São Paulo, domingo, 30 de dezembro de 2001

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ELIO GASPARI

As previsões do cacique Malan

As pessoas gostam de rir das profecias de fim de ano dos astrólogos e pais-de-santo. Poderiam se divertir muito mais se prestassem atenção às profecias dos economistas.
O ministro Pedro Malan, com seu rigor verbal e sua racionalidade acadêmica, costuma rebarbar previsões, dizendo que essa matéria é domínio "do Cacique Cobra Coral, Madame Mafalda ou coisa assim".
Tudo bem, mas o bom cacique e a pobre madame gostariam que Malan explicasse por que, às vésperas do Natal do ano passado, disse o seguinte: "Em 2001 e em 2002, veremos, pela primeira vez depois de muitos anos, taxa de crescimento do PIB superior aos índices de inflação anual. A última vez que isso aconteceu foi nos anos 40".
Vimos acontecer coisa nenhuma. A economia crescerá no máximo 3%, e a inflação ficará em 10%. Se tivesse acontecido o contrário, FFHH seria coroado imperador do Brasil.
Malan não foi o único profeta do bem-estar. O secretário-executivo de seu ministério, Amaury Bier, previu um crescimento superior a 4,5% para este ano. Fábio Giambiagi, do BNDES, informou que "não me espantaria se ultrapassássemos 5%". Já o Ipea, além de prever 4,6% para o PIB, leu nos astros uma inflação de 4,4% e uma taxa de juros de 13,5% (está em 19,5%). (Tudo isso fazendo-se de conta que FFHH não prometeu uma taxa de juros de um dígito, coisa que Malan se recusou a fazer.)
Malan poderia ter previsto o aparecimento de uma vacina capaz de livrar os adolescentes das espinhas no rosto. Bier poderia ter anunciado a iminência da criação da batata esponjosa, capaz de absorver qualquer molho. Giambiagi poderia ter antevisto a máquina de arrumar malas. Se tivessem feito isso, teriam sido mais úteis, pois não se espera que os economistas entendam de espinhas, batatas ou malas. Concorrendo com o Cacique Cobra Coral e Madame Mafalda, animariam o ócio do fim de ano e não fariam mal a ninguém. Incorporando previsões ao valor de seus currículos, acabam iludindo a boa fé da choldra exatamente naquilo que ela tem de mais vulnerável: a capacidade de acreditar em pessoas que merecem crédito. Todas essas previsões desnecessárias e manipuladoras têm em comum a opção preferencial pelo futuro cor-de-rosa. No caso do desenvolvimento econômico, o mandato tucano-pefelê caminha para seu final com um registro desastroso. Em 1999, FFHH prometia sair do Planalto com uma taxa de desenvolvimento de 5%. Agora, deixa por 3%. Seus oito anos de reinado terminarão com um crescimento médio em torno de 2,5% ao ano, ou pouco mais de 1% na renda per capita. Trata-se de um desempenho inferior às média dos países em desenvolvimento e da própria América Latina. Se as previsões de fim de ano de Malan tivessem acontecido, a média nacional ficaria um pouco abaixo de 4%.
Noves fora Fernando Collor, FFHH disputará a lanterninha do regresso com o ruinoso general João Baptista Figueiredo (1979-1985). Não vale dizer que essa miséria se deve às crises internacionais, pois Figueiredo segurou barra bem mais pesada, com um choque de petróleo e a taxa de juros americanas chegando a 16%.
Durante os cinco anos de José Sarney (1985-1990), a economia cresceu um pouco menos de 4,5% ao ano, e o aumento da renda per capita ficou em torno de 2,5%. No mandarinato de Itamar Franco o resultado foi ainda melhor. O PIB cresceu 5% ao ano e a renda, 3,5%.
Será muito divertido se daqui a 12 meses, depois da eleição do novo presidente, dependendo o resultado, os caciques e Mafaldas da atual ekipekonômica começarem a fazer previsões catastróficas.

PFL feliz

De um sábio do PFL:
"Marta Suplicy tornou-se a maior contribuição da aristocracia paulista ao nosso trabalho de contenção do PT."

