Campinas, Domingo, 9 de maio de 1999

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HISTÓRIA
Documentário feito em Campinas mostra depoimentos de ex-torturados da cidade e as diferenças das épocas
Vídeo inverte valores do regime militar

Divulgação
Os ex-presos políticos Manoel Cyrillo de Oliveira Neto (esq.), Carlos Lobão Cunha e Renato Tapajós


free-lance para a Folha Campinas

A produtora campineira Studio Eletrônico deve lançar no póximo mês o documentário "68/69- Comportamento e Política Estudantil", que aborda a maneira como vivem atualmente personagens de Campinas que tiveram participação direta no regime militar e a inversão dos valores da ditadura 30 anos depois.
Por meio de depoimentos de ex-torturados que vivem ou vieram viver em Campinas -entre eles Manoel Cyrillo de Oliveira Neto, um dos sequestradores do embaixador norte-americano Charles Elbrik, e Alcides Mamizuka, atual secretário da Educação de Campinas- e dos filhos de alguns deles, o diretor Marcos Rogatto consegue traçar um paralelo entre os dois períodos e a transição entre eles.
Fica claro no documentário a inversão dos valores. Em 1968, os jovens não podiam se expressar politicamente, mas podiam fazer sexo livremente "pegando, no máximo, uma gonorréia", como diz Rogatto. Além disso, os jovens podiam sair de casa sem temer a violência, ter acesso ao estudo e não se preocupar com o desemprego.
"68/98" mostra que a principal preocupação dos filhos dos presos políticos é justamente o que os pais tinham de sobra em 68, o que acaba sobrepondo a liberdade de contestação política.
"Hoje é cada um por si e Deus contra todos", afirma Carlos Lobão Cunha, um dos ex-presos políticos, que mora em Campinas.
Segundo Mamizuka, Campinas era usada como local de transição entre a prisão de pessoas contrárias ao regime até suas transferências para São Paulo.
"O único torturado mesmo em Campinas foi o padre Milton Santana, em 64, logo no início do regime", afirmou Mamizuka.
Padre Milton, conhecido como "padre dos pobres", morreu em 97, cego em virtude das torturas, mas lúcido.
Mamizuka afirma que os entrepostos em Campinas eram o 8º BPM (Batalhão de Polícia Militar) e a sede do Exército na cidade, no bairro Chapadão.
O secretário da Educação concorda que há uma inversão da repressão. "Hoje há menos liberdade que naquela época, quando o cerceamento era dirigido a um grupo pequeno. Hoje o cerceamento é indiscriminado", afirmou.
Já para o professor Augusto César Petta, preso juntamente com Mamizuka no congresso da UNE (União Nacional dos Estudantes) de 68, o movimento refletia em Campinas o que ocorria em São Paulo.
"As passeatas ocorridas lá eram repetidas aqui. Mas o movimento nunca foi tão grande como nas capitais", afirmou Petta.

Ficção
O documentário mescla alguns trechos de ficção feitos com artistas da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) para simular protestos e ilustrar o período.
Segundo Rogatto, as poucas imagens compradas de protestos são as mesmas que foram exaustivamente usadas em outros documentários, programas e filmes.
"Nós optamos por utilizar, sem exageros, imagens de ficção.
Algumas delas vão ser cortadas na edição final para que o vídeo chegue aos 30 minutos", disse o diretor.
Produzido em formato DVCAM, o vídeo está em fase de sonorização e cortes finais para atingir "um formato compatível com a grade horária das emissoras".
Segundo Rogatto, o vídeo custou R$ 25 mil, dos quais R$ 15 mil financiados pela Linc (Lei de Incentivo à Cultura).
O vídeo deve estrear até o mês que vem. Serão doadas cópias do documentário a escolas e à TV Cultura.
"68/98" é a ponta de um ciclo iniciado em 69, quando o cineasta Henrique de Oliveira Júnior filmou "Ser", curta-metragem de apenas 90 segundos que mostra a passagem de toda uma vida, desde a infância até a morte, por meio de imagens dos pés.
Uma das imagens traz uma parada militar.
"Ainda bem que os militares não perceberam a imagem dos coturnos e não cortaram a cena. O filme acabou recebendo vários prêmios", afirmou Oliveira Júnior. (GUSTAVO PORTO)


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