São Paulo, segunda-feira, 31 de outubro de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

FURA-TETO

Servidores do Judiciário fazem pressão na Câmara para aprovar projeto de lei que permite elevar o teto salarial

Reajuste pode gerar gasto extra de R$ 11 bi

SILVANA DE FREITAS
ANA FLOR
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Está em curso uma escalada de aumentos salariais na administração pública que elevará os gastos federais com servidores do Judiciário e do Congresso e pode gerar um impacto de R$ 11 bilhões ao ano nos cofres públicos.
Os servidores do Judiciário pressionam a Câmara a aprovar um projeto de lei, enquanto os funcionários da Câmara, Senado e Tribunal de Contas da União podem ter o reajuste de 15% suspenso pelo STF (Supremo Tribunal Federal) por causa de uma ação encaminhada pelo governo.
Paralelamente, juizes e procuradores -já contemplados com aumento neste ano- fazem uma espécie de movimento fura-teto salarial do funcionalismo para ganhar mais. Estima-se que, se tiverem êxito nas pressões sobre o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e o STF, 80% deles irão a receber igual aos ministros do Supremo, ou seja, R$ 21.500 hoje e R$ 24.500 a partir de janeiro de 2006, que é o valor do teto.
Se o projeto dos servidores do Judiciário da União for aprovado como está, as despesas desse Poder com pessoal irão saltar no ano que vem para R$ 15,878 bilhões, um extra de R$ 4,5 bilhões -40,67% a mais que os R$ 11,287 bilhões do Orçamento deste ano, segundo dados do STF.
O texto, que foi proposto pelo STF, favorecerá principalmente funcionários antigos que ocupam cargos de confiança. Esses são preenchidos por livre escolha dos juízes. A falta de critérios objetivos de escolha favorece nepotismo e indicação de amigos. Recentemente o CNJ proibiu o nepotismo e deu prazo de 90 dias para exoneração dos parentes.
O projeto eleva várias parcelas do salário, como gratificações. Assim, o índice será variável e poderá chegar a 154%. Estima-se que o menor reajuste seja de 40%. Diretores-gerais que tiverem incorporado antigas gratificações poderão chegar ao limite do teto salarial, hoje de R$ 21.500. Os servidores do Ministério Público da União negociam proposta semelhante. Apesar da pressão do funcionalismo da Justiça, o presidente da Câmara, Aldo Rebelo (PC do B-SP), suspendeu a tramitação desse projeto na semana passada para que o CNJ emita parecer sobre ele, cumprindo uma exigência da Lei de Diretrizes Orçamentárias. Para evitar atraso, o CNJ vai examinar a proposta em sessão extraordinária no próximo dia 8.
O relator do projeto na Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público da Câmara, deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), afirma que apesar da "pressão violenta" que sofre dos servidores, de um lado, e do governo, do outro, irá fazer o processo andar e dar seu parecer até o final de novembro. "Não vou sentar em cima disso", afirma, dizendo que irá se reunir com os presidentes dos Tribunais e o Ministério do Planejamento para discutir recursos para pagar o reajuste. "A pressão é muito grande e eu não vou assumir este abacaxi." Já os servidores do Legislativo (o que inclui o TCU) obtiveram um aumento linear de 15%, retroativo a janeiro de 2004, e o governo propôs ao STF, em nome do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, uma ação direta de inconstitucionalidade contestando as duas leis que o instituíram.
O reajuste tem impacto orçamentário estimado em R$ 580 milhões anuais. No entanto, o governo afirma que a medida abriria caminho para que os funcionários dos demais Poderes reivindicassem o mesmo benefício na Justiça, multiplicando os custos.
A média dos servidores do Congresso é de R$ 8.000 por mês, enquanto a dos demais empregados do setor público é de R$ 1.403, segundo dados do IBGE.
Na ação, preparada pela Advocacia Geral da União, o governo afirma que não pode ser criada despesa extra sem previsão orçamentária e que qualquer reajuste deve ser geral, não apenas para parte do funcionalismo. O relator da ação, ministro Gilmar Mendes, aguarda explicações da Câmara e do Senado para submeter ao plenário um pedido de liminar pela suspensão imediata do aumento.

Juízes e procuradores
Em julho último, o presidente Lula instituiu por lei o teto salarial do funcionalismo, fixando-o em R$ 21.500, equivalente ao salário dos ministros do STF. O teto deu aumento a juízes e procuradores, porque eles têm remuneração vinculada à do Supremo. Há diferença de 5% entre as instâncias.
Com isso, o Judiciário da União elevou em R$ 484 milhões a sua despesa com cerca de 5.000 magistrados. A folha de pagamento desse Poder, que engloba juízes trabalhistas, federais, militares e eleitorais, passou de R$ 1,338 bilhão para R$ 1,822 bilhão no ano.
Apesar do aumento já concedido, parte dos magistrados e dos membros do Ministério Público agora faz pressões veladas para voltar a receber vantagens salariais que foram extintas com a criação do teto, como o adicional por tempo de serviço (5% a cada cinco anos, até 35%).
Eles querem receber o mesmo que os ministros do STF. Se conseguirem, estará comprometido o escalonamento salarial do Judiciário, com 5% de diferença entre as instâncias. Será o primeiro passo para o teto ser driblado no futuro. A Folha apurou que cerca de 4.000 juízes (80% do total) seriam beneficiados com a volta do pagamento de adicional por tempo de serviço. Estima-se que esse seja o número de magistrados que têm 20 anos de serviço público e que teriam, portanto, 20% adicional. Assim, receberiam o mesmo que os ministros do STF, ainda que atuem na primeira instância.
A emenda constitucional da reforma administrativa, de 1998, previu o teto único do funcionalismo, equivalente ao salário dos ministros do STF e do procurador-geral. Para evitar dribles por meio de pagamentos extra-teto, foram extintas as vantagens salariais. O teto demorou a sair do papel por causa do temor de que, em vez de reduzir salários, só servisse para aumentá-los.

Texto Anterior: Outro lado: Para tucano, política social isolada não vai resolver a pobreza
Próximo Texto: Frase
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.