São Paulo, terça-feira, 02 de julho de 2002

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AMBIENTE

Professor da Universidade de Maryland afirma que recusa em aderir a pacto contra efeito estufa é protecionismo

OMC traria Bush a Kyoto, diz economista

CLAUDIO ANGELO
EDITOR-ASSISTENTE DE CIÊNCIA

Esqueça as pressões políticas da comunidade internacional. O economista americano Herman Daly, da Universidade de Maryland, acha que o único jeito de trazer seu país de volta ao Protocolo de Kyoto é falar uma língua que o presidente George W. Bush domina: a do dinheiro. Para Daly, os países que ratificarem o acordo contra o efeito estufa devem retaliar os EUA na OMC (Organização Mundial do Comércio).
Parece loucura, mas o raciocínio tem lógica: para atingir as metas de Kyoto de redução de gases que causam o efeito estufa, os países deverão modificar todo o seu sistema energético. E isso tem preço. Não aderindo ao acordo, os EUA teriam -num primeiro momento- uma vantagem competitiva sobre as outras nações. "Não pagar por Kyoto é protecionismo", disse o economista semana passada, durante o 1º Encontro Internacional do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas.
Daly, 64, foi economista sênior da área ambiental do Banco Mundial. Ele defende a inclusão das chamadas externalidades -fatores como o valor dos recursos naturais- nas contas da economia.
Se Kyoto afundar, ele tem outra idéia: mudar a estrutura da Opep (Organização dos Países Exportadores de Petróleo), de modo a monopolizar o preço e incluir nele os custos externos.
"Isso poderia fazer os EUA pensarem que Kyoto não é assim tão ruim", afirmou, em entrevista à Folha. Leia trechos da conversa.

Folha - Por que o sr. acha que os economistas resistem a incluir as externalidades em suas contas?
Herman Daly -
Bem, eles reconhecem as externalidades, mas ainda acham que elas são muito pequenas. Não admitem que as externalidades muitas vezes ultrapassam os custos internalizados. Se a maior parte dos custos fica de fora das contas, sua teoria não serve. O que eles descartam de início é a base física da economia.

Folha - Há quem pense em mecanismos de mercado para serviços de ecossistemas, por exemplo. Como pôr esses valores na conta?
Daly -
Eu não acho que você consiga, por mecanismos de mercado, obter valores e transferi-los de volta à natureza. Acho que o que você precisa fazer é estabelecer limites quantitativos para a exploração da natureza pela economia. Então, o mercado, a partir do momento em que houver escassez de recursos, contabilizará a escassez de recursos sem que nós façamos nada. Ele automaticamente aumentará os preços e internalizará isso para toda a economia.

Folha - Então trata-se de decisão política, não de economia.
Daly -
Acho que se trata de uma decisão política, ecológica e ética. Quantos recursos nós podemos extrair do ambiente, quantos resíduos podemos devolver ao ambiente sem lhe causar dano. Depois, para as gerações futuras, quão rápido usamos nossos recursos renováveis e quanto deles nós poupamos. Em terceiro lugar, quanto do sistema natural nós preservamos para outras espécies. Esses parâmetros põem um limite físico ao mercado.

Folha - Mas as empresas não querem limites.
Daly -
Até agora não. E os políticos tampouco. Porque eles foram comprados pelas empresas.

Folha - Há alguma maneira de convencê-los?
Daly -
Eu acho que o argumento para convencê-los não é: "Olha aqui um jeito de você ganhar muito dinheiro", mas "olha aqui um jeito de você não perder a sua fatia". Uma maneira de evitar grandes perdas. Porque eu acho que nós já estamos vivendo uma grande dívida ecológica.

Folha - O sr. defende a idéia de acionar os EUA na Organização Mundial do Comércio por protecionismo se eles não ratificarem o Protocolo de Kyoto. Isso é factível?
Daly -
Eu acho que sim. É claramente uma violação do princípio do campo nivelado. Se um país tem de arcar com todos esses custos [de adaptação do sistema energético ao corte de emissões" e outro país não tem, não dá para chamar isso de livre comércio.

Folha - O sr. também diz que a Opep deveria ser ampliada, para que o preço do petróleo fosse realmente monopolizado, não só cartelizado. Os EUA não deveriam acionar essa Opep ampliada na OMC?
Daly -
(risos) Eles provavelmente gostariam de acionar a Opep agora! Isso realmente requereria uma Opep muito diferente, não só um grupo de países árabes, mas um grupo internacional que reunisse vários países produtores.

Folha - Sem os EUA?
Daly -
Bem, os EUA são tanto um país produtor quanto consumidor, mas consomem muito mais do que produzem. Então, nesse caso eles estariam no lado dos consumidores. Claro, os EUA iriam odiar. Se houver uma perspectiva real de uma Opep expandida, isso poderia fazer os Estados Unidos pensarem duas vezes sobre Kyoto. Sabe, Kyoto não é assim tão ruim diante da Opep expandida. Claro, essas são assumidamente medidas desesperadas, porque a situação é desesperada. E não faz bem nenhum só falar de coisas politicamente factíveis quando o mundo está numa situação desesperadora.



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