São Paulo, segunda-feira, 02 de fevereiro de 2004

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QUÍMICA

Experimento em acelerador circular produz átomos superpesados

Equipe da Rússia e dos EUA cria dois elementos

Divulgação/Unicamp
Experimento estuda a queda de gotas d'água sem polímeros...



Divulgação/Unicamp
... e com polímeros, o que produz uma coroa mais estruturada


JAMES GLANZ
DO "NEW YORK TIMES"

Uma equipe de cientistas russos e americanos anunciou ontem a produção de dois novos elementos químicos, chamados de superpesados em razão de sua enorme massa atômica. As descobertas preenchem um espaço vazio na extremidade da tabela periódica e apontam fortemente para uma paisagem estranha de elementos por descobrir além delas.
A equipe, composta de cientistas do Laboratório Nacional Lawrence Livermore, na Califórnia (EUA), e do Instituto Unificado de Pesquisa Nuclear, em Dubna (Rússia), está apresentando seus achados num trabalho publicado na revista especializada "Physical Review C" (prc.aps.org), uma publicação de renome no setor. O artigo foi revisado antes da publicação por cientistas que não participaram da pesquisa.
"Dois novos elementos foram produzidos", diz Walt Loveland, químico nuclear da Universidade Estadual do Oregon (noroeste dos Estados Unidos) que tem familiaridade com a pesquisa. "É incrivelmente entusiasmante. Parece abrir a possibilidade de sintetizar mais elementos, além disso."

Número atômico
A tabela periódica é aquela espécie de tabuleiro de xadrez irregular que enfeita salas de aula no mundo inteiro, com o H de hidrogênio -o elemento químico mais leve- no canto superior esquerdo. Cada elemento tem um número próprio de prótons, partículas com carga elétrica positiva que ficam no denso centro do átomo chamado de núcleo.
O número de prótons, começando com um para hidrogênio, fixa o lugar do elemento na tabela periódica e contribui muito para determinar as propriedades químicas desse elemento: dúctil e metálico à temperatura ambiente, no caso do ouro (número 79), gasoso e predominantemente inerte, no caso do neônio (número 10), líquido e tóxico, no caso do mercúrio (número 80).
Elementos pesados como o urânio (número 92 na lista) existem na natureza, e outros foram criados artificialmente. Mas elementos muito mais pesados têm se mostrado difíceis de fabricar, em parte porque se tornam crescentemente instáveis e efêmeros.
Ainda assim, ao longo de meio século, cientistas nucleares têm procurado uma fugidia "ilha de estabilidade" em algum local na região dos superpesados, na qual poderia haver elementos mais duradouros e com propriedades químicas novas. Loveland afirma que os novos resultados indicam que os cientistas podem estar perto de encontrar essa ilha.
"É mais ou menos como se estivéssemos na praia dessa ilha de estabilidade", afirma Kenton J. Moody, físico nuclear do Laboratório Livermore e um dos participantes no experimento. "É um efeito impressionante", acrescenta. "Nós estamos mesmo tateando os seus contornos."

Ciclotron em Dubna
Os experimentos tiveram lugar em um ciclotron, acelerador de partículas circular, em Dubna, no qual os pesquisadores dispararam um isótopo raro de cálcio (número 20) contra um alvo de amerício (número 95), um elemento usado em aplicações tão diversas quanto armas nucleares e detectores de fumaça domésticos. Em somente quatro oportunidades -ao longo de um mês de bombardeio em julho e agosto, 24 horas por dia- um núcleo de cálcio se fundiu com um núcleo de amerício, criando um novo elemento, relatam cientistas que participaram do experimento.

Vida curta
Cada núcleo de cálcio contém 20 prótons. O amerício, 95. Como o número de prótons determina onde o elemento se encaixa na tabela periódica, uma simples soma mostra que o novo elemento teria o número atômico 115, que nunca havia sido detectado.
Por uma fração de segundo, os quatro átomos do elemento número 115 decaíram radioativamente para um elemento com 113 prótons -elemento jamais visto, tampouco. Os átomos de número 113 duraram até 1,2 segundo, antes de decair radioativamente em elementos conhecidos.
Cientistas geralmente não dão nomes permanentes a elementos nem os inscrevem nos livros escolares antes que as descobertas tenham sido confirmadas por outro laboratório. Segundo uma convenção internacional baseada nos números, o elemento 113 receberia o nome temporário de unúntrio (abreviado Uut na tabela periódica), e o elemento 115 seria designado como ununpêntio (Uup).
Loveland diz concordar que os novos elementos requeiram confirmação independente antes de receber aceitação final. E admite que os achados de Dubna devem receber mais do que o nível tradicional de verificação: dois anos atrás, a descoberta anunciada do elemento 118 teve de ser retratada depois de ter vindo à tona que um pesquisador do Laboratório Nacional Lawrence Livermore havia forjado evidências.

Descobertas simultâneas
Antes do experimento em Dubna, só houve uma descoberta simultânea de dois elementos em tempos recentes: foi em 1952, quando o einstênio (número 99) e o férmio (número 100) foram descobertos na poeira da explosão de uma bomba de hidrogênio no atol Eniwetok, no oceano Pacífico.
A mais recente descoberta bem-sucedida de um elemento -ou seja, uma que tenha originado um nome- se deu em 1994. O elemento, de número 110, foi chamado de darmstádtio, em homenagem à cidade alemã na qual havia sido descoberto.
Embora cientistas aguardem a confirmação dos elementos 115 e 113, os dados apresentados pelos grupos de Dubna e Livermore parecem sólidos para Sigurd Hofmann, físico nuclear do Instituto de Pesquisa de Íons Pesados em Darmstadt, o laboratório em que o darmstádtio foi descoberto.
"Os dados de Dubna parecem muito convincentes", diz Hofmann. "E estou seguro de que, com mais experimentos, ele será finalmente aceito."
Joshua B. Patin, 28, químico nuclear que é o principal autor norte-americano do artigo, disse que ficou muito comovido por acrescentar duas novas entradas a um ícone científico dos anos 1860. Foi então que o químico russo Dmitri Ivanovich Mendeleyev percebeu padrões claros nas propriedades químicas dos elementos conhecidos na época e os organizou na primeira tabela periódica.



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