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"JEITINHO BRASILEIRO"
Debate sobre corrupção chega a 19 propostas, mas não há consenso
UIRÁ MACHADO
ENVIADO ESPECIAL A CAMPOS DO JORDÃO
O resultado de dois dias e meio
de discussões promovidas durante a segunda edição do evento
DNA Brasil foi uma lista de 19
pontos que, segundo os convidados, podem ajudar o país a combater a corrupção. Entre as propostas, destacam-se a necessidade
de garantir a transparência de
contas de partidos, candidatos e
de estimular a utilização da ação
popular (instrumento jurídico)
para combater a corrupção.
Só esses dois pontos foram consenso entre os 25 convidados presentes na última plenária (ao todo, 51 personalidades comparecerem ao evento). Os demais 17
itens foram aprovados por pelo
menos dois terços da assembléia
realizada ontem.
Entre as propostas estavam o financiamento público exclusivo
de campanha, a fidelidade partidária, o fim da Secom, a redução
da burocracia estatal, a simplificação do sistema tributário e o uso
habitual, em períodos eleitorais,
de mecanismos de consulta popular (veja a lista completa no site
www.dnabrasil.org.br).
Segundo o diretor-geral do
evento, o jornalista Caio Túlio
Costa -ex-ombudsman e ex-secretário de Redação da Folha-, o
Instituto DNA Brasil não pretende propor formas práticas de implementar esses pontos. "Nosso
objetivo é levantar o debate e
apresentar à sociedade um documento como resultado das reflexões aqui realizadas", diz.
Os convidados consideraram
positivo o resultado do encontro,
apesar de o objetivo proposto não
ter sido atingido. Em vez de propostas pontuais que servem de
respostas a um problema conjuntural, a organização do evento
buscava soluções estruturais.
Assim o disse claramente o presidente do Instituto Brasileiro de
Ética Concorrencial, Emerson
Kapaz, idealizador do DNA Brasil
e mediador das primeiras plenárias: "A idéia é pensar não o conjuntural, mas o estrutural".
A distância entre o proposto e o
alcançado fica patente na forma
de ressalvas colocadas no documento, a poucos minutos de ser
encerrada a última plenária. "Reconhecemos que a adoção de medidas pontuais (...) é útil, mas não
suficiente (...)", diz o o texto.
A ressalva, porém, não frustrou
os organizadores. Eles consideram que esta segunda edição do
DNA Brasil foi um avanço em relação à primeira, realizada no ano
passado. "Precisamos destacar o
fato de termos conquistado pontos comuns que podem realmente
balizar ações contra a corrupção",
disse Kapaz. "Foi o resultado de
um exercício de tolerância ante as
enormes diversidades que encontramos aqui. Isso representa o
Brasil", completou.
A diversidade de "Brasis" marcou o evento e levou à descrença
dos convidados quanto aos resultados práticos do encontro. A
desconfiança inicial se fortaleceu
ao longo das discussões. Entre debates acalorados, não demorou
para que os pontos de vista diferentes revelassem que, mesmo
quando o tema é a corrupção, é
preciso considerar múltiplos
"Brasis".
As discussões tiveram início na
sexta-feira a partir da análise de
situações de corrupção cotidiana,
como o suborno de um fiscal que
pode impedir uma obra "levemente" irregular ou o "jeitinho"
para conseguir renovar a carteira
de motorista sem passar pela burocracia.
"Jeitinho"
Tema central de plenária realizada sábado de manhã, nem o famoso "jeitinho brasileiro" nem a
pertinência da pergunta central
do encontro foram consenso.
Alguns argumentos, como o
apresentado pelo lingüista Carlos
Vogt, tratavam da ambivalência
do "jeitinho" -que pode ser
bom, se resultar na criatividade,
ou ruim, se for desviado para a
corrupção. Para o economista
Luiz Carlos Bresser-Pereira, "há
dois pressupostos. Um que liga a
identidade brasileira ao jeitinho.
Outro, que não faz essa correlação. E ambos são inconciliáveis".
O debate pretendia descobrir se
há relação entre o "jeitinho" e a
corrupção. Incapazes de definir o
que é "jeitinho" e o que é corrupção, os convidados não chegaram
a conclusões.
A ausência de consenso, segundo João Pedro Stedile, líder do
MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra), seria o
único consenso ao qual poderiam
chegar. "Representamos muitas
visões diferentes de país."
Os problemas questionam o
"espírito" do evento. Afinal, como "repensar o país estrategicamente, de forma sistemática"
(proposta geral do Instituto DNA
Brasil), se nem sequer há certeza
de que existe um único Brasil?
O jornalista Paulo Markun
questionou o sujeito oculto (nós)
na pergunta central do debate
("Somos ou estamos corruptos?"): "Nós quem, cara pálida?",
perguntou Markun. "Não há essa
corrupção nas classes baixas."
Para o escritor indígena Daniel
Munduruku, "as discussões do
evento espelham apenas os ricos
das grandes cidades".
A única fala aplaudida na primeira plenária foi a do geógrafo
Aziz Ab'Saber: "Ninguém escolhe
onde nasce. Temos que trabalhar
para mudar todas as realidades".
Evento
A um custo de aproximadamente R$ 500 mil, a segunda edição do DNA Brasil ocorreu de
quinta-feira a sábado, no Grande
Hotel de Campos do Jordão (167
km a nordeste de São Paulo).
O evento, além das plenárias sobre corrupção, promoveu discussões em 12 salas temáticas, onde
eram abordados assuntos como
"Miséria x Riqueza" e "Política
para quê?".
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