São Paulo, segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

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ENTREVISTA/JOSÉ SERGIO GABRIELLI

País deve ter um controle maior sobre o seu subsolo

Descoberta do campo de Tupi torna necessário novo modelo de concessão para exploração, diz presidente da Petrobras

MARCELO BERABA
PEDRO SOARES

DA SUCURSAL DO RIO

O PRESIDENTE da Petrobras, José Sergio Gabrielli, defende uma mudança na Lei do Petróleo que permita o fim do sistema de concessão para campos na camada pré-sal do litoral brasileiro. Foi sob essa camada que a estatal descobriu o megacampo de Tupi, que, segundo o executivo, "traz um novo horizonte de exploração de petróleo no Brasil", com dimensões "significativamente maiores" e menor "risco exploratório".

Gabrielli, 58, acredita que são mais adequados os modelos de compartilhamento de produção e de prestação de serviços -pelo qual a empresa opera o campo e é remunerada para isso, mas a propriedade continua com o Estado. "O país deveria ter um controle maior sobre a riqueza do seu subsolo. Controle significa compartilhar uma maior parcela dos ganhos exploratórios mínimos que tem com as descobertas feitas."  

FOLHA - Faltou planejamento capaz de evitar a crise de suprimento de gás este ano?
GABRIELLI
- Não, não é um problema de planejamento, é um problema de amadurecimento das instituições. Tivemos [em cinco anos] um crescimento extraordinário do mercado brasileiro, que consome hoje entre 42 milhões e 45 milhões de m3 por dia. Vamos ter gás importado da Bolívia e via GNL [Gás Natural Liqüefeito] e uma produção nacional muito maior. Já fechamos contratos com a Bahiagás e a Comgás.
Nós vamos entregar um determinado volume [de gás] que nós nos comprometemos a não cortar nunca; um outro volume que vamos entregar, mas podemos cortar e, nesse caso, nós pagamos a diferença entre o preço do gás e do outro combustível; e outro volume, que o preço evidentemente será menor, em que a distribuidora assume o risco de ser cortado.

FOLHA - Os novos contratos aumentam os preços?
GABRIELLI
- O preço do consumidor final não depende da Petrobras, é um problema das distribuidoras [na última sexta, a empresa anunciou reajuste de 15% no preço do GLP industrial a partir de amanhã].

FOLHA - E quais são os preços nesses dois contratos já firmados?
GABRIELLI
- São contratos comerciais, não são públicos.

FOLHA - Dentro do seu raciocínio de evolução natural no mercado de gás, como o sr. explica a crise de abastecimento neste ano no Rio?
GABRIELLI
- Até setembro de 2005, a Petrobras tinha um contrato de compra de gás da Bolívia com uma cláusula de "take or pay" [pagava o volume integral, mesmo que não usasse todo o gás] de 24 milhões de m3 por dia. Em 2003, a Petrobras trazia 9 milhões de m3 por dia.
O contrato tinha reajustes trimestrais. Deveríamos reajustar os valores para as distribuidoras, mas não fizemos isso. De 2003 a setembro de 2005, nós não reajustamos nossos preços porque nós considerávamos que tínhamos de atingir os 24 milhões de m3. Quando atingimos, começamos a reajustar.

FOLHA - Essa estratégia não foi um erro?
GABRIELLI
- Não, foi absolutamente correta e tinha que ser feita.

FOLHA - Como será o futuro do suprimento de gás, especialmente em 2008, quando novos projetos de produção não estarão em operação?
GABRIELLI
- Precisamos dos contratos [com as distribuidoras] para viabilizar o que é possível entregar. Temos contratos com a Aneel que envolvem um termo de compromisso com termelétricas. O que estiver nos contratos será cumprido. O que estiver fora do contrato, se for possível, será cumprido. Se não for possível, não será.

