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Corte católica decidirá futuro da ciência
Apesar de pressões religiosas e da fé dos próprios ministros, tendência é que Supremo libere uso de embrião em pesquisa
Um dos ministros lamentou
que o julgamento da Lei de
Biossegurança aconteça na
quaresma e brincou que
colegas irão "para o inferno"
SILVANA DE FREITAS
JOHANNA NUBLAT
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Um plenário composto por
ministros católicos decidirá a
partir da próxima quarta-feira
o futuro no Brasil das pesquisas
com células-tronco de embriões humanos, em uma sala
que ostenta um grande crucifixo na parede. A tendência dos
11 ministros do STF (Supremo
Tribunal Federal) é liberá-las,
apesar das pressões da Igreja
Católica contra elas.
O julgamento será permeado
por questões religiosas e argumentos emocionais, tanto por
parte da igreja quanto da comunidade científica, que estão em
lados opostos nessa batalha.
Os ministros foram indagados pela Folha sobre sua religião. Apenas um não se disse
católico e outro desconversou.
Em geral, eles afirmaram que a
fé não irá interferir na decisão.
O relator da causa, Carlos
Ayres Britto, disse que recebeu
essa formação, mas se tornou
"um holista" depois de ler sobre outras crenças. Outro, Cezar Peluso, evitou responder à
pergunta: "Ainda não decidi".
Já Carlos Alberto Menezes
Direito é católico militante.
Faz parte da União dos Juristas
Católicos do Rio de Janeiro e já
deu declaração pública contra
a utilização de células-tronco
em pesquisas, em 2001.
Eles irão julgar uma ação direta de inconstitucionalidade
contra o artigo 5º da Lei de
Biossegurança, de 2005, que
permitiu a pesquisa com células-tronco de embriões fertilizados in vitro e descartados.
Ela proíbe o comércio e exige
que sejam usados embriões inviáveis ou descartados há pelo
menos três anos e que isso seja
autorizado pelo casal.
A ação foi movida pelo ex-procurador-geral da República
Claudio Fonteles (2003-2005),
que chegou ao cargo com apoio
de setores da Igreja Católica.
Um dos ministros favoráveis
às pesquisas tem lamentado,
reservadamente, a necessidade
de eles tomarem a decisão em
plena quaresma, período de 40
dias entre o carnaval e a Semana Santa em que os cristãos
pregam penitência e oração.
Em tom de brincadeira, ele diz
que, dependendo do resultado,
eles irão "para o inferno".
Não está descartado o adiamento da decisão por um eventual pedido de vista de algum
dos 11 ministros. O motivo não
seria religioso, mas objetivo: a
complexidade do tema, que é
"multidisciplinar", segundo o
relator, Ayres Britto.
O julgamento ocorrerá no
ano em que a CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do
Brasil) promove a campanha
"Fraternidade e Defesa da Vida", sob o lema "Escolhe, pois,
a vida" -uma pregação contra
o aborto e, por tabela, segundo
a lógica dos católicos, contra a
pesquisa com embriões. A decisão será tomada em um plenário que ostenta na parede um
crucifixo, polêmica tradição
em órgãos públicos, dado que o
Estado brasileiro é laico.
O debate será contaminado
por argumentos emocionais
disfarçados de teses jurídicas.
A igreja diz que a Constituição
garante a inviolabilidade do direito à vida e a dignidade da
pessoa humana e parte do princípio de que esses direitos são
extensivos ao embrião, porque
a vida começaria na concepção.
Para se contrapor a essa tese,
a comunidade científica afirma
que milhões de pessoas portadoras de doenças diversas dependem da pesquisa com células-tronco para a cura e que as
células de embriões são mais
promissoras que as adultas (às
quais os religiosos não objetam), já que, diferentemente
destas, têm a capacidade de se
diferenciar em qualquer tipo
de tecido no organismo. Para
eles, os ministros deveriam se
preocupar com a vida dessas
pessoas, não a de embriões já
descartados para a reprodução.
Na quinta-feira, a geneticista
Mayana Zatz mostrou aos ministros Eros Grau e Ricardo
Lewandowski a vareta de congelamento de embriões. "Um
fiozinho desses congela dezenas de embriões. Não podemos
comparar células a pessoas."
A CNBB atua como parte interessada na causa e distribuiu
aos ministros memoriais com a
sua linha de argumentação.
Do outro lado, estão quatro
organizações não-governamentais: Movimento em Prol
da Vida, Conectas Direitos Humanos e Instituto de Bioética,
Direitos Humanos e Gênero.
O julgamento poderá se estender até quinta-feira. Embora a maioria dos ministros esteja inclinada a votar a favor das
pesquisas, a outra corrente terá
dois fortes debatedores -Menezes Direito e Cezar Peluso.
Por isso, na última hora, poderá atrair o apoio de indecisos.
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