São Paulo, domingo, 31 de julho de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ESCÂNDALO DO "MENSALÃO"/ BASTIDORES

Parlamentares avaliam que quadro de punição ao final da CPI só deve ficar claro em duas semanas, após novos depoimentos

Incerteza sobre provas impede "acordão"

FERNANDO RODRIGUES
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A discussão para determinar quem será punido ao fim da CPI dos Correios já começou, mas o tamanho de um eventual "acordão" é incerto porque ainda não há um quadro claro para governo e oposição sobre o estrago trazido pelas provas que já apareceram e as que poderão aparecer.
A expectativa em Brasília é que em cerca de duas semanas seja possível definir o quadro mais preciso das apurações, e a partir daí os dois lados poderão definir quais políticos serão punidos -em especial, parlamentares.
Por enquanto, há muitas conversas bilaterais entre os políticos que conseguiram manter algum poder de decisão em meio ao atual escândalo do "mensalão".
Nos bastidores, muitos buscam protagonizar o grande conchavo. Ser o patrono do acerto de contas dará ao responsável cacife para entrar com força na eleição de 2006 -tanto na eventualidade de Lula desistir da reeleição quanto na hipótese de continuação da gestão petista. Nunca se fala em "acordão" nem conchavo. Os termos usados são "garantia da governabilidade", "condução da crise" e "coordenação política".
Na sexta-feira, dois ministros ligados à articulação do governo, Márcio Thomaz Bastos (Justiça) e Jaques Wagner (Relações Institucionais), adicionaram ao discurso a defesa da seletividade das punições -circunscritas, logicamente, ao Congresso Nacional.
Segue um relato de fatos dos últimos dias envolvendo os políticos que procuram liderar o processo, considerado sem condução política adequada de Lula.

Os atores
São personagens centrais da tentativa de conduzir o processo político os seguintes nomes:
Senadores: Aloizio Mercadante (PT-SP), Delcídio Amaral (PT-MS), Jorge Bornhausen (PFL-SC), Renan Calheiros (PMDB-SC) e Tasso Jereissati (PSDB-CE).
Outros: Antonio Palocci Filho (ministro da Fazenda), Jaques Wagner, Márcio Thomaz Bastos e Nelson Jobim (presidente do Supremo Tribunal Federal).
Aos poucos, formam-se tendências dentro desse grupo de políticos. Por exemplo: Bornhausen prefere falar apenas com Delcídio, presidente da CPI. Calheiros, que tinha relação difícil com Nelson Jobim, já teve um jantar recente com o presidente do STF. Jereissati teve uma conversa secreta com José Dirceu no meio da crise.
Há nesse grupo, pelo menos, três pré-candidatos a presidente da República na hipótese de Lula desistir: Palocci, Jobim e Tasso. Cada passo deles é dado como parte de uma estratégia eleitoral.

Nelson Jobim
O atual presidente do STF tem dito não estar disposto a se aposentar como ministro da principal corte de Justiça do país. A única evidência que poderia ter nessa função ocorre neste momento. Findo o mandato, voltará a ser apenas mais um dos magistrados.
Ex-deputado e ex-filiado ao PMDB gaúcho, Jobim pode vir a ser uma espécie de nome de consenso que os peemedebistas nunca tiveram na sua história para disputar a Presidência. A sigla, que unia a oposição durante a ditadura militar, amargou grandes derrotas com Ulysses Guimarães (1989) e Orestes Quércia (1994). Depois, não teve mais candidatos.
Por isso Jobim se movimenta para tentar amenizar os efeitos da crise. Recomenda cautela a todos com que conversa. Sua prudência tem incomodado parte dos integrantes da CPI dos Correios.
Na semana passada, a Folha ouviu críticas a respeito da decisão de Jobim de limitar a liberdade de ação da Polícia Federal. Despachou determinando que os agentes da PF não poderão fazer nada além do determinado a eles. Na CPI, já se montou uma estratégia para contornar a limitação. Os congressistas da comissão farão pedidos específicos à PF quando for necessária alguma diligência.

Provas e Lula
Esta CPI tem uma diferença grande das que resultaram no afastamento de Fernando Collor (1992) e de vários congressistas (em 1993 e 1994). Desta vez, as provas dos sigilos bancários são mais precisas e contundentes.
Há mais de dez deputados cujos nomes estão ligados de maneira indelével a saques em contas pertencentes a empresas de Marcos Valério de Souza, o principal acusado de prover o "mensalão". Muitos têm argumentado que era dinheiro de campanha. Ocorre que há crime que, pela letra da Constituição e dos regimentos internos do Congresso, deve ser punido com a perda de mandato.
Quando nos corredores do Congresso se fala em algum tipo de acordo, é raro alguém seriamente se arriscar a dizer quais nomes poderiam ser salvos. O pior para os comandantes do possível acordo é que ainda não terminou a fase da coleta de provas. Pelas contas da CPI dos Correios, nos próximos 15 dias ainda haverá novidades a respeito dos saques e da origem do dinheiro captado pelo esquema de Marcos Valério e do ex-tesoureiro nacional do PT Delúbio Soares. Também deve ser esclarecido o até agora inexplicado empréstimo do PT a Lula.
A CPI não deverá deixar de buscar a origem dos R$ 12 mil que foram usados para pagar uma parcela do empréstimo de R$ 29,4 mil do PT para Lula. A contabilidade petista mostra apenas que houve um "depósito online". Não se sabe de onde veio o dinheiro.
Na mesma semana em que os R$ 12 mil foram usados para quitar essa parcela do empréstimo de Lula, há um saque de R$ 100 mil de uma das contas do esquema de Marcos Valério. Uma das sacadoras contumazes, funcionária da direção do PT, desapareceu dos olhos da mídia desde então.
Por ora, os membros mais graduados da CPI seguem com a retórica de que Lula não é objeto de investigação, que é um "homem de bem". Mas é quase inescapável a discussão sobre o empréstimo.

A lista completa
A direção da CPI está convencida que dificilmente conseguirá uma relação completa dos sacadores finais do esquema de Marcos Valério. Esperava-se que alguma lista pudesse ser apreendida nas operações realizadas pela PF.
Não existe, por enquanto, tal lista. As chances de agentes da PF encontrarem um documento assim são pequenas. A solução será aguardar alguém relatar o que viu sobre os pagamentos. São esperados depoimentos mais completos de Valério e de Delúbio. Para a CPI dos Correios, Valério e Delúbio preferiram não dizer ainda quem eram todos beneficiados pelo esquema porque não tinham segurança sobre o que a PF poderia encontrar.
Quando ficar evidente que a lista não aparecerá espontaneamente, Valério e Delúbio terão seu poder de fogo aumentado.


Texto Anterior: Escândalo do "mensalão"/PT X PT: Berzoini culpa Delúbio e Genoino pela crise
Próximo Texto: Escândalo do "mensalão"/O publicitário: Do sertão ao mar de lama
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.