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JANIO DE FREITAS
Os pequenos das alturas
Hediondo, essa palavra horrível, é muito insuficiente para o crime de incendiar um ônibus com passageiros
DIZEM QUE amanhã começa
um governo do Brasil. Dizem
até, embora muito menos,
que amanhã começa um novo governo do Brasil. Deve ser coisa de
Brasília, capital da boataria. Como
só os ingênuos e os tolos sacam sobre o futuro, aconselha-se a admitir
que até possa haver, em alguma altura dos próximos anos, um governo
federal ou algo parecido. Mas nada
indica, nesse sentido, mais do que
uma possibilidade quase imperceptível.
Por que há de alguém querer a
Presidência se não é para presidir,
não é para governar? Nos anos de
Médici e de Figueiredo ainda se tinha uma resposta, sangrenta, ressoando gritos de dor, em muitos casos mortalmente silenciada, mas era
uma resposta: eles se prestavam a
facilitar a permanência da ditadura
dando-lhe a conveniente figuração
presidencial. E Collor, Fernando
Henrique, Lula? Seria só para ver
suas fotos com pose de presidente,
ou para dar um salto na economia
pessoal e doméstica, ou só para pôr
na bolsa de uns quantos pobres o
que se entregava nas portas das igrejas, e depois nada mais?
Os cargos muito altos têm a propriedade de atrair os pequenos.
Pior a pior
Os "especialistas" -essa nova espécie que em geral só tem a especialidade de passar por especialistas, multiplicados pelos jornais se
rechearem mais facilmente- já de
manhã distribuíam explicações absolutas, e variadas, para o ataque
desfechado pela bandidagem no
Rio e municípios vizinhos. Apesar
de tanta sabedoria disponível, até o
momento de sábado em que faço
esta nota não há, nem mesmo por
parte da polícia, explicação convincente para a motivação de outra
onda repentina de ferocidade. Como ouvi de um jurista, hediondo,
essa palavra horrível, é muito insuficiente para o crime de incendiar
um ônibus com passageiros.
A versão de mais sucesso, adotada por parte das autoridades e dos
"especialistas", é a de represália da
bandidagem às milícias que, pagas
por favelados, expulsam as quadrilhas de certas favelas. Nesse caso,
por que os bandidos incendiariam
ônibus na Baixada Fluminense e
matariam PM na Lagoa Rodrigo de
Freitas, em vez de fazer os ataques,
tão mais eficazes, às próprias milícias, muito mais fracas em número
e em armas do que a polícia agora
provocada?
Mais um pouco: se a a onda criminosa responde à expulsão das
quadrilhas por milícias, por que as
milícias bastam para expulsá-las e
a polícia não o faz?
Aguardem-se as explicações da
imprensa e seus "especialistas".
Até lá, leitor, e depois também, satisfaça-se com sua própria explicação: a criminalidade sobe, sem cessar, novos estágios de ferocidade e
amplitude, mas contra ela tudo
permanece na mesma -a precariedade da seleção e da formação policial, a falta de políticas preventivas,
os métodos fracassadamente repressivos e, claro, boa parte da legislação, produzida pelos melhores
propósitos para épocas de agressividade ainda não bestial.
A mensagem
As últimas palavras do italiano
Piergorgio Welby, há nove anos em
imobilidade total e implorando por
seu direito de morrer (comunicava-se por ruídos interpretados em
computador), são o que de melhor
foi dito em 2006 contra toda intolerância religiosa: "Obrigado, obrigado, obrigado". E, desligada a respiração artificial, morreu sem mais
sofrimento.
Se o mundo pensasse nele em
2007, a vida e a morte se tornariam
muito melhores.
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