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São Paulo, domingo, 30 de novembro de 2003

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SOCIAL NO DIVÃ

Documento da Prefeitura de SP contraria Fazenda e defende aumento das despesas com políticas públicas

"Remédio" contra a pobreza divide o PT

JULIA DUAILIBI
DA REPORTAGEM LOCAL

Menos de três semanas após o governo federal ter divulgado suas diretrizes para os investimentos no social, um documento elaborado pela administração do PT na capital paulista faz um diagnóstico e propõe um receituário divergente dos pontos centrais elaborados pela Fazenda.
O trabalho elaborado pelo ministério sustenta que os gastos sociais no Brasil já são altos o suficiente, mas que precisam ser aplicados de forma mais eficiente. O documento da Secretaria do Trabalho da capital paulista defende um aumento de despesas com determinadas políticas públicas.
Formulado pelo economista Márcio Pochmann, secretário municipal do Trabalho de São Paulo, o texto "Desigualdade de Renda e Gastos Sociais no Brasil" contesta conclusões da equipe do ministro Antonio Palocci Filho, divulgadas há duas semanas.
Diz que "ultimamente verifica-se uma inversão nos termos do debate" ao colocar o gasto social como "culpado" pela desigualdade no Brasil. É uma referência direta ao trabalho "Gasto Social do Governo Central: 2001 e 2002", do secretário de Política Econômica da Fazenda, Marcos Lisboa.
A desigualdade, diz Pochmann, estaria ligada à "herança escravista", à "estrutura tributária regressiva", aos "juros altos" e à "ausência de crescimento econômico". Ele usa expressões como "reformas liberalizantes", "financeirização da riqueza" e "arrocho fiscal" para concluir que "o gasto social no Brasil pode e deve aumentar em quantidade a partir da expansão do acesso às políticas universais, como de saúde e educação".
O trabalho de Lisboa, economista de formação liberal, defende outra linha de reflexão.
Diz que é preciso "avaliar" se os recursos sociais "estão contribuindo para promover os objetivos fundamentais da política social", já que, no caso do ensino superior, por exemplo, gasta-se mais que em países desenvolvidos, mas beneficia-se alunos mais ricos. "É importante que se apresente estimativa das consequências orçamentárias dessas demandas", propõe o documento.
O teor dos dois textos evidencia a atual oposição dos formuladores de política econômica de governos petistas. São economistas ligados ao partido, críticos da excessiva posição fiscalista da Fazenda, contra sobreviventes do governo FHC e "neopetistas", como o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles (PSDB), que defendem a austeridade das contas públicas acima de tudo.

Ricos beneficiados?
Para a Fazenda, grande parte dos destinatários dos gastos sociais são segmentos mais ricos da população. Daí a necessidade de rever as deduções do Imposto de Renda com saúde e educação e os incentivos fiscais. "Cerca de 46% dos recursos do governo central para o ensino superior beneficiam apenas indivíduos que se encontram entre os 10% mais ricos da população", afirma o texto.
Ao citar o seguro-desemprego, Pochmann diz que "há exemplos que contradizem essa visão". Afirma que 80% dos benefícios são concedidos a trabalhadores acima da linha de pobreza, mas que, se eles não o tivessem recebido, estariam abaixo dela.
Por trás das análises, o debate sobre a universalização e a focalização dos programas sociais.
A avaliação da Fazenda é embasada no seguinte raciocínio: "No Brasil, o custo médio por aluno no ensino superior é estimado em cerca de 170% do PIB per capita; nos países da OCDE (Organização de Cooperação para o Desenvolvimento Econômico), o custo médio é estimado em 100%". A secretaria vai na contramão. Diz que, mesmo comparando o gasto social com outros países, o Brasil encontra-se mal colocado. "Dados da OCDE considerados para os demais países não levam em conta a despesa com educação, ao contrário para as informações do Brasil, da Organização Internacional do Trabalho."
O documento da Fazenda diz que 70% do gasto social direto do governo federal com educação vai para o ensino superior. O da secretaria do Trabalho ressalta que isso representa 20% do total e que ainda assim "representa apenas 0,5% do PIB". Usa números da OIT e afirma que Chile, Holanda e Inglaterra comprometem, respectivamente, 2,1%, 1,8% e 1,1% com ensino superior.
Pochmann questiona o fato de o documento de Lisboa enquadrar no mesmo grupo gasto social contributivo e não-contributivo. O primeiro trata de benefícios previdenciários e despesas com inativos. Os demais englobam benefícios do INSS para os trabalhadores rurais e todo o resto.

Financeirização
Nos textos, o debate transcende os gastos sociais e passa para a discussão de política econômica.
Pochmann diz que, entre 2001 e 2002, o serviço da dívida elevou-se 32%, contra 13% do gasto social. "Por mais que alguns especialistas argumentem elegantemente do ponto de equilíbrio dos juros, o que existe é um esquema monstruoso de drenagem do setor privado e da renda do trabalho para a acumulação financeira."
No de Lisboa, lê-se: "A garantia de proteção social para a população passa por uma gestão macroeconômica responsável, voltada para o controle da inflação e a promoção do crescimento econômico em bases sustentáveis".



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