São Paulo, sexta-feira, 01 de outubro de 2004

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ANÁLISE

"Fazer as pazes" com Ocidente motiva Putin

MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO

A louvável decisão do presidente Vladimir Putin de anunciar a intenção da Rússia de ratificar o Protocolo de Kyoto é política e denota uma pequena vitória da ala moderada de seu governo, que preconiza uma aproximação com a comunidade internacional, particularmente com a Europa.
Apoiando o documento, o Kremlin permitirá sua entrada em vigor. Acima de tudo, todavia, Putin mostra a seus colegas europeus que a Rússia pretende cumprir seus compromissos internacionais, merecendo, portanto, o apoio da União Européia à sua candidatura a membro da Organização Mundial do Comércio.
Ademais, ele vinha sendo criticado internacionalmente por conta do anúncio de que pretende realizar uma radical reforma político-institucional no país e da aprovação, por parte da Duma (a Câmara Baixa do Parlamento, controlada por governistas), de um pacote antiterror que restringe significativamente as liberdades civis e concede superpoderes às agências de combate ao terror.
Se aprovada, a reforma porá fim à eleição direta para governadores regionais e ao voto distrital misto, estabelecendo um sistema proporcional de listas partidárias que dificultará o surgimento de personalidades políticas de peso -opositores ao regime de Putin.
De acordo com o Kremlin, a medida é necessária para reestruturar a administração russa, que é alvo hoje de corrupção maciça, e para fortalecer o combate ao terrorismo. No Ocidente, contudo, ela é vista como uma tentativa do presidente de centralizar poder.
No que tange ao Protocolo de Kyoto, a vitória dos moderados do governo representou a derrota de sua ala estritamente economicista, que não vê vantagens na ratificação. Segundo a Academia de Ciência da Rússia, as receitas da venda de direitos de emissão de CO2 não passarão de 400 milhões anuais, uma quantia "irrisória para o Estado", conforme afirmou seu presidente, Yuri Izrael.
Na realidade, o impacto da ratificação sobre a economia russa ainda não foi calculado exatamente. Mas será difícil para o Kremlin cumprir sua promessa de dobrar o total de riquezas produzidas no país em dez anos. Afinal, sendo compelida a adaptar suas estruturas produtivas às exigências do protocolo e a controlar seus níveis de emissão de gases, a Rússia terá gastos adicionais, o que minará seu crescimento.
Finalmente, Putin teve, de acordo com a ONU e com ambientalistas, uma atitude de "estadista" ao salvar um acordo que estava à beira da morte -cujos benefícios são irrefutáveis, embora ainda insuficientes. Nada mal, no plano pessoal, para quem vinha sendo chamado de "antidemocrático".


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