São Paulo, quarta, 31 de dezembro de 1997.




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JANIO DE FREITAS
A cara do ano

Três marcos ficarão caracterizando, na memória a que meu melancólico trabalho às vezes precisa recorrer, o 1997 que se junta muito bem aos anos em que o Brasil marcou passo. Mais um ano do qual o país sai com as mesmas aspirações e frustrações com que entrou. Diferença essencial, talvez apenas um tanto mais de desânimo.
Um dos marcos veio como uma das medidas provisórias no pacote de suposta salvação do real. Apresentada como suspensão temporária da Lei Orgânica de Assistência Social, no dizer de Fernando Henrique, "para evitar a possibilidade de fraudes", a medida consistiu, na verdade, em suspender, por pelo menos três meses, o pagamento de um mínimo aos de 7O ou mais anos e aos deficientes cuja família não disponha de mais de R$ 25 por mês. Idosos e deficientes, portanto, no mais deplorável estado de indigência.
Por mais que buscasse, não encontrei, na minha nem nas várias e melhores memórias consultadas, nada parecido com essa providência. Um marco: é a medida administrativa mais perversa jamais estabelecida por um presidente brasileiro.
O pacote foi fértil. Nada de mais que tenha oferecido outro marco. Foi o aumento de R$ 18 para R$ 90 na taxa de embarque em aeroportos. É claro que ninguém desistiria de viajar por causa de R$ 72 reais, sendo apenas obtusa a desculpa, apresentada mais tarde, de que o governo queria inibir o turismo para o exterior.
Presidente, ministros, assessores palacianos, assessores econômicos, assessores jurídicos, todos a imaginaram, formalizaram e divulgaram como outra fonte de receita, para o governo enfrentar o aumento dos seus gastos com os novos juros. Não bastando a irrelevância do montante, nenhum deles pôde perceber que a taxa não é imposto nem tarifa, mas pagamento pelos serviços da Infraero e só destinável a tal fim. Um marco: foi, no ano, a medida mais pomposamente inepta.
O terceiro marco só podia ser a emenda constitucional da reeleição. Consumido o ano anterior em banho-maria parlamentar, por causa dela, Fernando Henrique fez a convocação extraordinária do Congresso com vasta pauta de assuntos urgentes, cuja urgência, no entanto, concentrou-se com exclusividade na reeleição.
De janeiro, quando da primeira aprovação na Câmara, à segunda no Senado, em maio, foram mais cinco meses monotemáticos. Um marco: nas palavras bastantes de Cony, em seu artigo de ontem, "a compra de votos para a reeleição (foi) o episódio mais repugnante de 1997".
Passagem
Agradeço muito aos que me auxiliaram com informações e observações, correspondência e material. À Coordenação Confederativa dos Trabalhadores, que em seu 2º Encontro Nacional de Dirigentes Sindicais quis homenagear os jornalistas independentes e me escolheu como representante desse jornalismo, o agradecimento público que, por um lapso, fiquei devendo.
Aos que se sentiram magoados neste espaço, mesmo que não desculpem, espero que compreendam nada haver, jamais, de motivação pessoal.
A todos, a esperança de que o novo ano lhes dê o que merecem.



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