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ENTREVISTA/JOSÉ SERGIO GABRIELLI
País deve ter um controle maior sobre o seu subsolo
Descoberta do campo de Tupi torna necessário novo modelo de concessão para exploração, diz presidente da Petrobras
MARCELO BERABA
PEDRO SOARES
DA SUCURSAL DO RIO
O PRESIDENTE da Petrobras, José Sergio
Gabrielli, defende uma mudança na Lei
do Petróleo que permita o fim do sistema
de concessão para campos na camada
pré-sal do litoral brasileiro. Foi sob essa camada que a
estatal descobriu o megacampo de Tupi, que, segundo
o executivo, "traz um novo horizonte de exploração de
petróleo no Brasil", com dimensões "significativamente maiores" e menor "risco exploratório".
Gabrielli, 58, acredita que são
mais adequados os modelos de
compartilhamento de produção e de prestação de serviços
-pelo qual a empresa opera o
campo e é remunerada para isso, mas a propriedade continua
com o Estado. "O país deveria
ter um controle maior sobre a
riqueza do seu subsolo. Controle significa compartilhar uma
maior parcela dos ganhos exploratórios mínimos que tem
com as descobertas feitas."
FOLHA - Faltou planejamento capaz de evitar a crise de suprimento
de gás este ano?
GABRIELLI - Não, não é um problema de planejamento, é um
problema de amadurecimento
das instituições. Tivemos [em
cinco anos] um crescimento
extraordinário do mercado
brasileiro, que consome hoje
entre 42 milhões e 45 milhões
de m3 por dia. Vamos ter gás
importado da Bolívia e via GNL
[Gás Natural Liqüefeito] e uma
produção nacional muito
maior. Já fechamos contratos
com a Bahiagás e a Comgás.
Nós vamos entregar um determinado volume [de gás] que
nós nos comprometemos a não
cortar nunca; um outro volume
que vamos entregar, mas podemos cortar e, nesse caso, nós
pagamos a diferença entre o
preço do gás e do outro combustível; e outro volume, que o
preço evidentemente será menor, em que a distribuidora assume o risco de ser cortado.
FOLHA - Os novos contratos aumentam os preços?
GABRIELLI - O preço do consumidor final não depende da Petrobras, é um problema das distribuidoras [na última sexta, a
empresa anunciou reajuste de
15% no preço do GLP industrial
a partir de amanhã].
FOLHA - E quais são os preços nesses dois contratos já firmados?
GABRIELLI - São contratos comerciais, não são públicos.
FOLHA - Dentro do seu raciocínio
de evolução natural no mercado de
gás, como o sr. explica a crise de
abastecimento neste ano no Rio?
GABRIELLI - Até setembro de
2005, a Petrobras tinha um
contrato de compra de gás da
Bolívia com uma cláusula de
"take or pay" [pagava o volume
integral, mesmo que não usasse
todo o gás] de 24 milhões de m3
por dia. Em 2003, a Petrobras
trazia 9 milhões de m3 por dia.
O contrato tinha reajustes trimestrais. Deveríamos reajustar os valores para as distribuidoras, mas não fizemos isso. De
2003 a setembro de 2005, nós
não reajustamos nossos preços
porque nós considerávamos
que tínhamos de atingir os 24
milhões de m3. Quando atingimos, começamos a reajustar.
FOLHA - Essa estratégia não foi um
erro?
GABRIELLI - Não, foi absolutamente correta e tinha que ser
feita.
FOLHA - Como será o futuro do suprimento de gás, especialmente em
2008, quando novos projetos de
produção não estarão em operação?
GABRIELLI - Precisamos dos contratos [com as distribuidoras]
para viabilizar o que é possível
entregar. Temos contratos com
a Aneel que envolvem um termo de compromisso com termelétricas. O que estiver nos
contratos será cumprido. O que
estiver fora do contrato, se for
possível, será cumprido. Se não
for possível, não será.
FOLHA - Os investimentos na Bolívia aumentarão a produção de gás?
GABRIELLI - Nós vamos aumentar os nossos investimentos lá.
Ou você investe para manter a
produção ou a produção cai.
