São Paulo, domingo, 01 de abril de 2007

Texto Anterior | Índice

+Marcelo Leite

Produtivismo infantil


O progresso da ciência latino-americana tem mais quantidade do que qualidade


Não é Primeiro de Abril: a ciência natural latino-americana progride a olhos vistos. Em uma década e meia, saltou de 7.000 para 18 mil artigos. De quase 1.700 doutores diplomados em ciência e engenharia em 1990, chegou a 2004 na casa dos 7.800.
O Brasil engordou muito esse desempenho. Multiplicou por 2,5 sua produção científica nos periódicos mais reputados e passou do 23º ao 17º posto no ranking internacional, entre 1990 e 2000. Responde por 1,45% do total mundial, contra 0,65% do segundo colocado, México (e 31,48% dos Estados Unidos...).
Tal desenvolvimento, no entanto, tem um quê de obesidade infantil. O que sobra em quantidade falta em qualidade. O diagnóstico, amargo para os pais da criança, está no trabalho "Para Onde Vai a América Latina?". O texto está no prelo do periódico "IUBMB Life", da União Internacional de Bioquímica e Biologia Molecular, e vem assinado por Marcelo Hermes-Lima e mais três brasileiros da UnB e da UFRJ.
Tradicionalmente, em ciências naturais, a qualidade é inferida com base na repercussão. Quanto mais citado um artigo, presume-se, maior sua contribuição para o conhecimento. Sob esse ângulo, a América Latina -Brasil incluído- parece produzir mais gordura que estatura.
O índice de massa corporal está no número médio de citações por artigo. Neste caso, porém, quanto maior a cifra, melhor a condição do paciente. Ela mede a visibilidade dos trabalhos diante da comunidade mundial de pesquisadores. Neste quesito, ainda somos nanicos.
De 1995 a 2005, cada artigo brasileiro angariou em média 4,7 citações, entre metade e um terço dos escores de países como Suíça (13,6), EUA (12,9) e Reino Unido (11,2). O México foi um pouco melhor (5,2). Da Argentina (4,6) ganhamos no fotochar.
Curioso é o empate com a Coréia do Sul (4,7), sempre dada como exemplo a seguir. O Brasil investe 1% do PIB em pesquisa e tem 324 cientistas por milhão de habitantes. A Coréia aplica 2,5% de seu produto e ostenta quase dez vezes mais pesquisadores (2.979 por milhão). Um tigre de ineficiência. Alguém poderia presumir que a obesidade latino-americana não afeta as camadas favorecidas da pesquisa, como a biologia molecular, a genética e a bioquímica. Afinal, vivemos na "Era do Genoma". Há mais de uma década esse é o campo hegemônico da pesquisa biomédica -mas afluência não garante influência.
Hermes-Lima e colegas compararam dados de citações em cinco áreas biomédicas dos países do G7 (EUA, Canadá, Reino Unido, França, Alemanha, Itália e Japão) com os de seis nações menos desenvolvidas (Argentina, México, Brasil, Rússia, África do Sul e Índia). Em todas elas o impacto dos ricos é 2 a 3,5 vezes maior.
Mesmo quando se aproximam de escores abastados, da ordem de dez citações por trabalho, não são as áreas próximas da genômica que brilham. No Brasil, é a imunologia (10,1); na Argentina, a neurociência (9,68). Só os biólogos moleculares da África do Sul (13,44) e do México (9,13) sobressaem. Todos esses indicadores são sujeitos a mil influências e distorções. Em sua generalidade, porém, sugerem que há algo de errado no crescimento acelerado da ciência latino-americana e brasileira.
A produção desenfreada de teses de doutorado e genomas disso e daquilo pode impulsionar saltos ornamentais nas estatísticas da Unesco e da Capes, mas não transforma ninguém num Michael Phelps da noite para o dia.
MARCELO LEITE é autor do livro"Promessas do Genoma" (Editora da Unesp, 2007) e responsável pelo blog Ciência em Dia (www.cienciaemdia.zip.net).
E-mail: cienciaemdia@uol.com.br


Texto Anterior: Sem ônus, sem prova
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.