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ELIO GASPARI
De luciopetit@araguaia.edu
para José Genoino
Geraldo, vi na internet
uma declaração sua dizendo que é preciso "serenidade,
profissionalismo e cautela" para
encaminhar a decisão da juíza
federal Solange Salgado, que
mandou o governo revelar onde
estão as sepulturas dos guerrilheiros do Araguaia e intimou
os militares que participaram
das operações de combate a
contar o que sabem. Você foi
apanhado logo no primeiro dia,
sabe pouco. Vi que você voltou a
ser o José Genoino, mas continuo tratando as pessoas pelos
nomes que a gente usava aqui
no mato. Que turma a nossa:
um estudante de astronomia,
três de física, uma japonesa que
estudava alemão e um químico
que tocava flauta.
Você tem razão, Geraldo. É
preciso cautela. Eles mataram o
Osvaldão e sobrevoaram Xambioá com o corpo pendurado
num helicóptero. Depois, cortaram-lhe a cabeça.
É preciso profissionalismo,
sem dúvida. Em abril 1972, eles
tinham ordens escritas para nos
enterrar "em cemitério escolhido e comunicado". Você lembra,
minha irmã Maria Lúcia foi tocaiada. Tinha 22 anos. Enterraram-na numa cova sem nome
no cemitério de Xambioá. Minha família só confirmou a
morte da Maria e viu a fotografia do seu corpo em 1996.
Meu irmão Jaime também
morreu no Araguaia. Felizmente a Lena, mulher dele, resolveu
viver e se entregou. Teve sorte,
fez isso em 1972, quando a tropa
fazia prisioneiros. A mesma sorte que você teve, Geraldo.
Serenidade, isso não pode nos
faltar. O Jaime morreu num tiroteio na Grota do Cajá. Eu fui
capturado vivo. O "seu" Veloso
da lanchonete da Bacaba já
contou isso. Dina, Rosa, Cristina e Áurea não tiveram a sua
sorte. Foram capturadas quando a ordem era matar os prisioneiros. O Doca, lembra-se dele?
Era ajustador diplomado pelo
Senai. O Doca foi preso em 1974,
pouco depois da morte do Jaime. Foi visto quatro vezes e fotografado em companhia do sargento Santa Cruz. Era o tempo
das equipes Zebra, que caçavam
os guerrilheiros em troca de recompensas.
Geraldo, aqui a gente sabe de
tudo o que aconteceu no Araguaia. Sabe até que um hierarca
teve interesse em conversar com
um combatente. Em janeiro de
1974, houve o cuidado de se preservar um espécime de guerrilheiro para remetê-lo a Brasília.
Mais não conto, porque não
posso.
Geraldo, você está usando a
condição de ex-guerrilheiro para aconselhar "serenidade, profissionalismo e cautela" aos familiares dos seus companheiros
que foram assassinados. De
duas, uma: ou você não está dizendo nada, ou está sendo sereno, profissional e cauteloso à
custa de um doloroso pleito
alheio. Cada um na sua turma.
Essa juíza de Brasília é mulher
valente. Ela não quer muita coisa. Quer saber onde estão os cadáveres. (Alguns perderam-se.)
Quer que os participantes do
combate à guerrilha e do seu
massacre contem o que houve.
Minha irmã tem direito de exigir que lhe contem como eu
morri. Não falo em localizar
meu corpo e liquidar a fatura.
Refiro-me ao direito de saber
como se matavam os prisioneiros.
Não acredite nessa história de
que sumiram os papéis com a
história do que sucedeu no Araguaia. Mesmo que tenham saqueado o arquivo, sobraram
coisas valiosas. (O general João
Figueiredo me contou que acharam o diário do Osvaldão num
pau oco. Pena se esse documento estiver perdido.)
Existem documentos que revelam a identidade de pelo menos
meia dúzia de militares que
participaram das operações do
Araguaia. Peça ao Josias de
Souza, da Folha de S.Paulo,
uma cópia da Operação Sucuri.
É o movimento do Centro de Informações do Exército, infiltrando 32 agentes na região entre abril e outubro de 1973. Leia-a com serenidade, profissionalismo e cautela.
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