Curso Madame Natasha de piano e português

Madame Natasha tem horror a música. Ela é uma voluntária na luta contra o uso do idioma para enganar a choldra. Decidiu conceder uma de suas bolsas de estudo ao doutor Francisco Fernandes, coordenador da emergência para o racionamento de energia da Elektro, concessionária do interior de São Paulo e parte de Mato Grosso do Sul. Coordenando a emergência, a empresa vai repassar para 1,6 milhão de vítimas as perdas de R$ 130 milhões que o apagão lhe custou. Madame pede ao doutor Fernandes que aceite a bolsa porque a Elektro está informando o seguinte às suas vítimas:
"A nova meta foi obtida entre a maior definida pelas Resoluções 76 e 80. A meta pela Resolução 76 tem como base a meta vigente em novembro/01, multiplicada por 1,10 ou por 1,1625 se seu município está classificado como turístico, (Mato Grosso do Sul multiplica-se por 1,0444 ou 1,0722 para município turístico). (...) Excepcionalmente, para o presente faturamento, correspondente ao mês de dezembro/01, sua meta foi calculada de maneira proporcional, utilizando-se a partir de 01/12/01 a nova meta a ser observada para o período entre a última leitura e 10/11/01 a meta vigente até novembro 01."
Se a Elektro trabalha com energia elétrica da mesma maneira que trabalha com o idioma, o racionamento será eterno.

Burocracia da treva

Um veterano livreiro do Rio de Janeiro reclama de uma maluquice do governo. Enquanto a livraria virtual americana Amazon Books pode vender suas mercadorias a brasileiros, entregando-as em casa, os livreiros de Pindorama são tratados como delinquentes em potencial. Não podem receber em seus endereços os livros que importam. Eles ficam armazenados nos aeroportos. Para liberá-los, precisam de uma licença de importação, despachante e corretor de câmbio. Cartão de crédito, nem pensar.
A lei obriga os importadores a desembaraçar suas encomendas por meio de despachantes aduaneiros. É isso ou ir ao armazém da alfândega pessoalmente. Pode-se casar por procuração, mas não se pode usar esse instrumento para liberar uma caixa de livros. Já o Banco Central proíbe o uso de cartões de crédito em operações desse tipo. Um cidadão pode comprar US$ 1 mil de livros com plástico. Uma livraria, não.
Conclusão: a burocracia ekonômica prefere que a choldra compre seus livros nas empresas virtuais americanas, que pagam impostos nos Estados Unidos.

Quer simular trabalho? Vista sua jaqueta

Chegou ao Brasil a moda "jaqueta-catástrofe". Ela surgiu em setembro, quando o prefeito de Nova York, Rudolph Giuliani, associou sua competência e capacidade de iniciativa às jaquetas que usava na movimentação destinada a estimular a confiança de uma população assustada. Entre os dias 11 e 15 de setembro, visitando escombros e hospitais, Giuliani devolveu a segurança aos nova-iorquinos. Vestia jaquetas do Corpo de Bombeiros ou da polícia. Usava também seus bonés, que se transformaram em objeto do desejo dos turistas.
Na quinta-feira, FFHH e o governador Anthony Garotinho foram a Petrópolis para percorrer os estragos da enchente. Um vestia a jaqueta laranja com forro azul na qual colou adesivos do Ministério da Integração Nacional e do "Governo Federal". Garotinho manteve-se no seu estilo, vestiu um colete amarelo e saiu por aí. Gastou seu tempo e o alheio culpando os prefeitos, a natureza e a lei da gravidade.
O ministro da Integração, Ney Suassuna, vestia uma malha Polo e carregava dois celulares presos ao cinto, lançando o que pode vir a ser um toque de Billy the Kid eletrônico. Horas depois, pespegou-se um adesivo de sua pasta. Simulação de produtividade a serviço da macaquice. Giuliani usava jaqueta porque a temperatura de Nova York, em torno dos 10 graus, assim recomendava. Não perdeu seu tempo praguejando contra Osama bin Laden. FFHH e Garotinho estavam numa serra tropical, sem chuva, a uma temperatura de 20 graus. El Rey foi a um lamaçal (sabendo que ia a um lamaçal) com um par de sapatos de camurça que usa quando vai a municípios pobres do Nordeste. A teatralidade foi derrotada pelo calor. Quando chegou a Caxias, livrou-se da jaqueta, quase certamente importada. É razoável que os poderosos não saibam que temperatura faz lá fora, mas FFHH tinha todos os motivos para desconfiar que ainda não fez reformas suficientes no país para se chegar, em dezembro, ao frio que sua jaqueta requer.
O toque de Giuliani simbolizou ação imediata e trabalho competente. As de FFHH e Garotinho simbolizam a vontade de se parecerem com o prefeito de Nova York pelo simples fato de vestirem jaquetas.
Pode-se pedir a FFHH que acabe com o uso de adesivos, antes que algum banco resolva patrocinar bonés para sua ekipekonômica. Se isso for impossível, deve trocar de jaqueta. Como ele próprio percebeu, a sua é quente demais. Tem até um capuz que pode lhe trazer más lembranças. Admitindo-se que pretenda ficar no estilo colorido, a repórter Mara Caballero, arrolou algumas alternativas.
Para catástrofes no andar de cima, é só passar na Daslu Homem. Uma jaqueta de Ermenegildo Zegna custa pelo menos R$ 1.500 (a que vestia em Petrópolis deve ter custado bem menos que isso). Fará melhor negócio se levar uma DKNY, pois é mais leve e sai por R$ 450.
Para casos do andar de baixo, a loja Rei dos Plásticos, do Rio, vende uma capa amarelo-periquito por R$ 19.

