São Paulo, segunda-feira, 30 de outubro de 2006

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Júri absolve acusado de matar missionário

Crime em área indígena ocorreu em 1987; promotor de Cuiabá diz que delegado é culpado e promete recorrer da decisão

Defesa argumentou que laudos da necropsia não confirmaram assassinato; corpo só foi achado 40 dias após morte de espanhol

HUDSON CORRÊA
DA AGÊNCIA FOLHA, EM CUIABÁ

Após cinco dias de julgamento, o júri da Justiça Federal em Cuiabá absolveu ontem, por 6 votos a 1, o delegado aposentado da Polícia Civil Ronaldo Antônio Osmar da acusação de mandar matar, em abril de 1987, o missionário espanhol Vicente Cañas Costa, 46, dentro de uma área indígena ao norte de Mato Grosso.
O procurador da República Mário Lúcio Avelar afirmou que recorrerá ao Tribunal Regional Federal em Brasília. Ele insiste na acusação. "Houve um consórcio de fazendeiros e de grileiros que se valeu de um agente do Estado [o delegado] para executar o crime", disse.
Avelar afirma que Cañas morreu por defender o território dos índios enawene-nawe, povo que fez seu primeiro contato com brancos em 1974. O corpo do missionário foi encontrado dentro da reserva Salumã, 40 dias após a morte e já em decomposição, em Juína (737 km de Cuiabá).
Segundo o Ministério Público Federal, Cañas morreu a pauladas e golpes de facas desferidos por dois homens contratados pelo delegado. No processo judicial, o missionário é identificado como padre, apesar de não ter sido ordenado.
Zoroastro Teixeira e Waldir Caldas, advogados do delegado aposentado, argumentaram que os laudos de necropsia apontaram que a morte de Cañas foi por "causa indeterminada" -ou seja, não estaria confirmado o assassinato.
"Como podemos condenar alguém por homicídio, se não se sabe nem como a vítima morreu?", perguntou Caldas na parte final do julgamento, encerrado à 1h20.

Assassinato
Os jurados entenderam que Cañas foi realmente assassinado, mas inocentaram o delegado. "Ao apreciar os quesitos, [o júri] concluiu, por 4 votos a 3 e 5 votos a 2, que Vicente Cañas foi vítima de homicídio. Entretanto o mesmo conselho, por 6 a 1, conclui que o acusado Ronaldo Osmar não concorreu para a prática deste crime", informou o juiz federal Jeferson Schneider sobre a decisão dos jurados.
Para sustentar a acusação contra Osmar no julgamento, o Ministério Público Federal baseou-se nos depoimentos de dois índios rikbatsas. Paulo Tompeba e Aldalberto Pito afirmaram ter ouvido de outras pessoas que o mandante do crime foi o delegado de Juína.
Ainda no cargo em 1987, Osmar chegou a tomar depoimentos sobre o crime. Ele negou ter atrapalhado as investigações.
No primeiro dia do julgamento, foi extinta a ação penal contra o agricultor Martinez Abadio da Silva, 73, acusado de matar Cañas dentro da área indígena. Silva não pode mais ser condenado devido à sua idade e ao tempo decorrido da época do crime até a data da denúncia feita contra ele na ação penal.
Na próxima semana, José Vicente -também denunciado por matar o religioso- será julgado. O fazendeiro Pedro Chiquetti, outro acusado de ser mandante do crime, morreu em 2002.


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