Para desenvolver os campos [já
explorados pela Petrobras], temos que apresentar um plano
que envolve investimentos para manter a produção em torno
de 24 milhões de m3. Temos outro campo, Ingri, onde vamos
perfurar um poço e que, confirmada a existência de gás, vamos fazer um plano de desenvolvimento. Concordamos em formar uma empresa conjunta
[com a estatal YPFB] para explorar três outros campos.
FOLHA - O senhor não teme fazer
uma sociedade com a YFPB, com a
situação instável no país?
GABRIELLI - Em qualquer país, o
mais alto grau de estabilidade é
a lei. Os nossos contratos foram
aprovados pelo Congresso boliviano. Que mais estabilidade
podemos exigir?
FOLHA - A relação com a Bolívia
passa a impressão de que a Petrobras é aviltada com a política externa brasileira.
GABRIELLI - Parte da população
tem essa percepção, mas é
completamente equivocada.
Temos com a Bolívia uma relação excepcional. A Petrobras
tem contratos com as distribuidoras brasileiras, principalmente no principal mercado,
São Paulo. Temos que entregar
o gás. O editorial da Folha
["Brasil investe na incerteza"]
do [último] dia 18 é um primor
de irresponsabilidade. Ele recomenda que a Petrobras espere para fazer investimentos. E
daqui a dois anos iria nos acusar por não ter gás em São Paulo. Porque, se a gente espera, a
produção cai, a gente não entrega o gás e aí tem crise na indústria. Não podemos esperar.
Temos que investir agora já
que temos a garantia máxima
de estabilidade, o contrato
aprovado pelo Congresso, e
mais que isso não se pode exigir. Precisamos do gás da Bolívia e a Bolívia precisa da nossa
compra. Dizer, como o editorial da Folha, que deveríamos
esperar a estabilidade, o que é?
Derrubar o governo da Bolívia?
FOLHA - O senhor apoiou, depois
da revelação do potencial do megacampo de Tupi, a proposta da ANP
de criar novos modelos de exploração de óleo no Brasil. Qual o modelo
que deveria ser adotado?
GABRIELLI - Tupi traz um novo
horizonte de exploração de petróleo no Brasil, com dimensões significativamente maiores do que temos hoje. Portanto, o risco exploratório caiu
muito. Os modelos de concessão via leilão, que existe no Brasil mas não no mundo, ocorrem
quando você tem um risco exploratório muito grande. Portanto, dá vantagens para quem
assume os riscos e em situações
em que os países não têm tecnologia ou recursos financeiros
para desenvolver a produção.
Em países em que se tem riscos exploratórios menores ou
que têm capacidade tecnológica e de investimento maior, os
modelos são de produção compartilhada e de prestação de
serviços. São modelos que não
implicam necessariamente
concessão via pagamento de
bônus [no leilão], royalties e
participações especiais. Com
Tupi, a base estrutural do risco
exploratório mudou e o país
tem capacidade financeira e
tecnológica para desenvolver
sua produção.
FOLHA - Com que modelo?
GABRIELLI - Eu não posso me
manifestar neste momento
porque a decisão é do Congresso, não é nem do presidente.
FOLHA - Mas o sr. vai ser ouvido.
GABRIELLI - O país deveria ter
um controle maior sobre a riqueza do seu subsolo. Controle
significa compartilhar uma
maior parcela dos ganhos exploratórios mínimos que tem
com as descobertas feitas.
FOLHA - O senhor está defendendo
o aumento dos royalties?
GABRIELLI - Não, acho que os royalties não são suficientes. A
mudança de risco muda o patamar.
FOLHA - O senhor está falando de
produção compartilhada?
GABRIELLI - Por mais que vocês
queiram, eu não posso falar sobre isso porque sou o presidente de uma empresa regulada e
não sou do Congresso. O que eu
estou defendendo é que mude a
lei. E acho é que contratos existentes são intocáveis.
FOLHA - O anúncio do potencial de
Tupi feito pela ministra Dilma Rousseff no meio da crise do gás não caracteriza o uso político da Petrobras?
