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Dos EUA, com carinho
Lei de mudança climática americana cria rota de colisão com países pobres ao impor "tarifa de carbono" no comércio internacional
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SERGIO BESSERMAN VIANNA
GUIDA PIANI
PEDRO MIRANDA
ESPECIAL PARA A FOLHA
No final de junho
passado, a Câmara
dos Representantes do Congresso
americano aprovou um projeto de lei que estabelece regras relativas ao clima
e ao uso de energia nos Estados
Unidos -o Ato de Energia
Limpa e Segurança de 2009.
Entre outras providências, o
ato inclui uma agenda extensa
e detalhada visando à redução
dos gases de efeito estufa
(GEE), baseada em um sistema
de controle ("cap") desses gases e de comercialização ("trade") de licenças que põem um
preço na emissão de carbono.
Sob o regime de "cap and trade", as empresas americanas
terão uma licença -que poderão comprar ou vender- para
cada tonelada de GEE emitida.
Para algumas firmas, será mais
fácil e barato reduzir suas
emissões a níveis mais baixos
do que os requeridos. Estas firmas poderão, então, vender licenças não utilizadas a outras
que se defrontem com maiores
dificuldades de se enquadrarem dentro de seus limites.
Esse mecanismo garantirá
uma redução do nível total de
GEE emitidos nos EUA, o qual,
por sua vez, deverá decrescer
ao longo dos anos, até que seja
atingida uma meta final. Esse
objetivo último é reduzir, até o
ano 2050, o nível de emissão de
dióxido de carbono dos EUA
em 83% em relação aos níveis
verificados em 2005.
Embora aprovada por uma
margem de votos apertada, a
passagem pela Câmara representa importante vitória do
presidente Barack Obama.
Após sua provável aprovação
pelo Senado, a lei irá estabelecer, pela primeira vez nos EUA,
um limite obrigatório à emissão dos gases associados ao
aquecimento global.
Surpresa
No entanto, a Câmara incluiu
no projeto uma cláusula que
exige que, a partir de 2020, seja
imposto um "ajuste na fronteira" -uma tarifa- sobre bens
originários de outros países
que não estejam tomando providências a respeito de suas
emissões de gases ligadas ao
aquecimento global.
Duas condições livrariam os
países da taxação extra: se os
GEE ou a intensidade de energia do setor exportador forem
iguais ou menores do que os níveis mais baixos de seus competidores americanos ou se
85% das importações americanas do produto vierem de países com compromissos reais de
redução de emissões, considerados aceitáveis pelos EUA em
um acordo internacional.
A possibilidade de aplicação
de um "ajuste na fronteira" impediria que os consumidores
americanos tivessem um incentivo de comprar, preferencialmente, produtos de outros
países cujas indústrias estivessem desoneradas dos custos de
reduzir suas emissões.
De forma análoga, inibiria a
transferência de parques produtivos dos EUA para países
nessas condições. Tais "vazamentos" reduziriam a eficiência do esforço para a redução
das emissões globais.
A implementação de medidas como esta alimenta o debate a respeito da inevitável convergência -ou colisão- entre
as agendas de negociação para
um novo acordo sobre mudanças climáticas e na Organização
Mundial do Comércio.
A primeira questão colocada
é: quais seriam os principais
países atingidos pela imposição
de uma tarifa ao carbono? Sem
dúvida, os países em desenvolvimento -muitos dos quais,
como o Brasil, ainda não fixaram metas próprias para limitar suas emissões.
O mais importante dos gases-estufa é o dióxido de carbono
(CO2). Considerando apenas as
emissões da queima de combustíveis fósseis, em 2006 a
China já liderava o ranking dos
maiores emissores do mundo.
Por outro lado, os países em
desenvolvimento argumentam
que deveria ser levado em conta o princípio da responsabilidade histórica, estabelecido na
Eco-92. O que aquece o planeta
é o estoque de carbono na atmosfera, formado principalmente pelas emissões dos países desenvolvidos a partir da
Revolução Industrial. Por isso,
no Protocolo de Kyoto, os países em desenvolvimento ficaram isentos de metas de corte.
Caso seja obtido um acordo
global em Copenhague, em dezembro, a segunda condição da
cláusula de "ajuste na fronteira" isentaria os signatários. Seria, sem dúvida, um poderoso
instrumento de pressão para
que todos os países aderissem
ao resultado final das negociações, reforçado pela provável
disposição da União Europeia
de tomar medidas análogas.
Se o acordo multilateral fracassar, haverá o risco de adoção
de fortes medidas comerciais
unilaterais discriminatórias.
Esse cenário atingiria de forma
bastante desfavorável os países
em desenvolvimento, onde se
concentra grande parte das indústrias intensivas em energia,
como a siderúrgica, a do alumínio e a de papel.
O projeto de lei americano
deverá sofrer modificações no
Senado. Não obstante, considerando o "cap and trade" e suas
implicações para os países em
desenvolvimento, uma reação
passiva por parte desses ficou
mais difícil nas negociações sobre a mudança climática.
Os desdobramentos das negociações para a liberalização
do comércio mundial e para o
enfrentamento da mudança
climática estão convergindo. Se
houver avanços na governança
global e na coordenação dos
processos, o resultado poderá
ser sinérgico. Caso contrário, a
colisão será inevitável.
SERGIO BESSERMAN VIANNA é professor de
Economia da PUC-RJ. Foi presidente do IBGE
(1999-2003). GUIDA PIANI e PEDRO MIRANDA
são pesquisadores do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
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