São Paulo, terça-feira, 31 de outubro de 2006

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ELEIÇÕES 2006 / RUMOS DA ECONOMIA

Dilma recua e anuncia corte de gastos

Depois de declarar que plano de enxugamento era "rudimentar", ministra diz que "gestão rígida" é para garantir investimentos

Ministra reforça a ala dos que apontam a redução de despesas, e não a queda nos juros, como prioridade para acertar orçamento federal

FERNANDO CANZIAN
DA REPORTAGEM LOCAL

Um dia depois de o governo Lula decretar o fim da "era Palocci", a ministra Dilma Rousseff (Casa Civil) anunciou ontem que os próximos anos serão pautados por um "enxugamento da máquina", pelo "corte de gastos" e pela "manutenção do superávit primário em 4,25% do PIB" para o pagamento dos juros da dívida pública.
Considerada uma das pessoas mais fortes no governo Lula, há alguns meses Dilma mostrou-se contrária a cortes e qualificou como "rudimentar" proposta nesse sentido do Ministério do Planejamento.
"O governo federal vai ter de enxugar a máquina e reduzir gastos para manter o investimento e os programas sociais.
Faremos uma política centrada em uma gestão bastante rígida do gasto público, e os 4,25% (do PIB) de superávit (primário) estão mantidos. Vamos ter um esforço muito grande nessa área", disse Dilma em entrevista à rádio CBN.
"Também há gastos de custeio que vamos ter que racionalizar. Quando cheguei ao ministério das Minas e Energia, tinha uns 25 motoristas e um engenheiro. Não é de graça que você leva um país ao apagão", disse.
Antes refratária aos cortes, Dilma vem agora reforçar a tese dos que consideram a questão do gasto público como prioritária na abertura de mais espaço para investimentos em infra-estrutura e para uma queda mais acentuada dos juros.
Outra corrente de economistas acredita que só a queda do juro, com outras medidas financeiras e de controle de fluxos de capitais internacionais, seria suficiente para acelerar a economia sem a necessidade de um rígido controle dos gastos.

"Panos quentes"
O economista Carlos Lessa, ex-presidente do BNDES e considerado um "desenvolvimentista", afirma que a declaração de Dilma foi para colocar "panos quentes" e abafar o anúncio do fim da "era Palocci" -feito pelo ministro Tarso Genro (Relações Institucionais) um dia antes e corroborado pela própria Dilma.
A ministra havia afirmado anteontem que "o primeiro momento (da política econômica de Palocci) passou. Tivemos um período e passamos por ele", disse.
"As declarações são para colocar panos quentes. O governo não quer comprar essa briga com os bancos", afirma Lessa.
O economista defende a queda mais rápida nos juros como meio mais efetivo de abrir espaço para investimentos.
Lessa afirma que é "abstratamente razoável" associar o controle de gastos a uma queda mais lenta dos juros, mas que isso é "insuficiente em termos de tempo", já que levaria anos para criar um potencial de crescimento mais acelerado.
O economista Luiz Carlos Bresser-Pereira, outro "desenvolvimentista", aponta para "os rentistas, as multinacionais, os concorrentes externos de empresas brasileiras e o setor financeiro como um todo" como "os maiores interessados" em em uma trajetória mais lenta de redução dos juros.
Bresser-Pereira, que está lançando o livro "A macroeconomia da estagnação", diz que o juro elevado é hoje a principal fonte do gasto público.
Como comparação, o setor público como um todo se comprometeu no ano passado (com pagamentos e refinanciamentos) com R$ 160 bilhões para os juros da dívida pública. O Bolsa Família este ano deve gastar R$ 8,5 bilhões para atender mais de 11 milhões de famílias.

"Ortodoxia convencional"
"No início do governo FHC, chegamos ao auge dessa "ortodoxia convencional". Hoje, não precisa mais disso. Embora o mercado financeiro seja muito ameaçador, ele é muito pragmático. Se o país faz coisas que o mercado não gosta, mas que dão certo, o risco-país acaba caindo de qualquer maneira."
Alexandre Bassoli, economista-chefe do banco HSBC, afirma que há "restrições estruturais sérias" ao crescimento que não podem ser resolvidas somente com o corte dos juros.
"Simplesmente reduzir o juro para iniciar um processo de mais crescimento pode trazer ganhos no curtíssimo prazo, mas isso é efêmero. Reduzir o juro traz um estímulo à demanda, mas a oferta tem de crescer em ritmo maior", afirma.
"A despeito do tamanho do setor público, ele é ineficiente para melhorar mais fortemente a distribuição de renda e para puxar os investimentos."

"Burros n'água"
Já o economista Antônio Delfim Netto, um dos maiores defensores do controle dos gastos públicos para estimular investimentos e o crescimento, afirma que o juro é uma "variável endógena". Ou seja, seria produto do descontrole dos gastos, e não a sua causa.
"O custo do Bolsa Família equivale a 15 dias de juros. É uma transferência brutal de renda do setor público para os rentistas", diz Delfim.
"Mas qualquer tentativa de reduzir os gastos cortando só os juros vai dar com os burros n'água. O que o governo deve fazer é apresentar um plano completo do que vai fazer e cumprir. Se a sociedade engolir o projeto, há uma antecipação, e o juro vai cair naturalmente, liberando recursos para o setor público e estimulando os empresários a investir", afirma o economista.


Colaborou MATHEUS PICHONELLI , da Redação.

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