existe a alternativa de desvalorização do peso. Na
economia argentina, o dólar funciona não só como uma referência
de valor, mas também como meio
de pagamento. Notas de dólares
já circulam largamente, mesmo
sem a dolarização formal.
A economia é amplamente dolarizada, não só entre empresas e
bancos. Um banco calcula que
85% dos empréstimos imobiliários, por exemplo, são em dólares.
Se o governo acabasse com a livre
conversão que existe hoje entre
pesos e dólares, provocaria uma
corrida ao dólar, uma desvalorização descontrolada, quebraria o
sistema bancário e produziria
uma hiperinflação.
Uma alternativa viável, mas
com inconvenientes, seria a dolarização, que o governo Menem diz
querer implantar este ano. Equivaleria a dobrar a aposta contida
no sistema de conversibilidade
(onde o peso circula mas pode ser
trocado, a qualquer momento,
por dólar, pela paridade).
No "currency board", o governo
abre mão da política monetária:
só é possível emitir moeda (e influir nos juros) na proporção em
que as reservas externas cresçam.
Como o peso continua a existir,
contudo, existe a possibilidade,
ainda que remota, de uma crise
levar ao fim do sistema, à desvalorização e a uma moratória.
Se a moeda local é o dólar, o risco de desvalorização desaparece.
Pode ajudar a reduzir ainda mais
os juros, mas não elimina as crises
econômicas. Ao contrário, atrela
de vez a economia argentina à
economia americana.
Se um fator interno ou externo
americano levar a uma valorização ou desvalorização do dólar,
será improvável que essa oscilação seja sempre do interesse argentino. Até porque só cerca de
um quarto das exportações argentinas vão para os Estados Unidos.
No caso do México, onde mais de
80% do fluxo de comércio já é com
os Estados Unidos, uma dolarização faria mais sentido.
Além disso, existem fortes resistências no governo americano em
aceitar o ônus da dolarização negociada: qualquer problema interno na economia argentina geraria pressões e reclamações contra os americanos. Existem outros
problemas, como a ausência de
um emprestador de última instância para os bancos e as perdas
pela não emissão de moeda. Eles
são complexos, mas poderiam ter
uma solução técnica, desde que a
dolarização fosse negociada e não
unilateral.
A melhor alternativa para a Argentina é a que Domingo Cavallo
vem batalhando há muito tempo.
Seria unir o peso ao real, permitindo alguma desvalorização do
peso no processo, e deixar a moeda comum flutuar em relação ao
resto do mundo. Faria mais sentido, porque a Argentina exporta
30% do total para o Brasil e tem
uma integração econômica forte,
via Mercosul.
Seria a melhor solução para a
Argentina lidar com o câmbio flutuante brasileiro que, mantido a
médio prazo, inviabiliza o Mercosul. O Brasil, contudo, não quer
essa solução a curto prazo e nem,
talvez, a médio prazo.
A Argentina talvez possa manter o sistema atual, mas terá que
vencer pressões e dúvidas potencializadas pela eleição. O déficit
externo em conta corrente, que
era de 1,3% do PIB em 96, subiu
para 2,9% em 97, 3,7% em 98 e deve superar 4% este ano.
Por trás da piora está a queda
nos preços das "commodities"
desde 98, fator transitório, mas
também a desvalorização do real,
fator permanente. As exportações
de veículos para o Brasil no primeiro trimestre, por exemplo, caíram 60% e o Brasil representa
90% dessas exportações na Argentina (que somam 10% das exportações totais).
O banco CSFB calcula que o peso, em relação a uma cesta de
moedas, valorizou 10% este ano
em relação à média de 98 e está no
nível mais valorizado desde o início do "currency board". No regime argentino, a única forma de
compensar essa valorização é ganhar competitividade. Significa
reformar o mercado de trabalho
para reduzir salários e cortar custos em geral. Não combina com
ano eleitoral e o impasse com o
FMI mostrou isso.
O PIB cresceu 8,6% em 97, 4,2%
em 98 e deve cair mais de 1% este
ano (caiu 4% no primeiro trimestre). Menos crescimento e juros
mais altos fizeram o déficit fiscal
sair de 1,3% do PIB em 97, para
1,2% em 98 e 1,5% este ano.
Mais déficit em conta corrente e
mais déficit fiscal deixam os investidores mais preocupados, porque o país financia ambos, basicamente, no mercado externo. A
Argentina já captou 63% do que
precisa este ano, calcula o CSFB,
mas se o nervosismo afetar o ingresso de dólares, os juros subirão, a economia cairá mais e o déficit crescerá.
A Argentina precisaria sinalizar
com mais reformas. Se o mercado
acreditar nisso, tudo bem. Caso
contrário, será preciso ativar um
"plano B", mesmo que ele tenha
contra-indicações.
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