São Paulo, Domingo, 30 de Maio de 1999
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CELSO PINTO
Os "planos Bs" da Argentina

O acordo com o FMI acalmou, por enquanto, os mercados em relação à Argentina, mas permanece uma tensão que não deve sumir até as eleições presidenciais de outubro. O problema é que não existem saídas fáceis.
Ao contrário do que muitos imaginam, não existe a alternativa de desvalorização do peso. Na economia argentina, o dólar funciona não só como uma referência de valor, mas também como meio de pagamento. Notas de dólares já circulam largamente, mesmo sem a dolarização formal.
A economia é amplamente dolarizada, não só entre empresas e bancos. Um banco calcula que 85% dos empréstimos imobiliários, por exemplo, são em dólares. Se o governo acabasse com a livre conversão que existe hoje entre pesos e dólares, provocaria uma corrida ao dólar, uma desvalorização descontrolada, quebraria o sistema bancário e produziria uma hiperinflação.
Uma alternativa viável, mas com inconvenientes, seria a dolarização, que o governo Menem diz querer implantar este ano. Equivaleria a dobrar a aposta contida no sistema de conversibilidade (onde o peso circula mas pode ser trocado, a qualquer momento, por dólar, pela paridade).
No "currency board", o governo abre mão da política monetária: só é possível emitir moeda (e influir nos juros) na proporção em que as reservas externas cresçam. Como o peso continua a existir, contudo, existe a possibilidade, ainda que remota, de uma crise levar ao fim do sistema, à desvalorização e a uma moratória.
Se a moeda local é o dólar, o risco de desvalorização desaparece. Pode ajudar a reduzir ainda mais os juros, mas não elimina as crises econômicas. Ao contrário, atrela de vez a economia argentina à economia americana.
Se um fator interno ou externo americano levar a uma valorização ou desvalorização do dólar, será improvável que essa oscilação seja sempre do interesse argentino. Até porque só cerca de um quarto das exportações argentinas vão para os Estados Unidos. No caso do México, onde mais de 80% do fluxo de comércio já é com os Estados Unidos, uma dolarização faria mais sentido.
Além disso, existem fortes resistências no governo americano em aceitar o ônus da dolarização negociada: qualquer problema interno na economia argentina geraria pressões e reclamações contra os americanos. Existem outros problemas, como a ausência de um emprestador de última instância para os bancos e as perdas pela não emissão de moeda. Eles são complexos, mas poderiam ter uma solução técnica, desde que a dolarização fosse negociada e não unilateral.
A melhor alternativa para a Argentina é a que Domingo Cavallo vem batalhando há muito tempo. Seria unir o peso ao real, permitindo alguma desvalorização do peso no processo, e deixar a moeda comum flutuar em relação ao resto do mundo. Faria mais sentido, porque a Argentina exporta 30% do total para o Brasil e tem uma integração econômica forte, via Mercosul.
Seria a melhor solução para a Argentina lidar com o câmbio flutuante brasileiro que, mantido a médio prazo, inviabiliza o Mercosul. O Brasil, contudo, não quer essa solução a curto prazo e nem, talvez, a médio prazo.
A Argentina talvez possa manter o sistema atual, mas terá que vencer pressões e dúvidas potencializadas pela eleição. O déficit externo em conta corrente, que era de 1,3% do PIB em 96, subiu para 2,9% em 97, 3,7% em 98 e deve superar 4% este ano.
Por trás da piora está a queda nos preços das "commodities" desde 98, fator transitório, mas também a desvalorização do real, fator permanente. As exportações de veículos para o Brasil no primeiro trimestre, por exemplo, caíram 60% e o Brasil representa 90% dessas exportações na Argentina (que somam 10% das exportações totais).
O banco CSFB calcula que o peso, em relação a uma cesta de moedas, valorizou 10% este ano em relação à média de 98 e está no nível mais valorizado desde o início do "currency board". No regime argentino, a única forma de compensar essa valorização é ganhar competitividade. Significa reformar o mercado de trabalho para reduzir salários e cortar custos em geral. Não combina com ano eleitoral e o impasse com o FMI mostrou isso.
O PIB cresceu 8,6% em 97, 4,2% em 98 e deve cair mais de 1% este ano (caiu 4% no primeiro trimestre). Menos crescimento e juros mais altos fizeram o déficit fiscal sair de 1,3% do PIB em 97, para 1,2% em 98 e 1,5% este ano.
Mais déficit em conta corrente e mais déficit fiscal deixam os investidores mais preocupados, porque o país financia ambos, basicamente, no mercado externo. A Argentina já captou 63% do que precisa este ano, calcula o CSFB, mas se o nervosismo afetar o ingresso de dólares, os juros subirão, a economia cairá mais e o déficit crescerá.
A Argentina precisaria sinalizar com mais reformas. Se o mercado acreditar nisso, tudo bem. Caso contrário, será preciso ativar um "plano B", mesmo que ele tenha contra-indicações.


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