São Paulo, domingo, 31 de outubro de 2004

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XADREZ POLÍTICO

Ex-presidente critica governo Lula na economia e na área social e diz que resultado das eleições torna PSDB "competitivo" para 2006

Para FHC, vitória dará presença nacional a Serra

FERNANDO DE BARROS E SILVA
EDITOR DE BRASIL

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, 73, avalia que a eventual vitória de José Serra hoje em São Paulo lhe dará "forte presença nacional" no xadrez político que tem como ponto de fuga a sucessão presidencial de 2006.
FHC afirma que nenhum partido sairá das eleições municipais dominando o cenário político nacional e diz que o PSDB será competitivo. Mas descarta concorrer, ele próprio, a qualquer cargo público. "O PSDB tem vários nomes fortes e não precisa do meu", diz, referindo-se à sucessão de Lula.
Ao contrário do que previa, FHC não deve voltar ao Brasil para votar em seu amigo José Serra hoje, como fez no primeiro turno. Com a agenda espremida por dois compromissos -uma palestra realizada anteontem na Universidade de Nova York e uma aula magna que deve proferir amanhã no Watson Institute for International Studies, da Universidade de Brown-, o ex-presidente deve permanecer nos EUA. Fica lá por um mês para cumprir uma agenda de atividades acadêmicas.
Ontem, FHC ainda cogitava "pegar carona" em algum avião particular para vir ao Brasil, como disse à Folha, mas considerava a hipótese remota. "Estou aqui torcendo e muito confiante na vitória do Serra", disse por telefone, após encaminhar por e-mail as respostas às perguntas da Folha.

 

Folha - A eventual eleição de Serra tem impacto na correlação de forças políticas em nível nacional? Quais seus efeitos à luz da sucessão de 2006?
Fernando Henrique Cardoso -
As eleições municipais estão redesenhando as expectativas. Não haverá um partido dominante e o PSDB está bem situado. O PMDB obteve cerca de 1.000 prefeituras, o PSDB, 850; o PFL, 750; e o PT, 400. Serra eleito terá forte presença na política nacional. Tudo no futuro, inclusive a sucessão presidencial, dependerá das condições sócio-econômicas e do comportamento efetivo dos atores políticos, dentre os quais o governo. Mas, indiscutivelmente, o PSDB será um partido competitivo.

Folha - O sr. tem uma avaliação da prefeitura da Marta? Qual? O que pensar do trabalho realizado pela prefeita na periferia?
Fernando Henrique -
O resultado das pesquisas eleitorais mostra que a prefeita, embora empenhada em atender certas áreas da periferia urbana, não empolgou o povo.

Folha - A administração da prefeita teve uma taxa de aprovação alta (48% de bom e ótimo,segundo o último levantamento do Datafolha), mas a sua taxa de rejeição também é muito elevada, mais de 40%. A que o sr. atribui essa rejeição? São aspectos de ordem comportamental que podem estar pesando na percepção do eleitor?
Fernando Henrique -
Tanto há um julgamento de aspectos comportamentais, como uma insatisfação com o partido. Note-se que nas eleições para a Câmara Municipal a legenda do PSDB obteve, pela primeira vez, mais votos do que o PT, ou seja, votos diretamente para o partido, sem discriminar para qual vereador.

Folha - O sr. concorda com a avaliação de Serra, segundo quem o PT pratica uma espécie nova de patrimonialismo, ancorado na máquina partidária? O sr. pensa que o PT, ou parte de suas práticas, é refratário às regras da vida republicana? Por quê?
Fernando Henrique -
De fato, o PT está refazendo o patrimonialismo, dando-lhe um caráter de clientelismo mais partidário (tipo "spoil system" americano) do que o familismo tradicional brasileiro. Mas eu não diria que o PT é refratário às regras da vida republicana, mesmo porque, no Brasil, a experiência republicana sempre foi tisnada de patrimonialismo.

Folha - O seu nome é sempre lembrado, dentro e fora do PSDB, como o único que seria consensual para a disputa presidencial contra Lula em 2006. Essa hipótese está totalmente descartada? Ou ainda é cedo para definições deste tipo? O sr. aceitaria, sob determinadas circunstâncias, concorrer a outro cargo público, que não a presidência?
Fernando Henrique -
O PSDB tem vários nomes para a sucessão presidencial, não precisa do meu. Não está nas minhas cogitações candidatar-me a qualquer cargo público.

Folha - O governo Lula o frustrou muito até agora? Se sim, em quais aspectos? O sr. identifica uma tentação autoritária em parte do governo Lula?
Fernando Henrique -
Na área administrativa e, sobretudo, na área social, eu esperava mais do governo Lula. Ímpetos autoritários do PT não me surpreenderam, pois são antigos.

Folha - Caso vença, Serra terá conquistado um cargo público que o sr. deixou de conquistar por pouco em 1985, quando perdeu para Jânio Quadros. O sr. imagina o que seria sua trajetória política se tivesse vencido aquela eleição? E qual seria a boa trajetória para Serra daqui em diante?
Fernando Henrique -
É difícil imaginar como seria minha trajetória se tivesse sido prefeito. Eu não estava suficientemente preparado para a vida política. Talvez não tivesse sido presidente depois. Não é o caso do Serra, político maduro e administrador competente. Tem tudo para continuar a ter sucesso.

Folha - O terceiro governo do PSDB seria mais progressista que o de Lula? A condução da economia seria esta?
Fernando Henrique -
Não tenho dúvidas de que um eventual terceiro governo do PSDB faria algumas modificações na área econômica, pois sempre é necessário ajustes às condições da economia global. E que avançaria muito mais, de modo progressista, nas áreas sociais. Sem falar na continuidade da reforma do Estado e do aperfeiçoamento gerencial, de que o país ainda tanto precisa.

Folha - O que o sr. está lendo? Está escrevendo um livro? Poderia resumir o assunto central?
Fernando Henrique -
Estou terminando um livro contratado pela Editora Record que, a partir de minhas memórias, analisa aspectos da vida brasileira recente, desde a Constituinte e do Plano Real até as crises financeiras e as lutas no Congresso para a modernização do Brasil.


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