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JANIO DE FREITAS
Representantes de mentira
É deliberada mentira que exista e que seja democrática a representação do povo e dos Estados pelos parlamentares
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A CONDENAÇÃO da Câmara e do
Senado, merecedores da confiança de apenas 12,5% e
14,6% da população, respectivamente, como concluiu pesquisa promovida pela Associação dos Magistrados Brasileiros, não atesta só a
progressiva deterioração do Poder
Legislativo. Evidencia já uma situação crítica, incapaz de sobreviver
por muito tempo sem conseqüências, se não for combatida com providências verdadeiras. Não há caso
de degenerescência assim, em alicerces institucionais, que não tenha
levado a problemas extremados, às
vezes por faíscas mínimas.
O sistema que elege deputados e
senadores é uma fraude contra o
eleitorado. É deliberada mentira, no
regime e na legislação do Brasil, que
exista e que seja democrática a representação do povo e dos Estados
pelos parlamentares. Fraude e mentira cujo fim é indispensável, como
preliminar, para deter a degradação
institucional e política.
A composição da Câmara só terá o
sentido de representação quando
obedecer à ordem quantitativa dos
votos dados, em cada Estado, aos
candidatos. O sistema dos "candidatos puxadores" de votos é uma fábrica de aberrações. Indústria de picaretagem eleitoral que permite, em
um dos poucos exemplos divulgados, a eleição a deputado federal de
uma candidata com ridículos 200
votos no maior eleitorado do país,
São Paulo. Sem sobrenome identificado, prenome adotado para as circunstâncias, candidata paulista mas
moradora no Rio, foi eleita pelos votos excedentes do seu correligionário Doutor Enéas, em relação ao
coeficiente estabelecido. Candidatos com dez vezes ou ainda mais votos não foram para a Câmara. Entre
eles e a amiga do Enéas, a mentira da
"representação democrática" excluiu os mais votados. Caso único?
Ou raro?
Assim é a composição da Câmara:
nem 10% dos seus integrantes foram eleitos por conta própria. Em
seus respectivos Estados, candidatos com maior número de votos, e
portanto com maior representação
do eleitorado, ficaram de fora em favor de beneficiados pelo cômputo
segundo coeficientes partidários. É
a vontade eleitoral adulterada; e, claro, a representação que não existe
na Câmara.
Eleitos de fato e representantes
potenciais só podem ser os que tenham mais votos em cada colégio
eleitoral, e essa é a maneira de compor uma Câmara sem fraudar o espírito democrático da eleição e das
instituições. Por isso mesmo, não é
menos aberrante e fraudulenta a
existência de suplente de senador,
um "eleito" sem voto e, com muita
freqüência, parte da tal picaretagem
eleitoral (o suplente paga a campanha do candidato, que, apesar disso,
arrecada e embolsa altas contribuições: é comum o suplente ser um
bom negócio do efetivo). Com ou
sem picaretagem eleitoral, o suplente levado ao exercício no Senado,
por estar o efetivo no governo ou de
licença, não recebeu representação
do eleitorado, logo, existe por absurdo legal mas é ilegítimo. Outra fraude da "representação democrática".
A primeira corrupção de parlamentares a ser eliminada deve ser a
que tem o governo como corruptor.
A compra de adesão à tal "base governista", uma ficção que varia conforme as cobranças e pagamentos
sucessivos, é corrupção institucionalizada. Está nos jornais, está na
TV, como algo feio e reprovável, porém aceito e liberado para continuar. Com freqüência, no entanto,
não lhe faltam os aspectos de crime
de extorsão, de chantagem, e de corrupção nem se fala.
Existe solução, sim, a começar de
algo que a lei exige para nada: o programa registrado por cada partido.
Ou há obrigação de cumprir seus
princípios, em vez de seguir o compra-e-venda aleatório, ou a lei que o
exige está em vigor para encobrir
corrupção política. O respeito à lei
exigente de programas não impediria adesões a outros princípios e
programas, bastando sua aprovação
em convenções. Ou seja, do partido,
e não de grupelhos dirigentes envolvidos no mesmo compra-e-venda.
A outra fonte da relação corrupta
entre governo e Congresso são as
emendas parlamentares ao Orçamento, pelas quais deputados e senadores tornam-se donos individuais de certas verbas e sua destinação. Medidas que impeçam ou reduzam muito o uso da liberação dessas
verbas, como moeda de compra de
adesão ou de voto pelo governo, são
simples e de várias formas possíveis.
Um teto, por exemplo, no valor total
das emendas individuais, com liberação obrigatória, elimina o compra-e-venda sem perturbar as contas públicas.
Nenhuma solução deve ser esperada da Câmara e do Senado, ou não
seriam incapazes de merecer um mínimo da confiança de 87,5% e 85,4%
da população jovem/adulta. Mas se
os que compõem esses percentuais
alarmantes não gerarem esforços de
mudança, passemos todos a discutir
outro assunto: quando e que conseqüências virão, por certo.
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