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Meu nome é trabalho

Encorajada socialmente, compulsão é acentuada pela tecnologia, que deleta a fronteira entre vida pessoal e profissional

FELIPE MAIA
DE SÃO PAULO

Victor quase terminou o casamento, Eduardo infartou e Rodrigo engordou 20 quilos em dois anos. Com idades entre 30 e 59 anos, os três são exemplos de profissionais que, depois de uma situação extrema, perceberam que falharam ao tentar equilibrar carreira e vida pessoal.

Talvez um dos "vícios" mais aceitos -e incentivados- socialmente, a compulsão por trabalho ganhou uma nova escala desenvolvida por um grupo de pesquisadores da Noruega.

Ståle Pallesen, professor de psicologia da Universidade de Bergen e um dos responsáveis pelo estudo, diz que traços da personalidade, como ambição desmedida ou comportamento obsessivo, são fatores determinantes nesse tipo de compulsão.

Segundo os pesquisadores, os "workaholics" trabalham para reduzir sentimentos como culpa, ansiedade, desamparo ou depressão. Para identificar o vício, o teste (leia abaixo) se baseia em sintomas de outros tipos de compulsão, como alterações de humor e irritabilidade, que surgem quando o sujeito é impossibilitado de trabalhar.

A internet móvel também tem sua parcela de culpa. Com e-mails e documentos de trabalho na palma da mão e a qualquer momento, separar o tempo para si do tempo para o trabalho é cada vez mais raro para a maioria dos profissionais.

VÍCIO SEM DROGAS

Em grande parte dos casos, os efeitos do excesso de trabalho só são percebidos quando a saúde falha ou a vida pessoal entra em crise. "As pessoas só percebem [o vício] quando surgem sinais indiretos, como dificuldade para dormir, diminuição do desejo sexual e irritabilidade", diz o psicólogo espanhol Enrique Echeburúa, autor do livro "¿Adicciones sin drogas?" (vícios sem drogas?).

"Quase cheguei ao ponto de perder minha mulher, não conseguia vê-la. Ficava com o celular o dia todo e ligava o notebook à noite", lembra o engenheiro Victor Hugo Campanari, 30. Dos 26 aos 29 anos, ele trabalhou mais de 12 horas por dia. No restante do tempo, ficava disponível para a empresa por meio do celular ou do notebook.

"Eu era 'workaholic'. No início até achava legal. Recebia uma ligação de trabalho às 22h e pensava: 'Está vendo, estão precisando de mim'."

O presidente da agência de publicidade digital W3haus, Tiago Ritter, 33, admite que mergulha na vida profissional quando termina relacionamentos. "Em crises amorosas é muito comum. Para não pensar na história, você canaliza a energia para produzir."

No caso do engenheiro Eduardo Rashid, 59, o alerta veio depois de um infarto, há quatro anos.

"Eu tenho minha empresa e dava aulas à noite. Achava que a evolução do negócio dependia de mim, então trazia muito trabalho para casa. Depois que fui operado do coração, comecei a ver o que estava acontecendo e me perguntava: 'Por que faço isso? Por que essa coisa maluca?'"

Já para Ritter o corpo "falou" de um jeito mais ameno: ele quebrou uma perna durante uma partida de futebol, no ano passado.

"Eu estava na adrenalina do trabalho, de viagens, praticando um esporte para o qual não estava preparado e um pouco acima do peso. Veio essa mensagem de que eu deveria parar e rever esse ritmo."

Outro comportamento comum é ignorar os avisos de amigos e familiares sobre o problema. "Meus amigos reclamavam que eu sumia, mas quando você está nessa adrenalina não escuta, não dá atenção", diz Rodrigo Geammal, 39, diretor-executivo da agência Elos Cross Marketing.

Por não se alimentar corretamente e não fazer exercícios, ele engordou 20 quilos em dois anos. A vontade de mudar veio no ano passado, com o nascimento da filha. "Comecei a ter um sentimento de culpa. Queria ter saúde para cuidar da menina."

Especialistas dizem que é difícil prever como a geração Y, de pessoas hoje na casa dos 20 anos, vai equilibrar a vida pessoal e o trabalho. Mas existe a percepção de que eles podem sofrer menos.

"O jovem tende a encarar o trabalho com mais propósito. Trabalha porque gosta, e não porque é obrigado", opina Lucas Liedke, diretor do núcleo de tendências da agência Box 1824 e um dos responsáveis pelo vídeo "All Work and All Play" (todos trabalham e todos brincam), sobre a relação da nova geração com a carreira.

Para Ivani Manzzo, "coach" de qualidade de vida, o jovem que tem bom preparo não tem medo de mudar. "Ele não se deixa escravizar. Quando percebe que lhe estão 'tirando o couro', ele pula fora."

O primeiro passo para resolver o problema é o próprio profissional perceber o exagero, afirma José Roberto Leite, da Unifesp (Universidade Federal de São Paulo).

O engenheiro Campanari, por exemplo, buscou a ajuda de uma terapeuta e de uma "coach", que a ajudaram a planejar a mudança de vida. "Uma das coisas que percebi era que eu tinha dificuldades para delegar e queria resolver todos os problemas, em vez de apenas gerenciar."

Hoje, ele adotou uma rotina de exercícios físicos e trabalha menos horas por dia. Às 17h de uma terça-feira, quando falou com a reportagem, ele já passava pelas catracas da empresa automobilística em que trabalha.

'WORKAHOLICS' TRABALHAM PARA REDUZIR SENTIMENTOS DE CULPA

Escala usa sete critérios para identificar vício em trabalho

1 Você pensa em como conseguir mais tempo para trabalhar?

2 Você passa muito mais tempo trabalhando do que o que havia planejado?

3 Você trabalha para reduzir sentimentos de culpa, desamparo ou depressão?

4 Você já ignorou pessoas que disseram que era preciso reduzir a carga de trabalho?

5 Você fica estressado ou irritado se é proibido de trabalhar?

6 Você deixa de praticar hobbies, atividades de lazer e exercícios por causa do trabalho?

7 Você trabalha a ponto de prejudicar sua saúde?

Se você respondeu sim a pelo menos quatro dessas perguntas, isso pode sugerir algum grau de vício em trabalho

  • Teste criado por pesquisadores da Universidade de Bergen (Noruega)
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