GABRIELLI - É interessante. Se
você analisar a imprensa nos
últimos 15 dias, ela comenta os
relatórios de dois grandes bancos com grandes novidades nas
análises. Se vocês compararem
o que esses relatórios contêm
com o que falamos na coletiva
no dia do anúncio [do poço de
Tupi], as informações estavam
todas lá. Mas, no dia do anúncio, não foram levadas em conta porque o que se especulou foi
de fontes que falavam que era
uma forma de esconder o problema [do gás]. O fato é que o
primeiro poço exploratório de
Tupi levou 400 dias sendo feito. O segundo levou 60 dias. No
primeiro, investimos US$ 240
milhões, no segundo, R$ 60 milhões. Perfuramos 15 poços. Isso não se faz de um dia para o
outro, não se inventa, é resultado de um trabalho técnico de
alta qualidade. Petrobras, BG,
Galp e outros sócios participaram. Quer dizer que todo mundo se juntou numa paranóia para montar um sistema para fugir da crise do gás porque os taxistas do Rio estão reclamando? Paciência! De novo, a lógica da notícia não é a notícia para
transformar numa interpretação, mas é uma interpretação
que tem de ser imposta aos fatos. Isso se chama ideologia.
FOLHA - Como o sr. votou no PT, no
1º e 2º turno?
GABRIELLI - Votei no [Ricardo]
Berzoini. Não votei porque não
pude ir à Bahia, mas, se pudesse, votava nele.
FOLHA - O senhor acha que o Congresso do PT passou uma borracha
sobre as crises que o partido viveu?
GABRIELLI - Borracha ninguém
pode passar, é um passo a mais.
Faço questão de dizer isso em
"on" [gravando para publicar],
que estou aqui sendo provocado a falar sobre o PT e não estou
querendo porque estou sendo
entrevistado como presidente
da Petrobras. Estou dizendo de
forma clara para não confundir
as duas coisas.
Mas, como cidadão, acho que
o PT passou por uma crise em
2005, a militância respondeu
de forma clara e comprometida
tanto na eleição anterior como
nessa, quando milhares de militantes foram votar, e demonstrou vitalidade. A avaliação
contínua dos erros deve ser feita e o partido vai superar os
seus problemas. Passar a borracha não tem sentido. Fatos são
fatos e têm de ser analisados.
FOLHA - Como cidadão, como imagina que deva ser nos próximos três
anos a relação do PT com Lula?
GABRIELLI - O PT é o partido do
presidente, mas não é uma correia de transmissão do governo.
O PT é um partido político, tem
de formular estratégias e disputar propostas com sociedade
e governo, mas evidentemente
que é o partido do presidente.
FOLHA - É provável que nós próximos três anos a discussão política gire em torno da eleição de 2010.
GABRIELLI - Eu acho que vou começar a me recusar a responder as perguntas. Eu não quero
chamar a atenção para a discussão política. Misturar uma entrevista sobre a Petrobras com
o PT não é adequado.
FOLHA - Como o senhor viu a crítica
do prefeito Cesar Maia, do Rio, que
considerou um achaque a Petrobras
firmar um acordo de patrocínio com
a liga das escolas de samba em vez
de fazer a doação que o presidente
Lula prometeu publicamente?
GABRIELLI - A Petrobras não pode fazer doações. Ela pode fazer
ação de promoção. E, para ter
promoção, tem de ter contrapartida. Estamos dando os recursos. A contrapartida que nós
queremos é o uso da imagem,
marketing de relacionamento,
coisas que caracterizam um investimento em promoções.
FOLHA - A imagem da Petrobras
não pode ser afetada por se associar
a escolas ligadas a tráfico ou bicho?
GABRIELLI - Eu associo o Carnaval muito mais a prazer, alegria,
à vontade do povo de curtir e viver, do que ao crime. E é nisso
que nós estamos atuando, para
viabilizar um valor cultural positivo que é o Carnaval. Por que
vocês não perguntam por que o
prefeito da cidade, ao invés de
ficar provocando coisas por um
blog que não é um veículo oficial, não deveria viabilizar mais
recursos para a liga das escolas?
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