São Paulo, domingo, 31 de agosto de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

JANIO DE FREITAS

A realidade das ficções


Tem se acentuado, no jornalismo brasileiro, a dificuldade de tratar mais de um tema relevante

O INESPERADO acontece: o governo Lula aparenta ser, em relação ao petróleo do pré-sal, o único sensato (ou menos insensato, porque o ministro Edson Lobão tem o dom da fala e, pior, usa-o).
Numerosos setores empresariais e financeiros atropelam-se em uma caça ao tesouro desnorteada, para situar-se em posição de influir no que nem sabem como é ou será ou se será, mas fiéis à idéia de que o melhor proveito deve ser do capital privado. A Associação das Empresas Produtoras de Petróleo é como um epicentro de terremoto cercado de erupções vulcânicas de interesses e ansiedades.
O noticiário, no mais delicado diagnóstico, pirou. Nos últimos tempos, acentua-se no jornalismo brasileiro a dificuldade de tratar mais de um tema relevante. O vício não é propriamente novo, e em muitos casos a concentração é mesma correta (episódio das diretas, CPI do governo Collor, por exemplo). É da tradição, no tratamento vasto e tumultuoso de um tema, o predomínio da complacência sobre a cobrança rigorosa de veracidade. As disputas descontroladas entre jornalistas levam muitos a exacerbar suas tendências de sobrepor a ficção ao factual. O novo petróleo, no entanto, trouxe novidade também no jornalismo.
O exagero de chutes (ou a escassez de notícias sérias) levou Lula a dois desmentidos inequívocos. "Não existe nova estatal", disse ele em discurso no Ceará quando, semana passada, o tema de nova estatal estava no auge. No conselhão de Desenvolvimento Econômico e Social, quinta-feira, apesar de já haver dito que "a comissão só entregará as sugestões de modelo no fim de setembro", Lula precisou mandar outra direta aos jornalistas: "O modelo não está definido". No noticiário impresso que li, as falas de Lula não incluíram os dois desmentidos.
A norma da retificação, que exigiu muita persistência contra o hábito do jornalismo pelo facilitário, recebeu um aceno a propósito das notícias sobre desapropriação do pré-sal, nas áreas já conquistadas pela Petrobras e suas associadas estrangeiras. É que a procedência dessa alucinação pôde ser ligada em parte ao próprio ministro de Minas e Energia, Edson Lobão -não por acaso, ex-jornalista, embora fosco, do contingente ficcional da ditadura.
Não chega a compensar, mas a semana encerrou em definitivo uma ficção. Juca Ferreira tomou posse como ministro de um ministério de que já era o verdadeiro ministro. Gilberto Gil foi uma ficção, útil à sua bem aproveitada promoção no exterior, mas farsa da qual o seu talento não precisava e o conveniente caráter deveria recusar -se não por si mesmo, em consideração à cultura.
Outra ficção já está prometida: "Nós vamos dar segurança para a população" (...) "votar em liberdade", diz o ministro Nelson Jobim sobre a aprovada e ainda não efetivada presença do Exército no Rio. Mais realista, explica sobre a insegurança dos candidatos: "Não caberá às Forças [Armadas] ciceronear candidatos. O problema é deles". É a eleição ficcional.


Texto Anterior: Frase
Próximo Texto: Candidato de Aécio dispara em pesquisas e lidera em BH
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.