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AMBIENTE
Professor da Universidade de Maryland afirma que recusa em aderir a pacto contra efeito estufa é protecionismo
OMC traria Bush a Kyoto, diz economista
CLAUDIO ANGELO
EDITOR-ASSISTENTE DE CIÊNCIA
Esqueça as pressões políticas da
comunidade internacional. O
economista americano Herman
Daly, da Universidade de Maryland, acha que o único jeito de trazer seu país de volta ao Protocolo
de Kyoto é falar uma língua que o
presidente George W. Bush domina: a do dinheiro. Para Daly, os
países que ratificarem o acordo
contra o efeito estufa devem retaliar os EUA na OMC (Organização Mundial do Comércio).
Parece loucura, mas o raciocínio tem lógica: para atingir as metas de Kyoto de redução de gases
que causam o efeito estufa, os países deverão modificar todo o seu
sistema energético. E isso tem
preço. Não aderindo ao acordo,
os EUA teriam -num primeiro
momento- uma vantagem competitiva sobre as outras nações.
"Não pagar por Kyoto é protecionismo", disse o economista semana passada, durante o 1º Encontro
Internacional do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas.
Daly, 64, foi economista sênior
da área ambiental do Banco Mundial. Ele defende a inclusão das
chamadas externalidades -fatores como o valor dos recursos naturais- nas contas da economia.
Se Kyoto afundar, ele tem outra
idéia: mudar a estrutura da Opep
(Organização dos Países Exportadores de Petróleo), de modo a
monopolizar o preço e incluir nele os custos externos.
"Isso poderia fazer os EUA pensarem que Kyoto não é assim tão
ruim", afirmou, em entrevista à
Folha. Leia trechos da conversa.
Folha - Por que o sr. acha que os
economistas resistem a incluir as
externalidades em suas contas?
Herman Daly - Bem, eles reconhecem as externalidades, mas
ainda acham que elas são muito
pequenas. Não admitem que as
externalidades muitas vezes ultrapassam os custos internalizados.
Se a maior parte dos custos fica de
fora das contas, sua teoria não
serve. O que eles descartam de início é a base física da economia.
Folha - Há quem pense em mecanismos de mercado para serviços
de ecossistemas, por exemplo. Como pôr esses valores na conta?
Daly - Eu não acho que você consiga, por mecanismos de mercado, obter valores e transferi-los de
volta à natureza. Acho que o que
você precisa fazer é estabelecer limites quantitativos para a exploração da natureza pela economia.
Então, o mercado, a partir do momento em que houver escassez de
recursos, contabilizará a escassez
de recursos sem que nós façamos
nada. Ele automaticamente aumentará os preços e internalizará
isso para toda a economia.
Folha - Então trata-se de decisão
política, não de economia.
Daly - Acho que se trata de uma
decisão política, ecológica e ética.
Quantos recursos nós podemos
extrair do ambiente, quantos resíduos podemos devolver ao ambiente sem lhe causar dano. Depois, para as gerações futuras,
quão rápido usamos nossos recursos renováveis e quanto deles
nós poupamos. Em terceiro lugar,
quanto do sistema natural nós
preservamos para outras espécies. Esses parâmetros põem um
limite físico ao mercado.
Folha - Mas as empresas não querem limites.
Daly - Até agora não. E os políticos tampouco. Porque eles foram
comprados pelas empresas.
Folha - Há alguma maneira de
convencê-los?
Daly - Eu acho que o argumento
para convencê-los não é: "Olha
aqui um jeito de você ganhar muito dinheiro", mas "olha aqui um
jeito de você não perder a sua fatia". Uma maneira de evitar grandes perdas. Porque eu acho que
nós já estamos vivendo uma grande dívida ecológica.
Folha - O sr. defende a idéia de
acionar os EUA na Organização
Mundial do Comércio por protecionismo se eles não ratificarem o Protocolo de Kyoto. Isso é factível?
Daly - Eu acho que sim. É claramente uma violação do princípio
do campo nivelado. Se um país
tem de arcar com todos esses custos [de adaptação do sistema
energético ao corte de emissões" e
outro país não tem, não dá para
chamar isso de livre comércio.
Folha - O sr. também diz que a
Opep deveria ser ampliada, para
que o preço do petróleo fosse realmente monopolizado, não só cartelizado. Os EUA não deveriam acionar essa Opep ampliada na OMC?
Daly - (risos) Eles provavelmente gostariam de acionar a Opep
agora! Isso realmente requereria
uma Opep muito diferente, não
só um grupo de países árabes,
mas um grupo internacional que
reunisse vários países produtores.
Folha - Sem os EUA?
Daly - Bem, os EUA são tanto
um país produtor quanto consumidor, mas consomem muito
mais do que produzem. Então,
nesse caso eles estariam no lado
dos consumidores. Claro, os EUA
iriam odiar. Se houver uma perspectiva real de uma Opep expandida, isso poderia fazer os Estados
Unidos pensarem duas vezes sobre Kyoto. Sabe, Kyoto não é assim tão ruim diante da Opep expandida. Claro, essas são assumidamente medidas desesperadas,
porque a situação é desesperada. E não faz bem nenhum só falar de
coisas politicamente factíveis quando o mundo está numa situação desesperadora.
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