UOL

São Paulo, quarta-feira, 30 de julho de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ELIO GASPARI

De luciopetit@araguaia.edu para José Genoino

Geraldo, vi na internet uma declaração sua dizendo que é preciso "serenidade, profissionalismo e cautela" para encaminhar a decisão da juíza federal Solange Salgado, que mandou o governo revelar onde estão as sepulturas dos guerrilheiros do Araguaia e intimou os militares que participaram das operações de combate a contar o que sabem. Você foi apanhado logo no primeiro dia, sabe pouco. Vi que você voltou a ser o José Genoino, mas continuo tratando as pessoas pelos nomes que a gente usava aqui no mato. Que turma a nossa: um estudante de astronomia, três de física, uma japonesa que estudava alemão e um químico que tocava flauta.
Você tem razão, Geraldo. É preciso cautela. Eles mataram o Osvaldão e sobrevoaram Xambioá com o corpo pendurado num helicóptero. Depois, cortaram-lhe a cabeça.
É preciso profissionalismo, sem dúvida. Em abril 1972, eles tinham ordens escritas para nos enterrar "em cemitério escolhido e comunicado". Você lembra, minha irmã Maria Lúcia foi tocaiada. Tinha 22 anos. Enterraram-na numa cova sem nome no cemitério de Xambioá. Minha família só confirmou a morte da Maria e viu a fotografia do seu corpo em 1996.
Meu irmão Jaime também morreu no Araguaia. Felizmente a Lena, mulher dele, resolveu viver e se entregou. Teve sorte, fez isso em 1972, quando a tropa fazia prisioneiros. A mesma sorte que você teve, Geraldo.
Serenidade, isso não pode nos faltar. O Jaime morreu num tiroteio na Grota do Cajá. Eu fui capturado vivo. O "seu" Veloso da lanchonete da Bacaba já contou isso. Dina, Rosa, Cristina e Áurea não tiveram a sua sorte. Foram capturadas quando a ordem era matar os prisioneiros. O Doca, lembra-se dele? Era ajustador diplomado pelo Senai. O Doca foi preso em 1974, pouco depois da morte do Jaime. Foi visto quatro vezes e fotografado em companhia do sargento Santa Cruz. Era o tempo das equipes Zebra, que caçavam os guerrilheiros em troca de recompensas.
Geraldo, aqui a gente sabe de tudo o que aconteceu no Araguaia. Sabe até que um hierarca teve interesse em conversar com um combatente. Em janeiro de 1974, houve o cuidado de se preservar um espécime de guerrilheiro para remetê-lo a Brasília. Mais não conto, porque não posso.
Geraldo, você está usando a condição de ex-guerrilheiro para aconselhar "serenidade, profissionalismo e cautela" aos familiares dos seus companheiros que foram assassinados. De duas, uma: ou você não está dizendo nada, ou está sendo sereno, profissional e cauteloso à custa de um doloroso pleito alheio. Cada um na sua turma. Essa juíza de Brasília é mulher valente. Ela não quer muita coisa. Quer saber onde estão os cadáveres. (Alguns perderam-se.) Quer que os participantes do combate à guerrilha e do seu massacre contem o que houve. Minha irmã tem direito de exigir que lhe contem como eu morri. Não falo em localizar meu corpo e liquidar a fatura. Refiro-me ao direito de saber como se matavam os prisioneiros.
Não acredite nessa história de que sumiram os papéis com a história do que sucedeu no Araguaia. Mesmo que tenham saqueado o arquivo, sobraram coisas valiosas. (O general João Figueiredo me contou que acharam o diário do Osvaldão num pau oco. Pena se esse documento estiver perdido.)
Existem documentos que revelam a identidade de pelo menos meia dúzia de militares que participaram das operações do Araguaia. Peça ao Josias de Souza, da Folha de S.Paulo, uma cópia da Operação Sucuri. É o movimento do Centro de Informações do Exército, infiltrando 32 agentes na região entre abril e outubro de 1973. Leia-a com serenidade, profissionalismo e cautela.


Texto Anterior: Associação em Minas estuda greve nacional
Próximo Texto: Investigação: Maluf tenta impedir envio de papéis ao país
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.