São Paulo, quinta-feira, 01 de abril de 2004

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MEDICINA

Imunização reduziu presença do vírus para um milionésimo da original; teste em humano pode começar neste ano

Vacina protege camundongo contra Sars

Divulgação Universidade Católica de Leuven
Imagem de microscópio mostra o coronavírus, que causa a Sars


REINALDO JOSÉ LOPES
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Uma vacina de DNA contra o vírus da Sars (síndrome respiratória aguda grave, ou pneumonia atípica) mostrou bom desempenho em camundongos, e os pesquisadores americanos que a desenvolveram já estão prontos para o próximo passo: os primeiros testes em seres humanos, talvez ainda neste ano.
O virologista Gary Nabel e seus colegas do Niaid (sigla inglesa para Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas), no Estado americano de Maryland, conseguiram reduzir a menos de um milionésimo a quantidade do vírus nos pulmões dos roedores infectados, nível de proteção considerado mais que adequado.
"Vamos fazer mais testes em modelos animais e temos planos para um pequeno estudo de fase 1 [que testa a segurança de um novo remédio ou vacina] em humanos", disse Nabel. A luz verde para isso ainda depende da FDA, agência de fármacos e alimentos dos Estados Unidos.
O estudo da equipe, que sai na edição de hoje da revista científica "Nature" (www.nature.com), também ajuda a detalhar como o vírus da Sars interage com o sistema de defesa do organismo. Com isso, traz informações preciosas sobre o patógeno, que colocou o Sudeste Asiático e boa parte do planeta em polvorosa no ano passado, infectando 8.098 pessoas e matando 774 em oito meses.

Reação rápida
Apesar do pânico, os cientistas reagiram com rapidez à nova ameaça microscópica. O genoma do coronavírus foi decifrado em tempo recorde, e a epidemia foi detida -ao menos por enquanto.
"A pesquisa de Nabel é testemunho da seriedade e da atenção com que foi tratado o problema da Sars. Não se passou mais que um ano entre a identificação do coronavírus e o desenvolvimento de uma vacina, que se mostrou eficaz num animal de laboratório", disse Anthony Fauci, diretor do Niaid, em comunicado oficial.
A função de uma vacina é deixar o organismo preparado contra o ataque de algum intruso simulando a invasão, mas sem que haja risco real de a doença começar. Nabel e seus colegas escolheram a glicoproteína S (de "spike", ou "esporão", em inglês), que fica na superfície do coronavírus Sars-associado (nome oficial do causador da pneumonia atípica).
Como o nome sugere, a glicoproteína S faz com que o vírus se enganche nos receptores (fechaduras químicas) da célula que está atacando e consiga invadi-la. "Nós a escolhemos como alvo [da vacina] porque ela está presente na superfície do vírus, é necessária para a infecção e é uma proteína abundante", explica Nabel.
O que os pesquisadores fizeram foi deduzir a seqüência de "letras" químicas de DNA que especifica o formato dessa chave molecular e injetar esse pedaço de código genético nos camundongos.
Com sutis alterações na receita de DNA, eles tomaram a precaução de evitar que a proteína S passasse a ser produzida por outros coronavírus (que podem estar presentes no organismo, em geral sem causar dano). Outra modificação foi projetada para que a proteína fosse produzida em grandes quantidades, de forma que o organismo não tivesse como não reagir à sua presença.

Reação imunológica
As próprias células dos roedores, ao receberem o DNA, começaram a produzir a proteína. A presença da S modificada desencadeou uma potente reação do sistema de defesa dos roedores: logo surgiram anticorpos feitos especificamente para combatê-la, e também proliferaram células especiais de defesa. No total, os camundongos receberam três doses da vacina, espalhadas por um período de seis semanas.
Um mês depois, veio o que os cientistas costumam chamar de "desafio". Os camundongos foram expostos a uma dose cavalar de vírus da Sars. Os que tinham recebido a vacina mal foram afetados, e seus pulmões acusaram quantidades mínimas do vírus. Aparentemente, os anticorpos foram decisivos nesse contra-ataque do organismo.
O trabalho de Nabel é o primeiro a publicar os resultados de uma vacina contra a doença, embora outros laboratórios estejam trabalhando em abordagens diferentes do problema. "É difícil fazer uma comparação, já que os outros grupos ainda não publicaram seus resultados, mas suspeito que a nossa vacina induza uma imunidade celular melhor, ao lado de uma boa resposta de anticorpos. Isso pode ser uma vantagem."
Uma empresa de San Diego, na Califórnia, já foi escalada pelo Niaid para produzir uma versão da vacina que seja compatível com as necessidades dos pacientes humanos.


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