São Paulo, sábado, 30 de dezembro de 2006

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Foco

Aos 62, Chico Buarque diz que debate sobre esquerda é conversa boba e de direita

PLÍNIO FRAGA
DA SUCURSAL DO RIO

Despojado com camiseta branca e calça jeans, Chico Buarque, 62, pediu ontem respeito aos seus cabelos brancos, respeito ao seu direito de pedestre e respeito a poder discordar "quase sempre" de Caetano Veloso.
No ensaio do show "Carioca", que estréia no dia 4 no Canecão, em Botafogo, zona sul do Rio, questionado pela Folha, Chico comentou a frase do presidente Luiz Inácio Lula da Silva: "Se você conhecer uma pessoa muito idosa esquerdista, é porque ela tem problemas; se você conhecer uma pessoa muito nova de direita, é porque também tem problemas".
"Isso é uma bobagem. Como bobagem não precisa ser levada tão a sério. Esse assunto não rende mais não. Essa conversa é muito antiga de incendiário e bombeiro. Essa é uma conversa de direita sem dúvida. Eu não mudei porque tenho cabelos brancos. Não sei se botox é de direita ou de esquerda", disse o cantor e compositor.
Ainda se acha de esquerda, Chico? "Acho que sim", respondeu seco.
No dia seguinte ao ataque de traficantes que causou 18 mortes, deixou 23 feridos e provocou a destruição de dezenas de ônibus, carros e prédios públicos, Chico se mostrou tranqüilo. "Pessoalmente não me sinto mais inseguro, porque na verdade era de se esperar. Quando aconteceu em São Paulo, as pessoas mais atentas perguntavam quando aconteceria no Rio. Não é nenhuma surpresa para mim."
Disse que não é alarmista nem estava disposto a viver a "paranóia" da insegurança. "Todas as grandes cidades pioraram. Não sou saudosista. Não tenho saudades do Rio. Tenho boas lembranças. Não tenho saudades de mim. Tenho boas lembranças. Hoje é uma cidade mais violenta, mais deteriorada."
O compositor criticou também a violência de classe média. "O sujeito aqui corre risco de ser atropelado mesmo na faixa da segurança. Ficam falando em violência e violência, mas é violência também quem dirige um carro e avança o sinal. Outro dia estava lá andando, atravessando na faixa, o sinal aberto para mim, o cara quase me atropela. Podia ter quebrado a perna ou ter morrido. E o cara tinha um adesivo: "Basta!" Basta de violência. Violência também é isso", disse em referência à campanha de organização não-governamental liderada por grupos de classe média que pede mais segurança.
Chico elogiou o novo disco de Caetano Veloso, mas disse discordar dele "quase sempre". "Eu adoro o disco do Caetano. É interessante isso. Ele é o contrário do meu. A gente convive há 40 anos, às vezes por caminhos paralelos, às vezes por caminhos diferentes, mas é bom que seja assim. É bom que seja assim para todo mundo: para mim, para ele, para a música. Durante estes 40 anos já tentaram criar algum tipo de conflito entre nós. E não dá certo porque a gente se gosta, sou amigo dele, sou admirador dele. "Também discorda na política, Chico?" "Também. Não preciso concordar em tudo com o Caetano. Aliás, discordo quase sempre. Isso é bom. A gente discorda amigavelmente. Acho o disco muito forte, muito bom. Está procurando uma coisa que não é o que eu estou fazendo. Ele foi por um caminho, eu fui por outro. Pode ser que daqui a alguns anos eu me interesse também por outra coisa e ele... Na raiz está tudo lá. Meu disco sem dúvida é mais rebuscado harmonicamente. Foi uma preocupação que eu tive. São caminhos que o Caetano pode trilhar. Eu posso querer fazer um disco mais cru. O rock não é a minha linguagem . É muito mais dele do que minha."


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