FOLHA - Os investimentos na Bolívia aumentarão a produção de gás?
GABRIELLI
- Nós vamos aumentar os nossos investimentos lá. Ou você investe para manter a produção ou a produção cai. Para desenvolver os campos [já explorados pela Petrobras], temos que apresentar um plano que envolve investimentos para manter a produção em torno de 24 milhões de m3. Temos outro campo, Ingri, onde vamos perfurar um poço e que, confirmada a existência de gás, vamos fazer um plano de desenvolvimento. Concordamos em formar uma empresa conjunta [com a estatal YPFB] para explorar três outros campos.

FOLHA - O senhor não teme fazer uma sociedade com a YFPB, com a situação instável no país?
GABRIELLI
- Em qualquer país, o mais alto grau de estabilidade é a lei. Os nossos contratos foram aprovados pelo Congresso boliviano. Que mais estabilidade podemos exigir?

FOLHA - A relação com a Bolívia passa a impressão de que a Petrobras é aviltada com a política externa brasileira.
GABRIELLI
- Parte da população tem essa percepção, mas é completamente equivocada. Temos com a Bolívia uma relação excepcional. A Petrobras tem contratos com as distribuidoras brasileiras, principalmente no principal mercado, São Paulo. Temos que entregar o gás. O editorial da Folha ["Brasil investe na incerteza"] do [último] dia 18 é um primor de irresponsabilidade. Ele recomenda que a Petrobras espere para fazer investimentos. E daqui a dois anos iria nos acusar por não ter gás em São Paulo. Porque, se a gente espera, a produção cai, a gente não entrega o gás e aí tem crise na indústria. Não podemos esperar.
Temos que investir agora já que temos a garantia máxima de estabilidade, o contrato aprovado pelo Congresso, e mais que isso não se pode exigir. Precisamos do gás da Bolívia e a Bolívia precisa da nossa compra. Dizer, como o editorial da Folha, que deveríamos esperar a estabilidade, o que é? Derrubar o governo da Bolívia?

FOLHA - O senhor apoiou, depois da revelação do potencial do megacampo de Tupi, a proposta da ANP de criar novos modelos de exploração de óleo no Brasil. Qual o modelo que deveria ser adotado?
GABRIELLI
- Tupi traz um novo horizonte de exploração de petróleo no Brasil, com dimensões significativamente maiores do que temos hoje. Portanto, o risco exploratório caiu muito. Os modelos de concessão via leilão, que existe no Brasil mas não no mundo, ocorrem quando você tem um risco exploratório muito grande. Portanto, dá vantagens para quem assume os riscos e em situações em que os países não têm tecnologia ou recursos financeiros para desenvolver a produção.
Em países em que se tem riscos exploratórios menores ou que têm capacidade tecnológica e de investimento maior, os modelos são de produção compartilhada e de prestação de serviços. São modelos que não implicam necessariamente concessão via pagamento de bônus [no leilão], royalties e participações especiais. Com Tupi, a base estrutural do risco exploratório mudou e o país tem capacidade financeira e tecnológica para desenvolver sua produção.

FOLHA - Com que modelo?
GABRIELLI
- Eu não posso me manifestar neste momento porque a decisão é do Congresso, não é nem do presidente.

FOLHA - Mas o sr. vai ser ouvido.
GABRIELLI
- O país deveria ter um controle maior sobre a riqueza do seu subsolo. Controle significa compartilhar uma maior parcela dos ganhos exploratórios mínimos que tem com as descobertas feitas.

FOLHA - O senhor está defendendo o aumento dos royalties?
GABRIELLI
- Não, acho que os royalties não são suficientes. A mudança de risco muda o patamar.

FOLHA - O senhor está falando de produção compartilhada?
GABRIELLI
- Por mais que vocês queiram, eu não posso falar sobre isso porque sou o presidente de uma empresa regulada e não sou do Congresso. O que eu estou defendendo é que mude a lei. E acho é que contratos existentes são intocáveis.

