São Paulo, domingo, 01 de setembro de 2002

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Cúpula ambiental só vai reafirmar compromissos de outras reuniões; chefes de Estado começam a chegar

Johannesburgo recicla metas da Eco-92

Moacyr Lopes Junior/Folha Imagem
Manifestantes sem terra do movimento LPM marcham no bairro de Alexandra, Johannesburgo


CLAUDIO ANGELO
ELIANE CANTANHÊDE
ENVIADOS ESPECIAIS A JOHANNESBURGO

Quando o presidente Fernando Henrique Cardoso e outros 103 chefes de Estado se juntarem amanhã em Johannesburgo para bater o martelo sobre o futuro do planeta, na Rio +10, eles provavelmente não terão muito a resolver. A maior parte das recomendações acordadas no texto principal da Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável é reprise de negociações anteriores.
Os principais pontos sobre os quais houve "avanço" na rodada técnica de discussões da cúpula, iniciada na última segunda-feira, remetem a três conferências prévias da ONU: a Eco-92, que consagrou o conceito de desenvolvimento sustentável, a cúpula sobre financiamento ao desenvolvimento de Monterrey, México, no início de 2002, e a rodada ministerial da OMC (Organização Mundial do Comércio) realizada em Doha, Qatar, em 2001.

Recuo em compromissos
Antes do começo da Rio +10, os países ricos, liderados pelos EUA, queriam a todo custo recuar em compromissos assinados na Eco-92. Os principais pontos ameaçados de retrocesso eram o das responsabilidades comuns, mas diferenciadas -princípio segundo o qual a culpa e a conta da poluição são majoritariamente dos países ricos-, e o da destinação de 0,7% do PIB dos países ricos para o desenvolvimento dos pobres.
Dez anos depois, a realidade mudou. Os EUA, apesar do crescimento econômico de uma década, não cumpriram a meta de ajuda externa. O total destinado pelos ricos para os pobres, na verdade, caiu em relação a 1992 -de 0,36% para 0,22% do PIB.
De forma análoga, países como Índia, China e Brasil cresceram e passaram a consumir mais recursos naturais. Razão suficiente, segundo os países ricos, para que passem a pagar mais pela conservação e pela mitigação de danos ambientais do que prevê o princípio das responsabilidades comuns, mas diferenciadas
Os EUA vieram a Johannesburgo dispostos a não adotar metas, nem a fixar datas. Países como o Brasil vieram dispostos a não deixar que os princípios do Rio de Janeiro virassem letra morta. Ambos ganharam.
A solução de compromisso se choca com tudo o que as ONGs temiam: elas preferiam um fracasso retumbante a um acordo fraco, mas é isso que devem obter.
Dos 64 mil participantes da Rio +10, pelo menos 200 compõem a delegação brasileira, aí incluídos diplomatas, a equipe do Ministério do Meio Ambiente, 22 empresários ligados principalmente à Confederação Nacional da Indústria e ONGs de todas as cores.
Tal multidão se movimenta com pressa pelos cinco andares do Sandton Centre, no subúrbio de Sandton, o mais chique de Johannesburgo. Essa metrópole da África do Sul surpreende pela modernidade de determinadas zonas, para onde a população abastada literalmente fugiu da violência, abandonando o centro.
A cidade na qual FHC desembarca hoje está bem policiada. As poucas manifestações que aconteceram na primeira semana da Rio +10 foram restritas e bem-humoradas -além de autorizadas pelo governo, como manda a lei sul-africana. Um acordo entre movimentos sociais e autoridades impediu uma passeata que fecharia o acesso dos líderes mundiais ao Sandton Centre.
O principal problema, mesmo em Sandton, é transporte. Os taxistas e motoristas de ônibus improvisados simplesmente não conhecem ruas e avenidas. Constrangidos, explicam: "Não somos daqui. Fomos chamados para a conferência".

Discórdia
Até sexta-feira à noite, havia impasse em pelo menos 14 pontos centrais do chamado plano de ação, que definirá as diretrizes -que todos aqui chamam de "guidelines"- para os países e o planeta nos próximos anos.
Esse plano de ação será anunciado com o documento final político da Rio +10, na quarta-feira. E, como disse à Folha o embaixador do Brasil na ONU, Gelson Fonseca, 14 itens indefinidos depois de cinco dias de debate não são pouca coisa. "Isso representa praticamente toda a conferência."
Os itens que estrangulam a conferência são: os princípios do Rio, a governança, direitos humanos, saneamento, energia, comércio e finanças, biodiversidade, bens públicos, globalização, dívida social, parcerias, o fundo de solidariedade proposto para os países mais pobres e a questão da mudança climática. Há, ainda, o plano de trabalho de dez anos para implementar a Agenda 21 -carta de intenções produzida pela Eco-92 para a conquista do desenvolvimento sustentável.
Para o Brasil, energia e biodiversidade são pontos de honra. O país propôs a adoção de uma meta de 10% de energias renováveis pelos países até 2010.
A proposta recebeu alguns apoios e diversas resistências dentro do G-77, grupo das nações subdesenvolvidas. Reunidos ontem no Sandton Centre, representantes dos países da América Latina e Caribe (são 33 no total) oficializaram o apoio conjunto à contribuição brasileira.
A União Européia apresentou uma proposta similar, de 15% de meta, mas que inclui na definição de "renováveis" grandes hidrelétricas (consideradas de alto impacto ambiental) e qualquer tipo de biomassa (turfa, bagaço de cana, lenha etc.).
No item biodiversidade, o Brasil, país com o maior número de espécies do mundo, assumiu sua posição de vidraça: só aceitou discutir metas para reduzir as extinções nos próximos dez anos quando as nações detentoras da tecnologia de exploração da fauna e da flora aceitarem repartir com o Terceiro Mundo os benefícios econômicos obtidos.
De novo, um retorno à Eco-92.



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