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São Paulo, domingo, 30 de novembro de 2003

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COMBATE À CORRUPÇÃO

Operações podem ser estratégia de marketing; para especialistas, é prematuro avaliar trabalho

Prisão de autoridades sugere nova política

MARIO CESAR CARVALHO
DA REPORTAGEM LOCAL

Parece a vingança da plebe rude: o Brasil dos últimos 30 dias colocou na prisão um ex-governador, um juiz federal, três delegados e um agente da Polícia Federal; indiciou, também, o prefeito de uma grande capital, o de Fortaleza. As cinco prisões em menos de um mês são um quase nada numérico, mas representam uma guinada pela posição hierárquica das pessoas detidas.
A pergunta óbvia é: será que o governo decidiu atacar de vez a impunidade que é marca registrada da elite do crime ou trata-se apenas de uma operação de marketing estrelada pela PF?
Não há uma resposta unânime entre estudiosos, mas todos consideram prematuro apostar que o combate ao crimes das elites tornou-se uma política pública.
O sociólogo Sérgio Adorno, coordenador do Núcleo de Estudos da Violência da USP, diz que a simples simultaneidade das prisões sugere que "há algo de novo" no combate à corrupção.
A grande dúvida, segundo ele, é se o governo terá condições políticas de sustentar as ações. "Tudo pode acabar num balcão de negócios, seguindo a velha prática de conciliação da elite brasileira", afirma o sociólogo.
"O problema é que, se a impunidade continuar, a elite ficará sem moral para punir o andar de baixo", diz Adorno.
José Vicente da Silva Filho, ex-secretário nacional de Segurança do governo Fernando Henrique Cardoso, tem na ponta da língua um caso em que as injunções políticas acabaram por enterrar um trabalho aparentemente exemplar da PF: a apreensão de R$ 1,3 milhão que seria destinado à campanha de Roseana Sarney (PFL), no ano passado. Ninguém foi punido no caso.

Operações espetaculosas
Silva Filho não tem dúvidas de que as operações em curso são orientadas por uma estratégia de marketing, nas quais as câmeras de TV são um apêndice obrigatório. Ele elogia o "dinamismo e independência" do diretor-geral da PF, Paulo Lacerda, mas acredita que as omissões do órgão são mais esclarecedores que as ações.
"Por que a PF não ataca o tráfico de drogas, o roubo de cargas, a lavagem de dinheiro e a pirataria no grande mercado do crime organizado, que está no Rio e em São Paulo? Por que a PF não combate o crime organizado?", dispara.
Ele mesmo responde: porque os federais tornaram-se sócios do crime organizado, como mostram as gravações feitas no curso da Operação Anaconda.
O cientista político e antropólogo Luiz Eduardo Soares, que ocupou até setembro a secretaria de Segurança Pública no governo de Lula da Silva, endossa a tese do coronel sobre a omissão da PF no combate ao crime organizado.
"A nossa questão é o crime organizado. Enquanto ele não for enfrentado com método e tecnologia, o mais é adereço de cena, é secundário", defende.
Soares diz que o grau de corrupção da Polícia Federal é tão acentuado que ele iniciou o projeto de criação de uma força especial para combater o crime organizado que seria formada não pelos federais, mas por um efetivo vindo das polícias Militar e Civil dos Estados (leia texto abaixo).
Soares também elogia Lacerda ("um dos melhores diretores da história da PF"), vê êxito nas operações, apesar de considerá-las "espetaculosas", mas acha que esse não é o principal defeito desse tipo de ação. Operações, por princípio, diz ele, têm um caráter "voluntarista e fugaz" e "isso é ruim porque seus resultados não tornam-se políticas públicas".
Ações espetaculares, de acordo com ele, podem ser o despiste de problemas mais graves: "O sucesso dessas operações não pode funcionar como uma cortina de fumaça sobre a caixa-preta em que a PF se transformou", afirma.
Marcos Ribas, professor da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) que estuda a história da polícia, vê as operações da PF como parte das campanhas que as polícias estão fazendo para melhorar a imagem da corporação. "Não é uma ação isolada do PT. O Garotinho também está prendendo policiais, afastando delegados. É uma ação dos políticos que têm sensibilidade para o clamor popular", diz.
Nesse sentido, as operações refletiriam uma intolerância maior da sociedade em relação à corrupção, como afirma o cientista político Leôncio Martins Rodrigues, professor da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).
O saldo positivo desse movimento, para Ribas, é a quebra do corporativismo policial: "Se o governo acabar com o corporativismo, terá mudado a polícia".



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