FOLHA - O anúncio do potencial de Tupi feito pela ministra Dilma Rousseff no meio da crise do gás não caracteriza o uso político da Petrobras?
GABRIELLI
- É interessante. Se você analisar a imprensa nos últimos 15 dias, ela comenta os relatórios de dois grandes bancos com grandes novidades nas análises. Se vocês compararem o que esses relatórios contêm com o que falamos na coletiva no dia do anúncio [do poço de Tupi], as informações estavam todas lá. Mas, no dia do anúncio, não foram levadas em conta porque o que se especulou foi de fontes que falavam que era uma forma de esconder o problema [do gás]. O fato é que o primeiro poço exploratório de Tupi levou 400 dias sendo feito. O segundo levou 60 dias. No primeiro, investimos US$ 240 milhões, no segundo, R$ 60 milhões. Perfuramos 15 poços. Isso não se faz de um dia para o outro, não se inventa, é resultado de um trabalho técnico de alta qualidade. Petrobras, BG, Galp e outros sócios participaram. Quer dizer que todo mundo se juntou numa paranóia para montar um sistema para fugir da crise do gás porque os taxistas do Rio estão reclamando? Paciência! De novo, a lógica da notícia não é a notícia para transformar numa interpretação, mas é uma interpretação que tem de ser imposta aos fatos. Isso se chama ideologia.

FOLHA - Como o sr. votou no PT, no 1º e 2º turno?
GABRIELLI
- Votei no [Ricardo] Berzoini. Não votei porque não pude ir à Bahia, mas, se pudesse, votava nele.

FOLHA - O senhor acha que o Congresso do PT passou uma borracha sobre as crises que o partido viveu?
GABRIELLI
- Borracha ninguém pode passar, é um passo a mais. Faço questão de dizer isso em "on" [gravando para publicar], que estou aqui sendo provocado a falar sobre o PT e não estou querendo porque estou sendo entrevistado como presidente da Petrobras. Estou dizendo de forma clara para não confundir as duas coisas.
Mas, como cidadão, acho que o PT passou por uma crise em 2005, a militância respondeu de forma clara e comprometida tanto na eleição anterior como nessa, quando milhares de militantes foram votar, e demonstrou vitalidade. A avaliação contínua dos erros deve ser feita e o partido vai superar os seus problemas. Passar a borracha não tem sentido. Fatos são fatos e têm de ser analisados.

FOLHA - Como cidadão, como imagina que deva ser nos próximos três anos a relação do PT com Lula?
GABRIELLI
- O PT é o partido do presidente, mas não é uma correia de transmissão do governo. O PT é um partido político, tem de formular estratégias e disputar propostas com sociedade e governo, mas evidentemente que é o partido do presidente.

FOLHA - É provável que nós próximos três anos a discussão política gire em torno da eleição de 2010.
GABRIELLI
- Eu acho que vou começar a me recusar a responder as perguntas. Eu não quero chamar a atenção para a discussão política. Misturar uma entrevista sobre a Petrobras com o PT não é adequado.

FOLHA - Como o senhor viu a crítica do prefeito Cesar Maia, do Rio, que considerou um achaque a Petrobras firmar um acordo de patrocínio com a liga das escolas de samba em vez de fazer a doação que o presidente Lula prometeu publicamente?
GABRIELLI
- A Petrobras não pode fazer doações. Ela pode fazer ação de promoção. E, para ter promoção, tem de ter contrapartida. Estamos dando os recursos. A contrapartida que nós queremos é o uso da imagem, marketing de relacionamento, coisas que caracterizam um investimento em promoções.

FOLHA - A imagem da Petrobras não pode ser afetada por se associar a escolas ligadas a tráfico ou bicho?
GABRIELLI
- Eu associo o Carnaval muito mais a prazer, alegria, à vontade do povo de curtir e viver, do que ao crime. E é nisso que nós estamos atuando, para viabilizar um valor cultural positivo que é o Carnaval. Por que vocês não perguntam por que o prefeito da cidade, ao invés de ficar provocando coisas por um blog que não é um veículo oficial, não deveria viabilizar mais recursos para a liga das escolas?


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