São Paulo, domingo, 31 de dezembro de 2006

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ELIO GASPARI

Lula devia tomar umas aulas com Kirchner

A renda per capita dos argentinos cresceu 12% em relação a 2000; a dos brasileiros, 5%

O ANO E O NOVO mandato de Lula começam com um desafio para os sábios da ekipekonômica. Trata-se de conter a surra que o Brasil de Nosso Guia toma quando seu desempenho é comparado ao da Argentina de Néstor Kirchner. Em 2000, depois de uma década de ilusões cultivadas pela banca internacional, a Argentina atolou-se numa crise política e social sem paralelo na sua história. Teve cinco presidentes em 12 dias, saques e estado de sítio. Em apenas dois anos, gramou uma queda de 14% do PIB. Para ter uma idéia do que isso significa, vale lembrar que, em cinco anos, a Segunda Guerra Mundial custou à Inglaterra 25% de sua riqueza.
Desde 2003, fazendo o contrário do que manda o mercado, Kirchner impôs o calote de dois terços do valor de uma dívida de US$ 100 bilhões (o maior da história do capitalismo), controlou o câmbio, baixou os juros e reestatizou concessionárias de serviços públicos. Cada uma dessas medidas foi vista pelos sábios brasileiros como loucura. Em alguns casos, como no calote, um diretor do Banco Central chegou a atrapalhar a negociação (não há semelhança entre a estrutura da dívida argentina e a brasileira).
Kirchner dirige um "espetáculo do crescimento" com taxas superiores a 8% ao ano. Tomando-se como ponto de partida os números das economias dos dois países em 2000, a Argentina hoje está 19% maior. Não vale dizer que o crescimento ocorreu em cima de um desastre. Ela já sacudiu a poeira e deu a volta por cima. A economia brasileira, submetida ao rigor científico da ekipekonômica, expandiu-se 15%. A renda per capita dos argentinos cresceu 12% em relação a 2000. A dos brasileiros, 5%. Trata-se de um desastre lento, gradual e seguro.
Durante a campanha eleitoral, Lula prometeu um crescimento de 5% e reclamou dos adversários que comparam seu espetáculo ao desempenho da economia haitiana. O comissariado já começou a dizer que 5% é exagero.
Se as economias do Brasil e da Argentina mantiverem seus níveis de expectativas, ao final de 2007 a renda per capita dos brasileiros terá aumentado 8% em sete anos. A dos argentinos, 19%.

Cinco cenas petistas do verão de 2003

Há quatro anos, enquanto se festejava a primeira posse de Nosso Guia, acontecia o seguinte:
Luís Gushiken, empossado na Secretaria de Comunicação, dizia que José Dirceu não deveria ter ido para a Casa Civil. Gushiken, bem como o ministro da Fazenda, Antonio Palocci, ainda acreditava que seria possível uma aproximação com o PSDB.
Duda Mendonça avisava ao comissariado do Programa Fome Zero: "Distribuição de comida é bobagem".
A ministra de Minas e Energia, Dilma Rousseff (atual chefe da Casa Civil), informava: "Pode noticiar: Não vamos botar dinheiro nenhum na AES". Referia-se à empresa americana de energia que comprara a Eletropaulo durante a privataria tucana. Sete meses depois, o BNDES renegociou um calote de US$ 400 milhões, parte de uma dívida de US$ 1,2 bilhão. Puseram US$ 600 milhões numa nova empresa.
Frei Betto, assessor especial de Lula, assustou-se. Pediu um transporte à garagem do Planalto e disseram-lhe que não havia carros disponíveis, só kombis. "Mande uma", pediu. "E o senhor anda de kombi?", respondeu o funcionário.
O "núcleo duro" (quem lembra dessa tolice?) do governo achou que não havia nada demais no fato de terem pousado 18 jatinhos no aeroporto de Buritis (MG), levando convidados para a festa de aniversário de Delúbio Soares, organizada por Duda Mendonça.

Feliz 2007
Não se pode dizer se 2007 será um ano bom ou ruim. Para o Rio, será o primeiro sem o casal Anthony/Rosinha Garotinho.

Lei de Lula
Guido Mantega começa o segundo governo alavancado pela Primeira Lei de Lula: um ministro se fortalece sempre que o andar de cima diz que ele foi atropelado por uma decisão do presidente, contrariando aquilo que se denomina "opinião do mercado". Para Lula, um ministro desautorizado pela sua decisão de elevar o valor do salário mínimo é um presente de mãe. Imagine-se Nosso Guia na situação contrária: querendo fixar o salário em R$ 367 e vendo-se obrigado a discutir com um ministro da Fazenda que defendesse R$ 380.

Air Racismo
A ruína das empresas aéreas brasileiras aumenta a preferência pelas companhias estrangeiras. É uma atitude compreensível e até conveniente. Isso não elimina o fato de que o predomínio de empresas d'além mar nesse mercado pode gerar outro tipo de ruína. Como aquela provocada por dois comissários da American Airlines (Shaw Tipton Scott e Mattew Gonçalves), que se desentenderam com um passageiro por causa de um assento. Incentivado pelo outro, um deles disse, diante de testemunhas: "Amanhã vou acordar jovem, bonito, orgulhoso, rico e sendo um poderoso americano e você vai acordar como um safado, depravado, repulsivo, canalha e miserável brasileiro". A vítima processou os funcionários da American e, dez anos depois do incidente, a sentença do Tribunal Regional Federal do Rio deve sair ainda neste ano.

Malas perdidas
Consolo para quem viajou e descobriu que as companhias aéreas sumiram com suas malas. Uma cena memorável da história teve um sem-malas como personagem. No dia 9 de abril de 1865 reuniram-se na sala de estar de uma casa, na localidade de Appomattox, os generais Ulysses Grant e Robert Lee. Um comandava o exército dos Estados Unidos e o outro, o que restava das tropas rebeldes do Sul. Lee, um velhote boa pinta, chegou com seu bonito cavalo, uniforme impecável, ornado com uma faixa vermelha e rica espada. Grant, miúdo e mal ajambrado, tinha as botas imundas e a túnica amarrotada. Estava há quatro dias com a mesma roupa. Haviam perdido sua bagagem de campanha. Quem visse a cena poderia pensar que Grant rendia-se a Lee.

Eremildo aéreo
Eremildo é um idiota e oferece seus préstimos à aerocracia nacional. Reivindica, em caráter cumulativo, a presidência da Infraero, da Anac e da TAM. O idiota pretende manter no cargo o aerocrata Anchieta Helcias, vice-presidente do sindicato das empresas aéreas. O doutor reclama porque não há punição para os passageiros que, tendo bilhete marcado, não aparecem na hora do embarque. Eremildo baixará uma portaria, impondo à patuléia que não aparece as penalidades aplicadas à choldra que aparece: fila, desleixo, cancelamento e prepotência.

Empulhação
Para o registro da crise aérea: As declarações de aerotecas condenando a prática do overbooking são coisa de profissionais da enganação. O único vôo que não teve bilhetes vendidos acima da lotação foi o do 14-Bis.


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