São Paulo, domingo, 30 de outubro de 2005

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"JEITINHO BRASILEIRO"

Debate sobre corrupção chega a 19 propostas, mas não há consenso

UIRÁ MACHADO
ENVIADO ESPECIAL A CAMPOS DO JORDÃO

O resultado de dois dias e meio de discussões promovidas durante a segunda edição do evento DNA Brasil foi uma lista de 19 pontos que, segundo os convidados, podem ajudar o país a combater a corrupção. Entre as propostas, destacam-se a necessidade de garantir a transparência de contas de partidos, candidatos e de estimular a utilização da ação popular (instrumento jurídico) para combater a corrupção.
Só esses dois pontos foram consenso entre os 25 convidados presentes na última plenária (ao todo, 51 personalidades comparecerem ao evento). Os demais 17 itens foram aprovados por pelo menos dois terços da assembléia realizada ontem.
Entre as propostas estavam o financiamento público exclusivo de campanha, a fidelidade partidária, o fim da Secom, a redução da burocracia estatal, a simplificação do sistema tributário e o uso habitual, em períodos eleitorais, de mecanismos de consulta popular (veja a lista completa no site www.dnabrasil.org.br).
Segundo o diretor-geral do evento, o jornalista Caio Túlio Costa -ex-ombudsman e ex-secretário de Redação da Folha-, o Instituto DNA Brasil não pretende propor formas práticas de implementar esses pontos. "Nosso objetivo é levantar o debate e apresentar à sociedade um documento como resultado das reflexões aqui realizadas", diz.
Os convidados consideraram positivo o resultado do encontro, apesar de o objetivo proposto não ter sido atingido. Em vez de propostas pontuais que servem de respostas a um problema conjuntural, a organização do evento buscava soluções estruturais.
Assim o disse claramente o presidente do Instituto Brasileiro de Ética Concorrencial, Emerson Kapaz, idealizador do DNA Brasil e mediador das primeiras plenárias: "A idéia é pensar não o conjuntural, mas o estrutural".
A distância entre o proposto e o alcançado fica patente na forma de ressalvas colocadas no documento, a poucos minutos de ser encerrada a última plenária. "Reconhecemos que a adoção de medidas pontuais (...) é útil, mas não suficiente (...)", diz o o texto.
A ressalva, porém, não frustrou os organizadores. Eles consideram que esta segunda edição do DNA Brasil foi um avanço em relação à primeira, realizada no ano passado. "Precisamos destacar o fato de termos conquistado pontos comuns que podem realmente balizar ações contra a corrupção", disse Kapaz. "Foi o resultado de um exercício de tolerância ante as enormes diversidades que encontramos aqui. Isso representa o Brasil", completou.
A diversidade de "Brasis" marcou o evento e levou à descrença dos convidados quanto aos resultados práticos do encontro. A desconfiança inicial se fortaleceu ao longo das discussões. Entre debates acalorados, não demorou para que os pontos de vista diferentes revelassem que, mesmo quando o tema é a corrupção, é preciso considerar múltiplos "Brasis".
As discussões tiveram início na sexta-feira a partir da análise de situações de corrupção cotidiana, como o suborno de um fiscal que pode impedir uma obra "levemente" irregular ou o "jeitinho" para conseguir renovar a carteira de motorista sem passar pela burocracia.

"Jeitinho"
Tema central de plenária realizada sábado de manhã, nem o famoso "jeitinho brasileiro" nem a pertinência da pergunta central do encontro foram consenso.
Alguns argumentos, como o apresentado pelo lingüista Carlos Vogt, tratavam da ambivalência do "jeitinho" -que pode ser bom, se resultar na criatividade, ou ruim, se for desviado para a corrupção. Para o economista Luiz Carlos Bresser-Pereira, "há dois pressupostos. Um que liga a identidade brasileira ao jeitinho. Outro, que não faz essa correlação. E ambos são inconciliáveis".
O debate pretendia descobrir se há relação entre o "jeitinho" e a corrupção. Incapazes de definir o que é "jeitinho" e o que é corrupção, os convidados não chegaram a conclusões.
A ausência de consenso, segundo João Pedro Stedile, líder do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), seria o único consenso ao qual poderiam chegar. "Representamos muitas visões diferentes de país."
Os problemas questionam o "espírito" do evento. Afinal, como "repensar o país estrategicamente, de forma sistemática" (proposta geral do Instituto DNA Brasil), se nem sequer há certeza de que existe um único Brasil?
O jornalista Paulo Markun questionou o sujeito oculto (nós) na pergunta central do debate ("Somos ou estamos corruptos?"): "Nós quem, cara pálida?", perguntou Markun. "Não há essa corrupção nas classes baixas."
Para o escritor indígena Daniel Munduruku, "as discussões do evento espelham apenas os ricos das grandes cidades".
A única fala aplaudida na primeira plenária foi a do geógrafo Aziz Ab'Saber: "Ninguém escolhe onde nasce. Temos que trabalhar para mudar todas as realidades".

Evento
A um custo de aproximadamente R$ 500 mil, a segunda edição do DNA Brasil ocorreu de quinta-feira a sábado, no Grande Hotel de Campos do Jordão (167 km a nordeste de São Paulo).
O evento, além das plenárias sobre corrupção, promoveu discussões em 12 salas temáticas, onde eram abordados assuntos como "Miséria x Riqueza" e "Política para quê?".


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