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BIODIVERSIDADE
Possíveis drogas baseadas em veneno de cobra e taturana e saliva de carrapato terão investimento privado
"Remédio da fauna" ganha R$ 10 milhões
REINALDO JOSÉ LOPES
DA REPORTAGEM LOCAL
Substâncias derivadas de um
quarteto improvável da fauna
brasileira -jararaca, cascavel,
carrapato-estrela e uma espécie
de taturana- vão ser alvo de investimentos da ordem de R$ 10
milhões nos próximos dois anos.
Mais da metade do dinheiro virá
de um consórcio da empresas farmacêuticas nacionais, e a idéia é
criar novos medicamentos contra
hipertensão, dor e câncer totalmente desenvolvidos no país.
O anúncio foi feito ontem, em
São Paulo, por representantes do
Coinfar (consórcio que reúne as
empresas Biosintética Farmacêutica, Biolab-Sanus e União Química) e do Instituto Butantan, principal órgão de pesquisa envolvido
no desenvolvimento dos remédios. Se alguma das novas moléculas chegar ao mercado (o que
ainda deve demorar vários anos,
já que nenhuma ainda passou da
fase de testes em animais), cerca
de 5% dos lucros serão repassados ao instituto, aos cientistas-chefes de cada projeto e à Fapesp
(Fundação de Amparo à Pesquisa
do Estado de São Paulo), que também apóia os estudos.
Os projetos já geraram pelo menos quatro patentes (uma delas,
referente ao veneno de jararaca,
provavelmente vai se desdobrar
em outras seis ou oito patentes),
registradas no Brasil, nos EUA, no
Japão e na União Européia. "Essas
moléculas não são garantia de sucesso. Não sabemos se elas vão
funcionar em seres humanos, se
serão viáveis economicamente ou
mesmo se serão capazes de enfrentar a concorrência", ressalva
Dante Alário Júnior, diretor técnico-científico da Biolab-Sanus.
A história de diversos medicamentos de sucesso, no entanto,
mostra que derivar remédios de
substâncias encontradas em animais costuma compensar. "Temos a vantagem de lidar com moléculas que foram testadas pela
evolução por bilhões de anos para
agirem de forma específica", disse
à Folha o bioquímico Antonio
Carlos Martins de Camargo, diretor do Centro de Toxicologia
Aplicada do Butantan. É o caso do
Captopril, medicamento derivado do veneno da jararaca que hoje
é um dos principais a combater a
hipertensão e que foi patenteado
por uma empresa multinacional.
Vingança da jararaca
Os pesquisadores do Butantan
esperam dar o troco com uma das
moléculas pesquisadas. "As pessoas descobriram que o Captopril
agia sobre dois sítios ativos [locais
em que uma proteína se acopla a
outra] praticamente idênticos, só
que um deles gera uma série de
efeitos colaterais. Acontece que o
veneno da jararaca também possui uma molécula que age só sobre o sítio que não causa esses
efeitos", explica Camargo. Assim,
um novo remédio baseado nela
poderia ser bem mais preciso.
No caso da cascavel, os pesquisadores estão retomando um trabalho do célebre médico Vital
Brazil (1865-1950), o qual, nos
anos 1920, descobriu as propriedades analgésicas do veneno da
cobra. A taturana Lonomia obliqua, comum na região Sul, serve
de fonte para substâncias antitrombose, que também poderão
ganhar outras aplicações, segundo Camargo. Finalmente, uma
molécula da saliva do carrapato-estrela é capaz de inibir um fator
ligado à coagulação do sangue,
mas também parece deter a formação de tumores.
Segundo o pesquisador do Butantan, como a intenção é chegar
ao produto final, o acordo entre a
Fapesp e o consórcio farmacêutico envolve uma avaliação semestral de como o projeto tem avançado. "Eles não poderão ficar sentados em cima da patente. E, se
resolverem sublicenciá-la para
uma multinacional, os direitos da
Fapesp ficam preservados."
O valor normalmente estimado
para desenvolver um único medicamento é de US$ 60 milhões.
Marcio Falci, diretor médico-científico da Biosintética, reconhece que o investimento de R$
10 milhões é pouco. "É pouco para o desenvolvimento total, mas
vamos ajustando isso conforme o
trabalho progredir", afirma. Do
montante, R$ 4 milhões virão da
Finep (Financiadora de Estudos e
Projetos, órgão federal).
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