ENTREVISTA

Jorge Bornhausen
(64 anos, senador, presidente do PFL)

- Daqui a um ano o PFL estará no Planalto ou acabará apoiando um candidato do PSDB?
- Eu acredito que daqui a um ano teremos uma mulher na Presidência da República e ela se chama Roseana Sarney. A lógica e o bom senso não me permitem excluir a possibilidade de apoiar um candidato do PSDB e nisso não há conversas secretas. A coisa é simples. Havendo desproporção entre as possibilidades dos candidatos, deverá haver convergência. Se em maio a governadora Roseana tiver o dobro das preferências do ministro José Serra, ou o PSDB a apóia ou teremos dois palanques. Se acontecer o contrário, pela mesma lógica e pelo bom senso, o PFL vai para o palanque do PSDB. É uma conta fácil, transparente. Acho que Roseana manterá a liderança que tem hoje. Sua força junto ao eleitorado feminino é fenomenal. Está mais forte com o povo humilde do que junto às classes mais altas. Uma candidata mulher deve levar seus adversários a repensar suas estratégias. Uma palavra fora do lugar, um olhar despropositado podem ser fatais. A gente aprende isso em casa. Por exemplo: o Lula disse que eleição para presidente não é concurso de Miss Brasil. Uma grosseria, depreciativa não só para Roseana, como para as outras mulheres. Ela respondeu dizendo que, aos 47 anos, como avó e como mãe, ficava lisonjeada com a imagem. Duvido que o Lula repita a brincadeira.

- O físico húngaro Léo Szilard, um dos pais da bomba atômica, disse que a idéia de fabricá-la ocorreu-lhe numa esquina de Londres, enquanto esperava que se acendesse a luz verde de um sinal de trânsito. Quando lhe ocorreu a idéia da candidatura de Roseana Sarney?
- Na noite de 17 de dezembro de 1999, na minha casa da Praia Brava, quando o deputado Saulo Queirós trouxe os resultados de uma pesquisa onde havíamos colocado quatro candidatos: ACM, Marco Maciel, Jaime Lerner e ela. Roseana teve 6%, perdendo apenas para ACM, que teve 7%. Suspeitou-se de que fosse um eco do sobrenome do pai. Fizemos outra pesquisa, com os dois na lista. Ela teve 6%, e ele, 3%. Depois vimos que 83% dos eleitores votariam numa mulher para a prefeitura, 74% para governador e 64% para presidente. Daí em diante, é a história conhecida, influenciada pelo seu estilo e pela sua administração. Sempre que ela se expôs ao julgamento público e sempre que foi avaliada nas pesquisas, jamais ocorreu um episódio negativo.

- Uma Presidência de Roseana Sarney será, como dizem os espanhóis, "más de lo mismo"?
- Será uma correção de rumo com o olho no desenvolvimento econômico. Precisamos voltar a crescer a taxas de 4% ao ano. Para isso, precisamos exportar mais. Para exportar mais, temos que derrubar os juros e para derrubar os juros precisamos gastar menos. Para montarmos uma máquina do Estado capaz desse desempenho, precisamos de uma reforma política, de uma nova organização tributária e da segunda fase da reforma da previdência. Os oito anos da Presidência de Fernando Henrique Cardoso consolidaram a estabilidade monetária. Agora precisamos crescer.

Perigo

Ficaram perigosamente ruins as relações do governador Tasso Jereissati com o ministro José Serra.


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