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São Paulo, quinta-feira, 30 de outubro de 2003

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JANIO DE FREITAS

Os colonizados

Com sua entrega atrasada em quase ano e meio e sem prazo certo para iniciar o funcionamento projetado, embora já pago em mais de 90%, o Sistema de Vigilância da Amazônia, ou Sivam, conecta agora o governo Lula à série de quatro escândalos que motivou no governo Fernando Henrique.
No início de junho, o ministro de Segurança Institucional, general Jorge Armando Felix, incluiu uma revelação muito importante em depoimento à Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional da Câmara. Projetado para a defesa da Amazônia e, como complemento, apoio à aviação civil, o Sivam é vulnerável: suas informações ficam ao alcance da fornecedora do equipamento, a norte-americana Raytheon, que pode usá-las, com fins comerciais ou políticos ou outros, a seu critério.
Por algum motivo inexplicado, o depoimento do general Felix, e não só a parte referente ao Sivam, não recebeu da mídia o espaço e o tempo merecidos. O comentário que aqui lhe foi dedicado em 6 de junho, "A soberania no balcão", suscitou duas reações oficiais: no dia 13, também aqui era noticiado que o deputado José Aristodemo Pinotti preparara um requerimento de CPI, para o qual já coletava as necessárias assinaturas; e, do Sivam mesmo, uma correspondência.
Assinada pelo coronel Paulo Esteves, a mensagem consistia em convite para esclarecer, a respeito do acesso às informações revelado pelo general Felix, que "infelizmente essa desconfiança, de certa forma, faz parte da nossa cultura de colonizados". A gratuidade do insulto ao depoente e da grosseria com o comentarista dispensava qualquer consideração.
Tanto mais que, a haver "cultura de colonizados", o Sivam é sua expressão máxima. Não bastando as ilegalidades da exótica concorrência para entregá-lo forçosamente à Raytheon, como queriam o Pentágono e o Departamento de Estado dos EUA, foi ainda motivo de um episódio de subserviência sem par: ao conseguir afinal, a despeito da série de escândalos, dar a Raytheon como "vencedora", Fernando Henrique telefonou ao então presidente Clinton para comunicar-lhe o êxito.
Pois é o coronel Paulo Esteves que vem agora a informar, por intermédio do "Globo", que o enorme atraso de funcionamento do Sivam deve-se a que Raytheon até hoje não entregou o equipamento de rádio VHF para comunicação com os aviões. E, por isso, o pagamento ainda devido à empresa está suspenso até a entrega.
A Raytheon já recebeu 90% do custo de seus serviços e equipamentos. Mas o Sivam, um projeto de R$ 4,2 bilhões, não pode cumprir a tarefa para a qual foi projetado. Nem há certeza de quando poderá fazê-lo, porque a Raytheon não tem ainda o equipamento a ser fornecido. Mas nenhuma providência está tomada pela parte brasileira -Sivam e governo- em relação ao problema. Seja quanto à substituição do fornecedor que não fornece, ao ressarcimento de quotas pagas, a multas pelo atraso e ainda outros motivos.
Por que a tolerância sem fim, como o próprio Sivam? A explicação é difícil, a menos que esteja na "cultura de colonizados" tão bem simbolizada nesse projeto muito desastrado e pouco brasileiro.


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