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Vida complexa surgiu há 2 bilhões de anos, diz grupo
Pesquisa acha fóssil de supostos seres de muitas células em rocha africana
Achado recuaria em 1,5
bilhão de anos a origem
dos multicelulares, mas
dados ainda permitem
outras interpretações
REINALDO JOSÉ LOPES
DE SÃO PAULO
Estranhos fósseis oriundos do Gabão, na África Ocidental, podem acabar com a
pasmaceira biológica que parecia reinar na Terra até uns
600 milhões de anos atrás.
Essa era a data mais aceita
para a origem da vida complexa, com muitas células,
mas os tais fósseis têm 2,1 bilhões de anos e, segundo
seus descobridores, representam seres multicelulares,
como os animais e plantas
tão comuns no planeta hoje.
A proposta, que se baseia
numa análise química detalhada dos supostos cacos de
seres vivos do Gabão, está na
edição de hoje da prestigiosa
revista científica "Nature".
O trabalho é assinado por
Abderrazak El Albani, da
Universidade de Poitiers
(França), e Stefan Bengtson,
do Museu Sueco de História
Natural, entre outros membros da equipe internacional.
O primeiro passo do grupo
foi mostrar que as estruturas,
medindo no máximo uns
poucos centímetros e com
aparência que lembra vagamente flores ou corais, eram
mesmo de origem biológica.
Tarefa relativamente fácil,
já que a vida tem um gosto
bem específico para átomos
de carbono. Conforme se desenvolvem, os seres vivos absorvem preferencialmente
uma forma desse elemento;
portanto, estruturas com
proporção elevada desse tipo
de carbono quase certamente derivam de criaturas vivas.
MOLÉCULAS COMPLEXAS
"Outro argumento importante que eles usam é a presença de esteranos, substâncias que são uma forma alterada de moléculas que hoje
só existem em eucariontes
[formas de vida com células
complexas] ", explica Thomas Rich Fairchild, pesquisador do Instituto de Geociências da USP, que comentou o estudo para a Folha.
É verdade, no entanto, que
existem muitos eucariontes
de uma célula só. Embora o
homem pertença a essa categoria, os parasitas da malária
e as amebas também são eucariontes, embora sejam unicelulares. Por isso, o argumento final da equipe tem a
ver com a forma dos fósseis.
Após fazer uma tomografia dos restos, eles constataram uma estrutura complexa, radial (ou seja, em forma
de raio), vagamente parecida
com o que se vê numa estrela-do-mar ou anêmona.
A coisa, seja lá o que ela
fosse, parece ter crescido lentamente, com a adição de camadas de matéria orgânica
nas pontas, como um coral,
mas sem rigidez -as "dobrinhas" parecem ter sido moles antes da fossilização.
Os pesquisadores nem se
arriscam a especular que tipo
de criatura era ou como vivia,
mas afirmam que o mais provável é que se tratasse mesmo de um organismo multicelular, talvez formador de
colônias -de novo, como os
corais dos mares de hoje.
"O trabalho é importante,
e os autores têm cacife para
propor essa explicação, mas
não fico muito satisfeito com
alguns dos argumentos", diz
Fairchild. Um dos grandes
problemas, lembra o pesquisador da USP, é explicar como essa suposta vida multicelular mais antiga estaria relacionada à que veio depois,
essa sim bem documentada.
Como quase não há registros no buraco que separa 2,1
bilhões de anos de 600 milhões de anos, pode ser que
se trate de um experimento
abortado da vida multicelular, um ensaio que não vingou. Assim, as criaturas do
Gabão não seriam ancestrais
de nenhum ser vivo de hoje.
E não dá para descartar a
possibilidade de que sejam
grupos de seres unicelulares.
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